Capítulo 4 — Ecos do Véu

A cripta sagrada sob a antiga catedral vibrava com uma energia ancestral. O trio — Helena, Adrian e Isadora — permanecia diante de um altar esquecido, onde símbolos da Ordem das Veias Ocultas ainda reluziam sob a poeira dos séculos. Acima deles, o mundo parecia respirar mais devagar, como se a própria realidade hesitasse em seguir adiante.

— O que exatamente vamos fazer aqui? — Isadora perguntou, mantendo os olhos atentos às sombras que se moviam sozinhas nas paredes.

— Vamos abrir o caminho para o Véu — respondeu Adrian, traçando com uma adaga runas no chão ao redor do altar. — Só assim poderemos destruí-lo por dentro.

— E como vamos voltar? — perguntou Helena, segurando firmemente o medalhão.

— Não sei se voltaremos — disse Adrian, com sinceridade fria. — Mas se ficarmos, a cidade inteira cairá sob a influência do Umbral.

Helena se ajoelhou ao lado dele, ajudando a completar o círculo com sangue e sal. Ela já havia enfrentado horrores antes, mas havia algo diferente agora. Uma escuridão que não era apenas física, mas emocional. Era como se o Umbral estivesse tentando dilacerar não apenas corpos, mas também almas.

— Há algo que não me contou — disse ela, fitando Adrian. — Essa criatura… você a conhece.

Adrian suspirou e assentiu lentamente.

— Seu nome é Vaelreth. Um antigo senhor do Véu. Antes de minha transformação, ele me perseguiu em sonhos. Quando fui mordido, eu o vi do outro lado, observando, sorrindo. Ele me quer. Sempre quis.

Helena apertou os punhos.

— Então ele tem um plano.

— Sempre teve — Adrian respondeu. — E agora, com Isadora marcada, ele tem uma porta para este mundo. Um atalho.

Isadora recuou um passo, sentindo o peso da verdade.

— Se eu for o portal… talvez devesse me entregar.

Helena virou-se bruscamente.

— Nem pense nisso.

— Talvez seja a única forma de impedir…

— Não! — Helena levantou-se. — Você é minha irmã. Não vou deixar que se sacrifique por algo que mal compreendemos.

Adrian colocou-se entre as duas.

— Ninguém vai se entregar. Vamos até o Véu, sim. Mas para destruir a ligação. Para selar o caminho.

Ele então estendeu o punhal de prata a Isadora.

— Você também precisa participar do ritual. O sangue da marcada é a chave.

Isadora hesitou, mas então cortou levemente a palma da mão. O sangue pingou sobre o selo central do círculo, que imediatamente brilhou em tom carmesim.

— Agora — disse Adrian — segurem minhas mãos.

Eles formaram o triângulo. O círculo brilhou. O mundo pareceu se despedaçar.

E então tudo sumiu.

Não havia chão, nem céu. Apenas um vazio etéreo, onde fragmentos de realidade flutuavam como espelhos quebrados. As leis da física não existiam ali. O tempo não corria: se contorcia.

— Estamos dentro do Véu — disse Adrian, seus olhos agora completamente vermelhos, adaptando-se à energia caótica do lugar.

— É como… um sonho podre — murmurou Helena, tentando manter o equilíbrio.

Isadora cambaleava, segurando o medalhão.

— Há vozes aqui. Milhares. Sussurrando em línguas que não entendo… mas que de alguma forma reconheço.

Adrian ergueu o olhar para uma estrutura no horizonte: uma torre feita de ossos, em espiral, que tocava as nuvens negras do abismo.

— Vaelreth está ali. É o centro. O coração do Umbral.

— Então vamos até ele — disse Helena, sacando uma estaca de prata.

Mas nada era simples no Véu. O caminho entre eles e a torre era um labirinto mutável, feito de ilusões e memórias corrompidas. À medida que avançavam, Helena ouviu vozes familiares — a risada de sua mãe, o choro de Isadora quando pequena, até mesmo sua própria voz gritando em pesadelos esquecidos.

— Ele está tentando nos quebrar — Adrian avisou. — O Véu distorce o que há de mais profundo em nós.

De repente, Isadora gritou. Diante dela, uma figura apareceu — uma cópia perfeita de Helena, mas com os olhos vazios e pele acinzentada.

— Lena...? — Isadora sussurrou.

— Não sou ela — disse a cópia, com uma voz arrastada. — Eu sou o reflexo do que ela teme se tornar.

