Despertando a Fera

Despertando a Fera

Capítulo ‐ 1

Melissa

Você já se perguntou o que significa realmente ser mulher?

Não aquela resposta pronta que você encontra em revistas baratas, nem as frases feitas jogadas em cima de um pôster de campanha publicitária tentando te vender autoestima em três vezes no cartão.

Falo do real. Do cru. Do desconfortável.

Eu passei anos tentando responder essa pergunta pra mim mesma. E talvez tenha começado a chegar perto da resposta justamente agora — enquanto encaro o espelho metálico dentro desse elevador.

As luzes brancas do prédio refletem o contorno dos meus ombros. Vejo as meias de arco-íris abraçando minhas pernas, que agora exibem, com orgulho, seus pelos livres. E por mais estranho que pareça... eu me sinto inteira.

Sorrio sozinha.

— Hora de mostrar o dedo do meio pra esse sistema de merda, Melissa... dizendo namastê. — murmuro, como um mantra irônico.

A porta do elevador se abre.

Eu piso no andar da empresa com a cabeça erguida e o coração firme. No começo, ninguém repara. Eu passo pelo corredor, cumprimento com um aceno discreto. Mas logo sinto os primeiros olhares, os cochichos discretos.

Nada que me abale.

Quer dizer... não muito.

Eu esperava por isso. Me preparei. Mas a gente sempre sente um pequeno frio na barriga quando resolve sair da linha — da linha que desenharam pra gente desde que éramos meninas.

Continuo andando. Até que sinto um arrepio leve. Alguém me olha. De forma diferente.

E então vejo ele.

Enzo Navarro, meu chefe. Terno impecável. Passos decididos. A presença que pesa no ar mesmo quando ele não diz uma palavra.

Seus olhos passam por mim. Descem pelas minhas pernas. Sobem de novo até encontrar meu rosto.

Ele não diz nada. Só me encara por um segundo a mais do que o normal. Depois vira o rosto e entra em sua sala de vidro.

Pronto. Acabou.

Mas isso fica martelando na minha cabeça.

Foi julgamento? Surpresa? Ou só coisa da minha cabeça mesmo?

Suspiro.

Puxo a cadeira. Sento. Ligo o computador como se nada tivesse acontecido, tentando ignorar os risinhos abafados de alguma rodinha de terninhos no canto da sala.

Respiro fundo e, neste instante, escuto passos rápidos e hesitantes se aproximando.

— Mel? — ouço a voz baixa, mas cheia de alívio. — É você mesmo?

Me viro e lá está ele — Théo, com os óculos escorregando no nariz e um sorriso tímido que tenta se esconder atrás da xícara de café.

— Sou eu sim — digo sorrindo, já sentindo aquele calorzinho bom de reencontrar alguém que importa.

Ele dá uma olhada rápida, discreta, mas perceptível. Seus olhos descem até minhas pernas, voltam para o meu rosto e ficam ali, me estudando em silêncio por um segundo.

— Você tá diferente... — ele comenta, sem julgamento, apenas curioso.

— Mudei umas coisinhas enquanto tava fora — respondo com um meio sorriso.

Ele senta na cadeira ao lado, apoiando os cotovelos nos joelhos.

— Posso dizer uma coisa? Você tá… mais você, sabe? E isso é muito legal.

— Obrigada, Théo. De verdade.

Ele desvia o olhar, um pouco sem graça. Sempre foi assim — todo encolhido no próprio mundo, mas com uma lealdade que você sente no osso.

— Inclusive já notaram. — Digo baixinho.

Ele suspira e sacode a cabeça, como quem já sabe o script todo.

— O povo aqui não sabe lidar com qualquer coisa fora da curva. Mas... eu tô contigo, viu?

Olho pra ele e sorrio. Aquela cumplicidade silenciosa que não precisa de muito.

— Eu sei, Théo. E é bom saber que tenho você aqui.

No entanto, nosso momento de paz dura pouco.

Um salto alto estala ritmado pelo chão polido. É aquele som que parece ecoar direto na espinha. Antes mesmo de vê-la, eu já sei quem vem aí.

— Nossa, Melissa… você voltou. — Diz uma voz doce com gosto de veneno. — Achei que tinha pedido demissão, ou ido morar em alguma vila ecológica… dessas bem alternativas.

Viro-me devagar, já com o sorriso pronto. A clássica armadura social.

— Bom dia, Amanda — respondo, tentando manter o tom neutro. — Sim, voltei. Renovada.

Amanda sorri, mas os olhos brilham daquele jeito que não engana ninguém. Ela ajeita o cabelo loiro perfeitamente alisado atrás da orelha e me analisa como quem observa uma obra de arte... que não entende.

— Renovada, é? Que... interessante. Amei essa vibe... natural. Bem... conceitual — ela diz, olhando descaradamente para minhas pernas. — Bem ousada mesmo. Mas é claro, você sempre teve um... estilo único.

— É, né? — digo, cruzando as pernas com toda a calma do mundo. — Dizem que autenticidade é tendência agora.

Théo, ao meu lado, finge estar extremamente concentrado no computador, mas eu vejo o canto da boca dele tremer. Está segurando o riso.

Ela estala a língua, me dá uma última olhada de cima a baixo, e se afasta com o som dos saltos marcando sua retirada dramática.

Mas não, sem antes dizer:

— Bem-vinda de volta, Mel. O escritório estava... bem mais calmo sem você.

Dou um sorriso genuíno. Nem ironia, nem raiva. Só aquela satisfação serena de quem sabe que não deve nada a ninguém.

— Que bom. Tava mesmo precisando agitar um pouco isso aqui.

Ela vai embora, e eu e Théo trocamos um olhar silencioso.

— Meu Deus... ela tá com medo de você — ele murmura, quase em choque.

— Ainda não, Théo... Mas vai ficar. — Respondo, cruzando os braços e sorrindo com gosto.

Mais populares

Comments

Joelma Oliveira

Joelma Oliveira

bom.... já começamos com o pé na porta e ligando o f...-se... coisa q faço muito...

2025-04-15

1

Elizangela Cristina Ferreira Rosa

Elizangela Cristina Ferreira Rosa

hum,bem poderosa

2025-05-02

0

Vivi

Vivi

gostei do começo

2025-04-29

0

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!