Melissa
Assim que destranco a porta e entro no meu apartamento, sou acolhida pelo cheiro familiar de incenso suave e pelo calor silencioso do meu pequeno refúgio. Um lar simples, mas meu. Sempre meu.
Cresci em um orfanato. Nunca tive uma família de verdade. Minha única amiga lá dentro era Solange — a Sol — com quem dividia segredos, lágrimas e sonhos. Mas ela partiu cedo demais… e desde então, uma parte de mim partiu com ela também.
Depois que me formei e deixei aquele lugar para trás, conheci Théo. Desde então, somos inseparáveis.
— Ei? Mel? Melissa?! — a voz dele me puxa de volta do passado.
Pisco rapidamente. Voltando a realidade.
— O quê? — pergunto, confusa, virando o rosto em sua direção.
Ele aponta para a janela escancarada e pergunta:
— Aquela gatinha ali é sua?
Sigo seu olhar e sorrio ao vê-la. A pequena silhueta preta caminha com elegância na borda da janela como se fosse dona do mundo. Corro até ela, já com o coração amolecido.
— Oi, neguinha! Você voltou! — murmuro, acariciando seu pelo macio enquanto ela ronrona e se esfrega em mim.
Viro para Théo com ela já aninhada em meus braços.
— Não, ela não é minha. Vem aqui de vez em quando… dou leite, água. Acho que é uma gata perdida ou talvez só esteja de passagem.
Théo apenas assente e dá de ombros, jogando-se no sofá com a leveza de quem já conhece esse ritual. Mas então sua voz muda de tom, mais sério, mais… surpreso.
— Sabe o que tá me remoendo até agora, Melissa? — ele diz, erguendo uma sobrancelha. — Aquilo na empresa hoje. Em todos esses anos, eu nunca — nunca mesmo — vi o Enzo se pronunciar por alguém. Nunca. E hoje, ele te defendeu. Na frente de todo mundo.
Ele me encara com os olhos arregalados.
— Você tem noção disso? Tem noção de que o nosso chefe te defendeu, garota?!
Fico em silêncio por um momento, apenas acariciando a gata nos meus braços enquanto tento processar o que Théo acabou de dizer. Meus olhos vagam pelo chão, evitando os dele, como se isso pudesse esconder o fato de que... sim, eu percebi. Percebi e senti. Senti até demais.
— Não sei o que deu nele... — murmuro, tentando soar casual. — Talvez só cansou das piadinhas idiotas. Sei lá... responsabilidade social, essas coisas.
Théo arqueia uma sobrancelha, cético.
— Ah claro, responsabilidade social... — ele diz, com aquele tom irônico. — Justamente hoje. Justamente com você. Justamente depois de você voltar toda... revolucionária.
— Que exagero, Théo. — solto uma risadinha sem graça, colocando a gata no chão. Ela mia baixinho e some pelos cantos como um fantasma elegante.
— Não é exagero. Foi tipo cena de filme. Você chega, toda segura, toda “me aceitem como sou”, e de repente o nosso poderoso chefe da NavarroTech sai da sua bolha e dá um sermão em geral, por você. — ele dramatiza, erguendo as mãos.
Reviro os olhos, tentando ignorar o arrepio que sobe pela minha nuca.
— Você assiste drama demais, nerd. — digo com leveza. — Talvez ele só tenha... sei lá... achado injusto.
— Enzo Navarro não move um dedo por justiça, Melissa. Ele é frio, calculista, e... sei lá o que ele tem. Mas hoje, ele estava... diferente. Parecia até pessoal.
Eu não sei o que responder. Porque, bem lá no fundo, algo dentro de mim também acha isso. O modo como ele me olhou... como se eu tivesse feito algo mais do que apenas existir.
E por um segundo, eu não soube se queria fugir ou me aproximar.
— Seja lá o que for... — digo por fim, indo até a cozinha pegar duas canecas — ...não muda quem ele é. Um CEO, meu chefe, e um cara com um ego do tamanho da empresa dele.
Théo dá de ombros, pegando o controle remoto.
— Ok, ok. Mas se ele te chamar pra uma reunião extra no escritório dele, com a porta trancada... saiba que vou querer todos os detalhes.
Jogo um pano de prato em sua direção, rindo.
— Idiota!
Ele ri também, e por um momento tudo parece leve outra vez.
Mas dentro de mim, o pensamento martela como uma batida surda.
Enzo Navarro me olhou como se eu tivesse despertado alguma coisa nele.
E o pior?
Eu senti algo despertar em mim também.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Elizangela Cristina Ferreira Rosa
uau que desperta e esse minha gente
2025-05-03
0
Joelma Oliveira
kkkk isso sim que é amigo kkkkk
2025-04-15
2