Conectados no Amor

Conectados no Amor

Capítulo 1 — Assim, começa a minha história...

Acordo todos os dias com o som dos galos cantando e o cheiro de café passado invadindo o quarto. A vida no interior do Sul do Brasil é assim: simples, previsível e cheia de pequenos rituais que se repetem como se fossem parte de um roteiro invisível. Moro com minha avó em uma casa modesta, cercada por árvores e um silêncio que às vezes grita. Trabalho como recepcionista em uma clínica no centro da cidade. Não é o emprego dos meus sonhos, mas me permite pagar as contas e, de vez em quando, comprar um livro novo ou uma blusa bonita na loja da esquina.

A clínica é sempre movimentada. Atendo ligações, marco consultas, escuto desabafos e, entre um paciente e outro, troco confidências com a Mia. Ela é minha melhor amiga e trabalha como técnica de enfermagem. Mia tem aquele jeito extrovertido que ilumina qualquer ambiente. Ela é o oposto de mim: fala alto, ri sem medo, se apaixona fácil. Eu, por outro lado, sou mais calada, observo mais do que falo e guardo meus sonhos em cadernos antigos.

Foi numa dessas tardes calmas, entre um atendimento e outro, que Mia me mostrou o perfil de um homem no Instagram. “Olha esse aqui, Anne. Bonito, né?” disse ela, sorrindo com malícia. O nome dele era Linn. Um ator e CEO de Nova York, com feições fortes, quase selvagens, como se o mundo moderno não tivesse conseguido apagar as marcas da ancestralidade em seu rosto. Curiosa, comecei a seguir. Sem pensar muito. Só seguir.

No começo, era só admiração. Eu via as fotos, os vídeos, os stories. Ele parecia viver em outro planeta — um feito de prédios altíssimos, jantares sofisticados, reuniões com pessoas importantes. E mesmo assim, havia algo nele que me prendia. Não era só a beleza, embora ele fosse lindíssimo. Era o olhar. Um olhar que parecia sempre buscar algo, como se também se sentisse um pouco deslocado naquele mundo de luxo e fama.

Eu sabia que ele nunca me notaria. Afinal, por que um homem como ele daria atenção a uma recepcionista do interior do Brasil? Ainda assim, algo em mim continuava voltando para o perfil dele. Era como se, ao vê-lo, eu pudesse imaginar uma vida diferente da minha. Um lugar onde as ruas não fossem de pedra, onde os sonhos não precisassem ser sussurrados com medo de parecerem grandes demais.

Comecei a reparar nos detalhes. Os livros que ele mencionava nos stories, as músicas de fundo nos vídeos, as legendas profundas, muitas vezes melancólicas. Era como se, por trás da imagem pública, existisse um homem com perguntas demais e respostas de menos. Alguém... que talvez também se sentisse sozinho.

Mia ria quando me pegava olhando para o celular com aquele brilho nos olhos. “Já tá aí, sonhando com o gringo outra vez?” Ela não entendia. E nem precisava. Porque, por mais que Linn parecesse inalcançável, seguir ele nas redes era como abrir uma janela em um quarto trancado há anos. Uma brecha. Um respiro.

Eu não sabia que algo tão pequeno quanto um clique em "seguir" poderia mudar tanto o ritmo da minha rotina. Mas ali, no meio da vida comum, nasceu uma curiosidade que eu não sabia que podia existir. E foi essa curiosidade que começou a me transformar, mesmo antes que algo de fato acontecesse.

Comecei a reparar em mim também. Passei a me arrumar um pouco mais antes de sair para o trabalho, a cuidar melhor do cabelo, a escolher com mais carinho minhas roupas, mesmo que ninguém notasse. Não era por vaidade. Era como se, de repente, eu quisesse estar pronta para algo que eu não sabia o que era. Talvez uma mudança. Talvez só um olhar diferente sobre mim mesma. Ver Linn todos os dias, mesmo que só pela tela, me fazia lembrar que o mundo era muito maior do que as ruas da minha cidade.

À noite, deitada na minha cama com os lençóis floridos da minha avó, eu deslizava o dedo pelas fotos dele e imaginava sua voz. Me perguntava como seria conversar com alguém como ele. Será que ele era gentil? Será que ria fácil? Será que já tinha passado por dores que o mundo não via? Eu gostava de inventar histórias sobre ele na minha mente — histórias em que, de algum jeito, nossos mundos se tocavam, mesmo que por acidente.

