Capítulo 2 — Ecos do Subsolo

As escadas desciam fundo, cada degrau um passo em direção ao desconhecido. Helena seguia Adrian com a respiração contida, os sentidos aguçados. A casa Vellmont era maior do que parecia por fora — e muito mais antiga. As paredes de pedra úmida revelavam inscrições em línguas esquecidas, algumas brilhando fracamente à luz das velas presas em suportes de ferro. Um cheiro de mofo, sangue seco e história impregnava o ar.

— Onde estamos indo? — ela perguntou, a voz ecoando nas paredes estreitas.

— Aos arquivos do clã. Tudo o que foi escondido dos olhos humanos... tudo o que foi esquecido... está aqui.

Helena engoliu em seco. Havia algo no tom de Adrian que soava como reverência — ou medo.

O corredor terminou numa porta circular de ferro, coberta por símbolos gravados com precisão obsessiva. Adrian passou os dedos sobre um deles e sussurrou algo em um idioma que arrepiou a nuca de Helena. A porta gemeu e, com um estalo, girou para dentro, revelando uma vasta câmara subterrânea.

Era uma biblioteca. Mas não como nenhuma que ela já tivesse visto. Prateleiras circulares se estendiam até o teto de pedra, repletas de livros encadernados em couro, pergaminhos selados e frascos contendo... líquidos estranhos. No centro, um altar de mármore negro com marcas de sangue seco.

— Bem-vinda à Cripta do Conhecimento — disse Adrian, com um toque de ironia amarga. — Aqui estão os registros do clã Vellmont. Nossas vitórias, nossos erros... e nossos monstros.

Helena caminhou lentamente entre as prateleiras, tocando os livros com dedos hesitantes.

— Por que tudo isso está escondido?

— Porque o mundo teme o que não entende. E os Vellmont fizeram muita coisa que nem mesmo os monstros ousariam.

Ela se virou para ele.

— Inclusive esse pacto que pode trazer minha irmã de volta?

Adrian assentiu lentamente.

— Está aqui, sim. Mas não é um ritual comum. É o “Vínculo Carmesim”. Um laço de sangue entre dois mundos. Um vivente e um morto. Uma troca de almas.

Helena arregalou os olhos.

— Você disse que exigiria um sacrifício...

— Sim. O ritual exige que o executante se conecte à alma perdida. E para isso, precisa cruzar o Umbral.

— O que é o Umbral?

Adrian hesitou antes de responder:

— Um lugar entre a vida e a morte. Um véu onde os mortos sussurram e os vivos se perdem. Uma vez lá, você terá pouco tempo. Se falhar, ficará presa... como Isadora.

Helena se sentou num banco de pedra, sentindo o peso da escolha prestes a fazer.

— E o que acontece se eu conseguir?

— Ela voltará. Mas marcada. Nem todas as partes de lá retornam com a alma. Às vezes, algo mais vem junto.

Um silêncio pesado pairou entre eles. A luz das velas tremulava como se sentisse o que se aproximava. Helena ergueu os olhos para Adrian, buscando mais do que respostas — buscando a verdade nos olhos do vampiro.

— Por que está me ajudando? De verdade.

Ele desviou o olhar, os traços do rosto endurecendo.

— Porque vi o que acontece quando se foge do passado. Eu já amei uma humana, há séculos. Prometi protegê-la. Mas no fim... ela foi levada. Não por monstros, mas por mim. Pela minha sede. Minha fraqueza. E nunca mais consegui salvá-la.

Helena se aproximou.

— E agora você acha que pode se redimir?

Adrian a encarou. Seus olhos vermelhos não tinham ódio. Tinham dor.

— Não. Mas talvez eu possa impedir que você cometa os mesmos erros.

O toque das mãos de Helena no braço dele foi sutil, mas cheio de significado.

— Não vou recuar. Me mostre o ritual.

Adrian se moveu até uma estante baixa, puxou um tomo antigo encadernado em pele escurecida. Abriu-o na página marcada com uma tira de tecido preto. As palavras estavam em latim arcaico, acompanhadas de diagramas e símbolos ritualísticos. No centro da página, um círculo com dois triângulos invertidos e uma serpente devorando a própria cauda.

— Precisamos de sangue, terra da cripta, uma vela negra... e um catalisador — ele disse.

— Que tipo de catalisador?

— Algo que pertença a Isadora. Algo carregado com a essência dela.

Helena pensou por um momento e tirou do pescoço um medalhão antigo — uma peça de prata que a irmã lhe dera no aniversário de 15 anos. Tinha uma foto das duas juntas, ainda adolescentes.

— Isso serve?

Adrian assentiu.

— Perfeitamente.

Eles passaram a próxima hora preparando o círculo ritual no centro da cripta. Adrian desenhou os símbolos com precisão enquanto Helena observava, tentando memorizar cada passo. Quando tudo estava pronto, ele estendeu a mão.

