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Conectados no Amor

Capítulo 1 — Assim, começa a minha história...

Acordo todos os dias com o som dos galos cantando e o cheiro de café passado invadindo o quarto. A vida no interior do Sul do Brasil é assim: simples, previsível e cheia de pequenos rituais que se repetem como se fossem parte de um roteiro invisível. Moro com minha avó em uma casa modesta, cercada por árvores e um silêncio que às vezes grita. Trabalho como recepcionista em uma clínica no centro da cidade. Não é o emprego dos meus sonhos, mas me permite pagar as contas e, de vez em quando, comprar um livro novo ou uma blusa bonita na loja da esquina.

A clínica é sempre movimentada. Atendo ligações, marco consultas, escuto desabafos e, entre um paciente e outro, troco confidências com a Mia. Ela é minha melhor amiga e trabalha como técnica de enfermagem. Mia tem aquele jeito extrovertido que ilumina qualquer ambiente. Ela é o oposto de mim: fala alto, ri sem medo, se apaixona fácil. Eu, por outro lado, sou mais calada, observo mais do que falo e guardo meus sonhos em cadernos antigos.

Foi numa dessas tardes calmas, entre um atendimento e outro, que Mia me mostrou o perfil de um homem no Instagram. “Olha esse aqui, Anne. Bonito, né?” disse ela, sorrindo com malícia. O nome dele era Linn. Um ator e CEO de Nova York, com feições fortes, quase selvagens, como se o mundo moderno não tivesse conseguido apagar as marcas da ancestralidade em seu rosto. Curiosa, comecei a seguir. Sem pensar muito. Só seguir.

No começo, era só admiração. Eu via as fotos, os vídeos, os stories. Ele parecia viver em outro planeta — um feito de prédios altíssimos, jantares sofisticados, reuniões com pessoas importantes. E mesmo assim, havia algo nele que me prendia. Não era só a beleza, embora ele fosse lindíssimo. Era o olhar. Um olhar que parecia sempre buscar algo, como se também se sentisse um pouco deslocado naquele mundo de luxo e fama.

Eu sabia que ele nunca me notaria. Afinal, por que um homem como ele daria atenção a uma recepcionista do interior do Brasil? Ainda assim, algo em mim continuava voltando para o perfil dele. Era como se, ao vê-lo, eu pudesse imaginar uma vida diferente da minha. Um lugar onde as ruas não fossem de pedra, onde os sonhos não precisassem ser sussurrados com medo de parecerem grandes demais.

Comecei a reparar nos detalhes. Os livros que ele mencionava nos stories, as músicas de fundo nos vídeos, as legendas profundas, muitas vezes melancólicas. Era como se, por trás da imagem pública, existisse um homem com perguntas demais e respostas de menos. Alguém... que talvez também se sentisse sozinho.

Mia ria quando me pegava olhando para o celular com aquele brilho nos olhos. “Já tá aí, sonhando com o gringo outra vez?” Ela não entendia. E nem precisava. Porque, por mais que Linn parecesse inalcançável, seguir ele nas redes era como abrir uma janela em um quarto trancado há anos. Uma brecha. Um respiro.

Eu não sabia que algo tão pequeno quanto um clique em "seguir" poderia mudar tanto o ritmo da minha rotina. Mas ali, no meio da vida comum, nasceu uma curiosidade que eu não sabia que podia existir. E foi essa curiosidade que começou a me transformar, mesmo antes que algo de fato acontecesse.

Comecei a reparar em mim também. Passei a me arrumar um pouco mais antes de sair para o trabalho, a cuidar melhor do cabelo, a escolher com mais carinho minhas roupas, mesmo que ninguém notasse. Não era por vaidade. Era como se, de repente, eu quisesse estar pronta para algo que eu não sabia o que era. Talvez uma mudança. Talvez só um olhar diferente sobre mim mesma. Ver Linn todos os dias, mesmo que só pela tela, me fazia lembrar que o mundo era muito maior do que as ruas da minha cidade.

À noite, deitada na minha cama com os lençóis floridos da minha avó, eu deslizava o dedo pelas fotos dele e imaginava sua voz. Me perguntava como seria conversar com alguém como ele. Será que ele era gentil? Será que ria fácil? Será que já tinha passado por dores que o mundo não via? Eu gostava de inventar histórias sobre ele na minha mente — histórias em que, de algum jeito, nossos mundos se tocavam, mesmo que por acidente.

Mia dizia que eu precisava sair mais, conhecer gente nova, deixar de sonhar com alguém que nem sabia da minha existência. Ela estava certa, em partes. Mas eu não queria alguém só por querer. Já tinha visto o suficiente por aqui para saber que muitos homens diziam amar, mas não sabiam cuidar. Linn não era só diferente no visual. Havia algo na forma como ele se expressava que me fazia acreditar que ele sentia o mundo com mais profundidade. E isso me tocava de um jeito que eu não sabia explicar.

