Enzo
Ando de um lado para o outro dentro da minha sala como uma fera enjaulada. A gravata já está solta, as mangas da camisa dobradas até os cotovelos. O calor do meu corpo ainda pulsa.
Mas meu lobo não dorme. Ele apenas aguarda. Observa.
Passo a mão pelos cabelos, tentando pensar com clareza. As imagens de Melissa continuam retornando à minha mente: o andar confiante, o olhar firme, as pernas expostas com orgulho, a aura de liberdade que ela carrega como uma segunda pele.
E então vem a raiva. Não por ela. Mas por eles.
Por aquelas vozes debochadas nos corredores, pelos risinhos abafados quando ela passou. Pela maneira como a olharam, como se pudessem reduzi-la a um espetáculo de curiosidade suja.
Não. Isso não vai acontecer na minha empresa.
Tomo minha decisão. Rápido. Instintivo. Como tudo o que vem do lobo.
Abro a porta da sala com firmeza e sigo com passos decididos pelo corredor. Sinto os olhares me seguindo. Alguns já sabem. Sempre sabem quando estou com esse semblante.
Chego até a estação onde ela trabalha. Vejo Melissa inclinada na cadeira, próxima ao engenheiro de software, Théo. Estão rindo de algo. O som leve e sincero da risada dela me atinge direto no estômago.
Suspiro fundo. E então, em tom alto e firme, digo:
— Quero um minuto da atenção de todos vocês, por favor!
As conversas cessam quase de imediato. Teclados param. Cadeiras giram. Olhares se viram em minha direção, confusos, atentos... tensos.
Me posiciono no centro do espaço aberto entre as estações. O silêncio se instala feito uma cortina pesada.
— Todos vocês conhecem a nossa analista de dados aqui presente, Melissa Albuquerque, não é?
Noto os olhos dela arregalarem ligeiramente, e Théo se mexer desconfortável ao lado. Mas continuo, minha voz inabalável:
— Pois bem. Quero deixar claro, e prestem atenção nisso: não irei mais tolerar piadinhas, insinuações ou comentários inoportunos contra um colega de trabalho. Estão me ouvindo?
Alguns engolem em seco. Outros evitam meu olhar.
— Percebi que a colega de vocês vem sendo alvo de chacota — direta ou velada — por assuntos que são unicamente dela. A vida pessoal dela não lhes diz respeito. O corpo dela, as decisões dela, não são um tema aberto para debate ou julgamento. Isso aqui não é pátio de escola.
Dou uma breve pausa, deixando que o peso das palavras desça como um golpe sobre todos.
— Eu exijo respeito. E se eu ouvir mais qualquer comentário do tipo circulando pelos corredores, sussurrado nas salas ou deixado em grupinhos de mensagem, tomarei as medidas cabíveis. E garanto que serão severas.
Minhas palavras ecoam na sala como um trovão silencioso. Ninguém ousa responder.
Encaro um por um. Olhos baixos. Vergonha. Culpa. Alívio, talvez — nos olhos dela.
Então, sem esperar mais, viro nos calcanhares e caminho de volta para minha sala. Não escuto nada além do silêncio que deixei para trás. Silêncio cheio de peso. De impacto. De reverência, até.
(...)
Já aqui dentro da minha sala, quando fecho a porta... o lobo ronrona, satisfeito. Mas logo a porta se abre e eles entram em fila — Gustavo, Daniel e Léo.
— O que deu em você, Enzo? O que foi aquilo? — pergunta Gustavo, me olhando de forma inquisitiva.
Cruzo os braços e encaro os três, que agora me observam como se eu tivesse perdido a sanidade.
— Aquilo, Gustavo, foi um aviso. E, se precisarem, posso repetir com mais firmeza — minha voz sai firme, cortante.
Daniel solta uma risadinha debochada.
— Tá defendendo a garota agora? A "natureba"? Vai me dizer que você curte esse tipo de visual? Porque, sinceramente, aquilo é bizarro.
Minha mandíbula se contrai. Sinto meu lobo rosnar dentro de mim. Quase consigo ouvir o som grave ecoando ao fundo da mente. Inspiro fundo para não avançar neles aqui mesmo.
— O que eu gosto ou não, Daniel, não diz respeito a nenhum de vocês. E, pra ser claro, isso aqui — aponto o chão, referindo-me à empresa — não é um colégio onde se tira sarro de alguém por ser diferente. Isso aqui é um ambiente profissional. E vocês estão se comportando como moleques.
Léo, que até então estava quieto, dá um passo à frente tentando apaziguar:
— Enzo, a gente só achou... estranho, sabe? Não é comum. E você sabe como a galera comenta...
— Pois que se acostumem — corto, firme. — Porque o que incomoda vocês não é ela. É o fato de ela ter coragem de ser quem é, enquanto vocês se escondem atrás de ternos caros e piadinhas imbecis.
Um silêncio incômodo se instala.
Encaro um por um, até que Gustavo dá um passo à frente e me olha firme:
— A gente também é sócio dessa bagaça, não se esqueça disso, Enzo.
Sorrio com frieza, mantendo o olhar cravado no dele.
— Claro que não esqueci. Como esquecer que vocês são sócios de uma pequena parte? Praticamente uma mixaria.
A tensão se intensifica. Eu e Gustavo nos fuzilamos com os olhos.
Daniel, percebendo o clima, se coloca entre nós dois, levantando as mãos em um gesto de trégua.
— Mas que caralho, pessoal... Que merda é essa? Estamos mesmo discutindo isso? O que não podemos esquecer é que somos amigos, porra. Isso sim.
Por um instante, tudo fica em silêncio. Só o som abafado dos teclados e conversas baixas do lado de fora preenche o ambiente.
Respiro fundo, mas meu maxilar ainda está travado. O lobo em mim continua inquieto. Irritado. A presença dela ainda paira em mim como um perfume selvagem que se recusa a se dissipar.
Dou um passo para trás, afastando-me dos três.
— Amigos? — repito, minha voz baixa, mas carregada. — Se somos mesmo amigos, então espero que se lembrem do que isso significa. Lealdade, respeito… e limites.
Gustavo desvia o olhar, Daniel coça a nuca, constrangido. Léo apenas baixa os olhos.
— Esse tipo de comportamento — continuo, controlando a raiva — é exatamente o que afasta bons profissionais, o que enfraquece nossa estrutura. Não vou permitir que isso aconteça aqui. Não enquanto eu estiver no comando.
Eles assentem, um a um. Nenhum tem coragem de rebater.
Me aproximo da porta, abro-a e faço um gesto com a cabeça.
— Agora, se me dão licença, tenho trabalho a fazer. E sugiro que vocês façam o mesmo.
Sem dizer mais nada, eles saem em silêncio, um a um. Assim que a porta se fecha atrás deles, encosto a testa contra o vidro e fecho os olhos por um momento.
Melissa.
Ela não tem ideia do que está despertando. Nem do que isso significa pra mim.
Eu já deveria ter mais controle sobre esse lado. Já deveria ter enterrado isso. Mas agora... parece impossível ignorar.
Abro os olhos lentamente, os dedos tamborilando na porta. O reflexo do vidro me mostra o dourado retornando aos meus olhos.
Droga.
Não posso deixá-lo sair.
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Elizangela Cristina Ferreira Rosa
verdade,bem diferente das obras que conheço
2025-05-03
0
Joelma Oliveira
diferente de todas q li, eles parecem não ter noção do q são ou não gostam... vamos ver no que vai dar pq vou até o fim disso
2025-04-15
1