A cópia avançou, e Helena a interceptou, lutando consigo mesma. O confronto foi violento, psicológico. A cópia sabia cada movimento, cada pensamento. Mas não tinha o que tornava Helena forte: amor.

Com um golpe certeiro, Helena atravessou o coração da criatura com a estaca. O corpo se desfez em fumaça.

— Nada aqui é real — disse ela. — Mas pode nos matar como se fosse.

Isadora a abraçou, tremendo.

— Eu… quase acreditei.

— Confie em mim, Isa. Sempre.

Eles seguiram em frente, enfrentando sombras e lembranças torturadas. Adrian lutou contra versões distorcidas de si mesmo — monstros que representavam sua sede por sangue, sua culpa por ter se entregado à maldição.

Por fim, chegaram à base da torre. Guardando o portão, havia um ser feito de ossos e olhos — o Arauto de Vaelreth.

— Aquele que deseja cruzar… deve pagar com sua humanidade — entoou o ser, sua voz reverberando em todas as direções.

Adrian avançou.

— Já não sou humano. Que seja suficiente.

O Arauto se calou. Então sorriu com dentes demais.

— Passagem concedida ao perdido.

O portão se abriu com um som de gritos se afastando. Eles subiram a espiral da torre, degrau por degrau, cada vez mais próximos do coração do terror.

No topo, Vaelreth os aguardava.

Ele era maior do que qualquer criatura que tivessem enfrentado. Vestido em sombras vivas, seus olhos eram como estrelas mortas. As marcas do Véu giravam em sua pele como constelações.

— Meus filhos finalmente vieram — disse ele, sorrindo com uma boca que se estendia até as orelhas.

Helena ergueu a estaca, mas ele não se moveu.

— A coragem é admirável… mas inútil. O Véu é eterno. E agora, com a marcada aqui, posso cruzar totalmente.

— Você não vai tocá-la — Adrian rosnou.

— Você me pertence, Vellmont. Foi marcado desde o momento em que provou sangue pela primeira vez. — Vaelreth então virou-se para Isadora. — Mas ela… ela é a chave. A ponte. Ela me viu. E ao me ver, me chamou.

Isadora deu um passo à frente.

— Eu não sou sua.

— Todos vocês são. Mesmo que neguem.

Helena correu em direção a ele, tentando cravar a estaca em seu peito. Vaelreth parou o golpe no ar com um gesto, como se fosse um brinquedo.

— Patética.

Mas então, algo inesperado aconteceu. Isadora ergueu o medalhão, que brilhava com uma luz dourada intensa.

— Eu vi você. Mas também vi a porta. E sei como fechá-la.

Vaelreth hesitou.

— O que você faz?

— Algo que você não espera — disse ela, e com um grito, cravou o medalhão em seu próprio peito.

Uma explosão de luz se espalhou pela sala. O Véu tremeu.

— NÃO! — rugiu Vaelreth, tentando conter a energia que agora escapava dele.

Helena correu até a irmã.

— ISADORA!

Mas Isadora estava envolta em um casulo de luz. Suas palavras ecoaram em todos os cantos do Véu:

— Eu sou a chave. E sou a fechadura.

Com um rugido final, Vaelreth foi desfeito, seus fragmentos sugados para dentro da torre, que começou a colapsar.

Adrian agarrou Helena.

— Temos que sair. Agora!

— Mas e Isadora?

— Ela está selando o Véu por dentro. Confiemos nela.

Eles correram, atravessando os corredores desmoronando, as sombras tentando segurá-los, arrastá-los de volta. Quando passaram pelo portão do Arauto, tudo atrás deles desmoronou.

Acordaram na cripta. A marca no pulso de Isadora havia desaparecido.

Mas ela não estava ali.

Dias depois, Valebris voltou a respirar normalmente. As crianças dormiam em paz, e o céu voltara a mostrar estrelas.

Helena sentava no telhado da mansão Vellmont, observando o horizonte. Adrian surgiu ao lado dela, em silêncio.

— Ainda não consigo acreditar — ela murmurou.

— Ela se sacrificou. Como uma Guardiã faria.

— Ela era só uma garota.

— Era a mais corajosa de nós.

Helena se virou para ele.

— E agora? O Véu foi fechado?

— Temporariamente. Mas há outros como Vaelreth. Sempre há.

Helena pegou o medalhão, agora rachado, pendurado em seu pescoço.

— Vamos encontrá-los. Um por um.

Adrian sorriu.

— Juntos?

— Sempre.

E no silêncio da noite, uma brisa fria passou, trazendo com ela uma risada suave. A de Isadora.

O Véu estava selado. Mas jamais esquecido.

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