Melissa
Assim que saio da sala de Enzo, sinto meu coração batendo mais rápido.
E o pior é que... eu nem sei explicar o porquê.
Não foi medo. Não foi nervosismo por ter entregado o relatório — até porque, tecnicamente, era só isso. Um protocolo comum. Um gesto profissional.
Mas algo... algo nele estava diferente.
Foi o jeito como ele me olhou. Como se estivesse tentando decifrar algo em mim. Ou pior — como se visse algo que nem eu mesma consigo enxergar.
Aquele olhar não era o mesmo do CEO distante e frio com quem convivi nos últimos anos. Não. Era algo mais denso. Quase... instintivo.
Por um segundo, meu corpo inteiro ficou em alerta. Os pelos — ironicamente eles — pareciam responder a um chamado invisível.
Sacudo levemente a cabeça, como se pudesse espantar o que quer que fosse aquilo. Meus passos ecoam no corredor até que volto para minha estação. Théo levanta os olhos do monitor e me encara, franzindo a testa.
— Você tá bem?
— Hã? Tô sim. — Dou um sorrisinho, sentando em minha cadeira. — Só... calor, acho.
Ele não compra minha resposta, claro. Mas sabe respeitar meus silêncios. E isso é algo que sempre admirei nele.
Enquanto conecto meu tablet à base de dados e começo a revisar os números da última campanha de monitoramento, minha mente insiste em voltar àquele momento dentro da sala dele. Ao modo como a atmosfera parecia densa. Carregada.
Como se eu tivesse atravessado uma fronteira sem perceber.
Meus dedos deslizam pela tela. Mas minha cabeça está longe.
Há algo estranho nesse lugar hoje.
Ou talvez o estranho... seja o que está despertando em mim.
Mas então decido deixar isso de lado — ou pelo menos tento. Respiro fundo, me afasto mentalmente da presença do CEO com olhar de fera e volto meus olhos para a pessoa mais segura do universo: meu melhor amigo.
— Ei, nerd? Está atento? — pergunto baixinho, com um sorriso maroto nos lábios.
Théo sorri de canto, mas seus dedos continuam ágeis no teclado, e seus olhos permanecem grudados no monitor. A luz da tela reflete nos óculos dele, escondendo parte do brilho curioso que sempre carrega.
— Estou, senhorita Melissa. O que manda? — responde com seu tom debochado e encantadoramente robótico, imitando um assistente virtual.
Reviro os olhos, fingindo irritação, mas logo dou um impulso com minha cadeira de rodinhas e deslizo até a sua mesa, que é praticamente colada à minha.
— Sabia, Théo, que antigamente — em algumas culturas dos nossos ancestrais — os pelos eram reverenciados?
Ele para de digitar por um instante, como se estivesse tentando entender se isso é mais uma das minhas aleatoriedades filosóficas.
— Reverenciados? Como assim? Tipo… culto aos pelos?
Dou uma risadinha, apoiando o queixo na mão, e encaro seu perfil iluminado pela tela.
— Não exatamente um culto. Mas eram vistos como símbolos de força, conexão espiritual, identidade. Em várias tribos, por exemplo, raspar os pelos era um sinal de luto ou submissão. Enquanto deixá-los crescer era como afirmar: "eu sou livre". "Eu sou inteiro".
Ele se vira um pouco para mim. Seus olhos agora sim encontram os meus, curiosos como sempre.
— Uau. Nunca ouvi nada disso. — pausa — E você andou estudando isso tudo nas suas férias?
Afirmo:
— Eu mergulhei, Théo. Fui fundo. Mais do que imaginei. E não foi só sobre pelos, sabe? Foi sobre mim. Sobre o que me fizeram acreditar por anos. Sobre como nos ensinam a odiar partes naturais do nosso corpo só porque... alguém lá atrás decidiu que era "feio" ou "sujo".
Théo não fala nada de imediato. Apenas me observa. Seu olhar é doce. E triste, um pouco. Acho que ele se lembra da mesma coisa que eu: da Sol. Do que aconteceu com ela. Do quanto tudo isso mexeu comigo.
Ele então estende a mão e segura a minha por um instante.
— Eu tenho orgulho de você, sabia? Por não deixar esse mundo te dobrar.
Sinto um nó na garganta. Mas sorrio.
— Às vezes acho que ele até tenta. Mas aí eu lembro que tenho você. E que tenho pelos — digo brincando, arrancando uma gargalhada dele.
— E que tem umas meias de arco-íris matadoras também! — ele completa.
— Isso é verdade. — ergo a perna, exibindo minha meia com orgulho. — Estilo e resistência no mesmo look.
Rimos juntos, neste cantinho da empresa que, por alguns minutos, parece ser só nosso. Um lugar seguro.
Mas... mal sabíamos que essa calmaria estava prestes a ser quebrada.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Joelma Oliveira
nao ha calmaria que dure muito tempo
2025-04-15
0
Elizangela Cristina Ferreira Rosa
hum,estou ansiosa
2025-05-03
0