— O sangue. Para abrir o caminho, precisa vir de você.

Helena mordeu o lábio e puxou um punhal cerimonial de uma prateleira. Sem hesitar, cortou a palma da mão e deixou o sangue escorrer sobre o altar. O metal frio arrepiou sua pele, mas ela não recuou.

Adrian colocou o medalhão no centro do círculo e começou a entoar as palavras do ritual. A câmara escureceu. As velas tremularam como se sufocadas. O ar tornou-se denso, opressor. Sons distantes começaram a ecoar: sussurros, gritos abafados, choros.

Helena sentiu o chão tremer sob seus pés.

— Está começando — Adrian avisou. — Quando a névoa surgir, entre. Estarei aqui, vigiando. Mas o que acontece lá dentro... dependerá de você.

A névoa ergueu-se do círculo como um líquido prateado. Ela parecia viva, dançando no ar, envolvendo Helena. Seus olhos escureceram, o mundo à sua volta girou — e então, tudo se apagou.

O Umbral era um deserto de sombras.

Helena abriu os olhos e se viu em uma paisagem cinza, sem horizonte. Um céu escuro e estático pairava sobre ela, e o chão parecia feito de cinzas compactas. Vozes sussurravam em todas as direções, mas nenhuma clara. Ao longe, havia uma figura — ajoelhada, coberta por correntes de luz negra.

— Isadora! — Helena correu.

A figura ergueu a cabeça. Era ela. Pálida, os olhos apagados, os lábios rachados.

— Lena...? Você não devia estar aqui...

— Vim te buscar. Estou aqui por você.

Isadora balançou a cabeça.

— Não... você não entende. Ele está aqui. Ele me mantém presa...

— Quem?

O chão tremeu. Do nevoeiro, surgiu uma silhueta alta, encapuzada. Seus olhos brilhavam em vermelho profundo, mais intensos que os de Adrian. A criatura usava um manto feito de sombras em movimento.

— O vínculo foi quebrado — sussurrou a criatura. — A alma dela me pertence.

Helena se colocou entre a irmã e a entidade.

— Ela pertence a si mesma! Eu a chamei de volta. E vou levá-la!

— Então você tomará o lugar dela — respondeu a figura, estendendo uma mão feita de trevas.

Helena sentiu seu corpo sendo puxado, como se gravidade alguma além da física tentasse arrastá-la para um abismo sem fim. Mas então, lembrou-se do medalhão.

— Isadora! — ela gritou, jogando o objeto para a irmã. — Pegue isso! É seu!

A alma da irmã agarrou o medalhão e, num clarão, as correntes se partiram.

A criatura rugiu, dissolvendo-se em fumaça escura. As sombras se ergueram, rodopiaram — e o Umbral começou a ruir.

— Segure minha mão! — Helena estendeu o braço.

Isadora hesitou um instante, depois segurou. A luz tomou conta de tudo, e o Umbral desapareceu num estalo de silêncio.

Helena abriu os olhos com um suspiro.

Estava deitada na cripta, com Adrian ajoelhado ao lado. A irmã jazia a poucos metros, desacordada, mas viva.

— Conseguiu... — ele murmurou.

Lágrimas escorriam dos olhos de Helena. Ela se arrastou até Isadora e a abraçou com força.

— Ela está viva... ela está aqui...

— Sim. Mas algo veio junto.

Adrian olhava ao redor. As chamas tremulavam inquietas. O ar parecia... diferente.

— O quê?

— O Umbral foi aberto. E algo escapou. Um fragmento... ou uma consciência.

Helena franziu a testa.

— Está dizendo que libertamos mais do que a Isadora?

— Estou dizendo que a noite em Valebris está apenas começando.

A irmã começou a se mexer. Olhos se abriram, revelando íris... douradas?

Helena recuou. Isadora parecia confusa — e faminta.

— Lena...? Por que estou com tanta sede?

Adrian se colocou entre as duas.

— Precisamos sair daqui. Agora.

— Mas ela...

— Ainda é sua irmã. Mas agora... ela carrega uma marca do Umbral. E isso pode mudar tudo.

Helena ajudou a irmã a se levantar. O peso da realidade ainda caía sobre seus ombros, mas ela sentia algo novo: determinação. Nada mais seria como antes. Nem a casa. Nem a cidade. Nem ela mesma.

Ao saírem da cripta, Helena se virou para Adrian.

— Vamos lutar juntos contra isso?

O vampiro a observou. Por um instante, seus olhos brilharam de um jeito diferente. Não apenas desejo. Esperança.

— Até o fim.

E, assim, o trio subiu as escadas, deixando a cripta para trás — mas não os segredos que haviam sido despertados.

Porque, em Valebris, todo ritual tem um preço.

E o sangue ainda não havia sido totalmente cobrado.

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