Mia dizia que eu precisava sair mais, conhecer gente nova, deixar de sonhar com alguém que nem sabia da minha existência. Ela estava certa, em partes. Mas eu não queria alguém só por querer. Já tinha visto o suficiente por aqui para saber que muitos homens diziam amar, mas não sabiam cuidar. Linn não era só diferente no visual. Havia algo na forma como ele se expressava que me fazia acreditar que ele sentia o mundo com mais profundidade. E isso me tocava de um jeito que eu não sabia explicar.

Certa tarde, depois do expediente, fui até o café da praça central e me sentei com meu caderno preferido. Abri na última página onde eu havia escrito “Se um dia eu te conhecesse, Linn…” e comecei a rabiscar uma carta que nunca seria enviada. Escrevi sobre o meu mundo: sobre o cheiro da terra molhada depois da chuva, sobre os sonhos que escondo até de mim, sobre o medo de nunca viver algo extraordinário. E mesmo sem resposta, escrever me aliviava. Era como falar com alguém que escutava com o coração.

Aos poucos, fui me dando conta de que minha curiosidade por ele não era só sobre ele. Era sobre mim. Sobre quem eu me tornava ao imaginar novas possibilidades, ao me permitir sentir, desejar, sonhar. E, no fundo, acho que era isso que mais me assustava: perceber que, talvez, eu estivesse começando a querer mais da vida do que ela estava disposta a me dar.

E foi num desses dias comuns, em que eu já não esperava por nada, que recebi uma notificação que me fez congelar. Uma curtida. Uma curtida dele. Linn. Em uma das minhas fotos. Meu coração acelerou, minhas mãos suaram e, por um instante, eu achei que estivesse sonhando. Era um gesto pequeno, eu sabia. Mas pra mim, naquele instante, foi como se o mundo dissesse: "Sim, você existe."

Respirei fundo, tentando não criar expectativas. Mas como não criar? Aquele simples toque entre nossos mundos – uma curtida em uma foto esquecida no meu feed – reacendeu uma faísca que eu nem sabia que ainda estava viva. Talvez fosse coincidência. Talvez fosse só gentileza. Mas meu coração, teimoso como sempre, quis acreditar que era o começo de alguma coisa.

E naquela noite, olhando para o céu estrelado do interior, senti algo novo crescendo dentro de mim. Um sussurro tímido, mas insistente. Algo me dizia que minha história estava prestes a mudar. Eu só não fazia ideia do quanto.

Nos dias que se seguiram, tentei agir como se nada tivesse acontecido, mas a verdade é que tudo em mim havia mudado. Cada vez que meu celular vibrava, meu coração disparava na esperança de ver novamente o nome dele ali, tão perto da minha realidade. Comecei a pensar mais antes de postar algo, a me questionar se ele ainda espiava meu perfil, se tinha lido alguma legenda, se tinha visto alguma história. Era como caminhar sobre uma linha fina entre fantasia e realidade, e mesmo sabendo que podia me machucar, eu não conseguia parar.

Mia percebeu que havia algo diferente. “Você tá com aquele brilho no olhar de novo, Anne. Ele fez alguma coisa?” Balancei a cabeça, sem coragem de contar sobre a curtida. Parecia bobo, quase infantil, mas pra mim foi o bastante para acender uma esperança. Eu não queria falar em voz alta e estragar a magia silenciosa daquele gesto. Era meu segredo com o universo.

Na clínica, os dias continuavam com a mesma rotina. Pacientes entrando e saindo, receitas, exames, telefonemas intermináveis. Mas eu não era mais a mesma. Eu estava mais atenta, mais viva. Quando ninguém via, abria o Instagram e olhava para a curtida dele como quem revisita um bilhete precioso. Às vezes, me perguntava se ele lembrava, ou se tinha sido apenas mais um clique entre tantos. E ainda assim, aquele pequeno gesto me alimentava.

Uma noite, tomei coragem e reagi a um dos stories dele. Foi algo sutil — uma figurinha de coração em cima de uma foto em preto e branco que ele havia postado, com uma legenda melancólica sobre tempo e silêncio. Quando enviei, meu peito se apertou de nervoso. Fiquei olhando fixamente para a tela, como se uma resposta fosse aparecer em segundos. Mas nada aconteceu. Pelo menos não imediatamente.

Horas depois, quando já havia perdido a esperança, vi a mensagem: “Obrigado.” Uma palavra. Simples. Mas escrita por ele. Linn. Eu li e reli como se tivesse encontrado um tesouro enterrado no quintal da minha alma. Respirei fundo, engoli o medo, e respondi algo bobo, educado, meio sem graça. Eu não sabia brincar de ser interessante com alguém que parecia pertencer a outro universo.

