Capítulo ‐ 2

Enzo

Entro na minha sala quase correndo. Assim que fecho a porta, abaixo as persianas de vidro. O mundo lá fora se apaga. Um calor feroz se espalha pelo meu corpo como um incêndio.

Merda.

Eu sei bem o que é isso.

Meu lobo.

Ele está despertando. Rastejando por baixo da pele. Clamando, urrando dentro de mim como uma fera presa por tempo demais.

O cheiro dela...

O maldito cheiro dela ainda está aqui. Impregnado na minha memória olfativa como uma tatuagem invisível.

Não era pra ser assim.

Ela era apenas mais uma funcionária. Uma analista de dados entre centenas.

Mas agora...

Agora ela tem cheiro de floresta molhada e tempestade elétrica. Um cheiro ancestral. Quase selvagem.

Puxo a gaveta com força e pego o pequeno espelho. Olho meu reflexo. Os olhos...

Dourados.

— Porra...

Aperto o botão do relógio no pulso, desesperado. A luz vermelha pisca, mas nada acontece.

— Qual é, desgraça! Funciona, merda! — rosno, a voz rouca, gutural.

O pulso lateja. O calor aumenta. A pele começa a esticar, a formigar.

Não vai dar tempo.

— Célia! — vocifero. — Inicie a injeção de contenção. Agora! Não estou conseguindo!

A IA responde com sua voz calma e clínica.

“Claro, senhor Navarro. Iniciando a injeção. Como o senhor bem sabe… isso pode doer.”

— Vai logo...

Um clique metálico. Um chiado breve. E então, a dor.

Aguda. Precisa. Infernal.

A agulha perfura a carne através do compartimento secreto no relógio — um protótipo ainda em fase de testes. Uma droga feita sob medida, para conter... isso.

Meus joelhos quase cedem. Sinto a pele formigar, o lobo urrar, se contorcer dentro de mim como se estivesse sendo sufocado por dentro.

A agulha ainda pulsa sob minha pele, enquanto tento controlar a respiração. O suor frio escorre pela nuca. A sala está em silêncio — até a porta se abrir com um estalo abrupto.

Gustavo, Daniel e Léo entram, rindo alto demais para a tensão que paira aqui dentro.

— Ei, você viu, Enzo? — diz Gustavo, interrompendo o riso ao se aproximar da minha mesa. — A tal... como é mesmo o nome dela?

— Melissa, cara — responde Léo, ainda rindo. — Melissa Albuquerque.

Gustavo assente, como se finalmente lembrasse. Os olhos brilhando com aquela malícia de escritório que sempre me irritou.

— Isso! Melissa! Você viu, cara? As pernas dela? Tavam peludas... peludas! Com os pelos à mostra! Aquilo foi tipo… sei lá... surreal.

Eles riem de novo. Daniel faz um comentário idiota, que ignoro completamente. Porque nesse instante... as palavras deles já não chegam direito aos meus ouvidos.

Melissa.

Meu olhar se perde por um momento na persiana da janela. O eco do cheiro dela ainda pulsa dentro de mim. Um aroma selvagem, instintivo, sem máscaras. Quente. Real.

Feromônios.

Cheiro de mulher de verdade. Não dessas versões plastificadas e condicionadas que nos rodeiam.

Feminilidade crua. Nua. Quase perigosa.

Foi por isso?

Será que foi isso que quase despertou meu lobo?

Porque eu já estive perto dela antes. Já a vi passar pelos corredores, vi relatórios com seu nome, até mesmo a ouvi falando em algumas reuniões. Mas nada. Nenhuma reação.

Hoje... bastou ela entrar.

Bastou um segundo.

Como se ela tivesse voltado... diferente.

Mais densa. Mais viva. Mais... selvagem.

— Enzo? — a voz de Daniel me puxa de volta. — Está tudo bem?

Olho para eles. Três idiotas engravatados, que acham que dominam o mundo porque usam ternos caros e fazem piadas medíocres sobre mulheres. A criatura dentro de mim rosna baixo.

Eles não fazem ideia do que estão falando.

Não têm a menor noção do que realmente cruzou aquelas portas hoje.

Melissa não é piada. Ela é um gatilho. Um aviso. Um chamado.

E o meu lobo ouviu.

— Vão trabalhar — digo, com a voz baixa, controlada, mas carregada demais para passar despercebida.

Os três se entreolham, e o riso se dissipa no ar. Eles saem em silêncio.

Sozinho de novo, fecho os olhos.

(...)

Alguns minutos se passou. Eu tento me concentrar no monitor holográfico, revisando dados do novo projeto de integração da IA com o sistema de segurança, mas a imagem dela ainda ronda meu pensamento como uma maldita sombra. A sensação ainda esta aqui, grudada em mim feito cheiro na pele.

Um som interrompe meu devaneio. Três batidas leves na porta.

— Pode entrar — respondo, sem tirar os olhos da projeção flutuante.

A porta se abre e, quando olho, sou surpreendido.

Melissa.

Ela entra com passos calmos, quase felinos. Em suas mãos, um tablet de vidro.

— Boa tarde, senhor Navarro. — Sua voz soa firme, mas com uma gentileza natural. — Trouxe o relatório da equipe. Eles finalizaram ontem, e como voltei hoje, achei melhor entregar pessoalmente.

Ela me estende o dispositivo.

Forço minha expressão para parecer neutra, mas meu corpo me trai.

Meu lobo se remexe novamente, silencioso, em alerta. O cheiro dela... porra, ainda está aqui, e agora ainda mais forte. Quente. Vivo.

— Obrigado, Melissa. — Pego o relatório, evitando encarar suas pernas, ou seus olhos. Porque sei que, se fizer isso, vou me perder ali.

Ela sorri de leve, como se sentisse algo, mas não soubesse nomear.

— Qualquer coisa, estarei na minha estação.

E então sai, deixando um rastro no ar. Como se o próprio ambiente precisasse respirar fundo para se acalmar depois da presença dela.

Suspiro pesado. Maldição.

Definitivamente... ela voltou diferente. E meu lobo sente isso.

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Comments

Joelma Oliveira

Joelma Oliveira

nao sei, sinceramente, o q tem de errado com pelos na perna!! dificilmente depilo as minhas e não é por nenhum reativismo, só gosto.. e qdo tô afim eu depilo... eu hein!

2025-04-15

3

Elizangela Cristina Ferreira Rosa

Elizangela Cristina Ferreira Rosa

hum,tô boiando aqui,até agora não sei se esse lobo que falam e no sentido figurado ou se realmente vai ter um lobo de verdade nessa história,vamos ver no que vai dá esse enredo

2025-05-03

0

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