Depois disso, o silêncio voltou. Ele não respondeu mais. Mas agora havia uma ponte, ainda que frágil, ligando nossos mundos. Eu sabia que ele tinha me visto, que por um instante, por mínimo que fosse, ele soube que eu existia. E esse saber se enraizou dentro de mim com uma força que eu não esperava.

Voltei a escrever à mão, coisa que não fazia há meses. Escrevia cartas que nunca seriam enviadas, cenas que nunca aconteceriam, diálogos entre dois estranhos que, por alguma razão misteriosa, se encontravam no meio do caos. Era minha forma de lidar com o que eu sentia, de manter a magia viva, mesmo que só dentro de mim.

E no fundo, mesmo sabendo que aquilo talvez fosse apenas uma faísca solitária na escuridão, algo em mim já não conseguia se contentar com a vida de antes. O que antes era rotina, agora parecia um palco esperando por algo. Algo que eu não sabia nomear, mas que começava a sussurrar dentro de mim: e se não for apenas imaginação? E se for o começo de tudo?

As semanas passaram como folhas levadas pelo vento. Algumas vezes ele sumia das redes, e eu me pegava preocupada, como se tivesse direito de saber por onde andava. Outras, aparecia em vídeos curtos ou postagens misteriosas que mais diziam com o olhar do que com as palavras. Ele parecia carregar o mundo nos ombros, e aquilo me fascinava ainda mais. Havia uma sombra em Linn que o tornava real, imperfeito, humano. E era isso que me fazia querer descobrir cada pedaço que ele escondia atrás das imagens bonitas.

Uma madrugada, depois de um sonho estranho em que ele me chamava pelo nome, acordei ofegante. Peguei o celular no escuro e, por impulso, digitei uma mensagem. “Às vezes, a gente sente que conhece alguém só por observar o silêncio dele.” Fiquei olhando a tela, sem coragem de apertar “enviar”. Apaguei, reescrevi, respirei fundo… e fechei o aplicativo. Eu não queria parecer invasiva. Não queria ser só mais uma voz gritando na multidão que o admirava. Então voltei a guardar tudo em mim — as palavras, as vontades, os sentimentos.

Durante o expediente, Mia começou a implicar mais. Ela dizia que eu estava com a cabeça nas nuvens, que até errar os nomes dos pacientes eu já estava errando. Eu apenas sorria, sem vontade de explicar que minha mente andava em outro tempo, num lugar onde realidade e sonho se tocavam por breves instantes. Não era só sobre Linn. Era sobre o que ele despertava. Sobre a inquietação que nascia em mim, como se o mundo fosse maior do que aquela cidade, do que aquela rotina, do que tudo que eu conhecia até ali.

Em um domingo de céu nublado, resolvi caminhar sozinha até o lago. Sentei na beira, com os pés tocando a água gelada, e pensei em como a vida era silenciosamente imprevisível. Quem diria que um perfil aleatório me faria repensar tudo? Olhei para o reflexo na água e quase não me reconheci. Havia algo novo em mim — uma luz nos olhos, talvez um anseio. E foi ali que me perguntei, pela primeira vez em voz alta: “Será que um dia ele viria até aqui? Será que eu teria coragem de mostrar quem sou, sem filtros, sem esconderijos?”

Foi então que o inesperado aconteceu. Meu celular vibrou. Uma mensagem direta de Linn. O coração quase saiu pela boca. Com os dedos trêmulos, abri a conversa. “Você escreve com uma delicadeza que me fez parar hoje. Obrigado por não gritar como o resto do mundo.” Li aquela frase tantas vezes que quase a decorei. Era ele, falando comigo. Me ouvindo. Me vendo.

As palavras me faltaram por alguns minutos. Eu não sabia como responder à altura, mas decidi ser sincera. “Talvez seja porque eu também sou silêncio. E, às vezes, só o silêncio entende a gente de verdade.” Enviei e me afastei do celular. Não queria ver se ele visualizaria rápido, se responderia logo. Aquilo já era maior do que eu podia controlar. Eu estava entrando num território novo — onde o coração se arriscava sem saber onde pisava.

Naquela noite, não dormi. Fiquei olhando para o teto do meu quarto, ouvindo os grilos lá fora, tentando entender o que tudo aquilo significava. Ele tinha me notado. Ele tinha respondido. E agora? Eu não sabia. Mas talvez... talvez estivesse na hora de descobrir.

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