Certa tarde, depois do expediente, fui até o café da praça central e me sentei com meu caderno preferido. Abri na última página onde eu havia escrito “Se um dia eu te conhecesse, Linn…” e comecei a rabiscar uma carta que nunca seria enviada. Escrevi sobre o meu mundo: sobre o cheiro da terra molhada depois da chuva, sobre os sonhos que escondo até de mim, sobre o medo de nunca viver algo extraordinário. E mesmo sem resposta, escrever me aliviava. Era como falar com alguém que escutava com o coração.

Aos poucos, fui me dando conta de que minha curiosidade por ele não era só sobre ele. Era sobre mim. Sobre quem eu me tornava ao imaginar novas possibilidades, ao me permitir sentir, desejar, sonhar. E, no fundo, acho que era isso que mais me assustava: perceber que, talvez, eu estivesse começando a querer mais da vida do que ela estava disposta a me dar.

E foi num desses dias comuns, em que eu já não esperava por nada, que recebi uma notificação que me fez congelar. Uma curtida. Uma curtida dele. Linn. Em uma das minhas fotos. Meu coração acelerou, minhas mãos suaram e, por um instante, eu achei que estivesse sonhando. Era um gesto pequeno, eu sabia. Mas pra mim, naquele instante, foi como se o mundo dissesse: "Sim, você existe."

Respirei fundo, tentando não criar expectativas. Mas como não criar? Aquele simples toque entre nossos mundos – uma curtida em uma foto esquecida no meu feed – reacendeu uma faísca que eu nem sabia que ainda estava viva. Talvez fosse coincidência. Talvez fosse só gentileza. Mas meu coração, teimoso como sempre, quis acreditar que era o começo de alguma coisa.

E naquela noite, olhando para o céu estrelado do interior, senti algo novo crescendo dentro de mim. Um sussurro tímido, mas insistente. Algo me dizia que minha história estava prestes a mudar. Eu só não fazia ideia do quanto.

Nos dias que se seguiram, tentei agir como se nada tivesse acontecido, mas a verdade é que tudo em mim havia mudado. Cada vez que meu celular vibrava, meu coração disparava na esperança de ver novamente o nome dele ali, tão perto da minha realidade. Comecei a pensar mais antes de postar algo, a me questionar se ele ainda espiava meu perfil, se tinha lido alguma legenda, se tinha visto alguma história. Era como caminhar sobre uma linha fina entre fantasia e realidade, e mesmo sabendo que podia me machucar, eu não conseguia parar.

Mia percebeu que havia algo diferente. “Você tá com aquele brilho no olhar de novo, Anne. Ele fez alguma coisa?” Balancei a cabeça, sem coragem de contar sobre a curtida. Parecia bobo, quase infantil, mas pra mim foi o bastante para acender uma esperança. Eu não queria falar em voz alta e estragar a magia silenciosa daquele gesto. Era meu segredo com o universo.

Na clínica, os dias continuavam com a mesma rotina. Pacientes entrando e saindo, receitas, exames, telefonemas intermináveis. Mas eu não era mais a mesma. Eu estava mais atenta, mais viva. Quando ninguém via, abria o Instagram e olhava para a curtida dele como quem revisita um bilhete precioso. Às vezes, me perguntava se ele lembrava, ou se tinha sido apenas mais um clique entre tantos. E ainda assim, aquele pequeno gesto me alimentava.

Uma noite, tomei coragem e reagi a um dos stories dele. Foi algo sutil — uma figurinha de coração em cima de uma foto em preto e branco que ele havia postado, com uma legenda melancólica sobre tempo e silêncio. Quando enviei, meu peito se apertou de nervoso. Fiquei olhando fixamente para a tela, como se uma resposta fosse aparecer em segundos. Mas nada aconteceu. Pelo menos não imediatamente.

Horas depois, quando já havia perdido a esperança, vi a mensagem: “Obrigado.” Uma palavra. Simples. Mas escrita por ele. Linn. Eu li e reli como se tivesse encontrado um tesouro enterrado no quintal da minha alma. Respirei fundo, engoli o medo, e respondi algo bobo, educado, meio sem graça. Eu não sabia brincar de ser interessante com alguém que parecia pertencer a outro universo.

Depois disso, o silêncio voltou. Ele não respondeu mais. Mas agora havia uma ponte, ainda que frágil, ligando nossos mundos. Eu sabia que ele tinha me visto, que por um instante, por mínimo que fosse, ele soube que eu existia. E esse saber se enraizou dentro de mim com uma força que eu não esperava.

Voltei a escrever à mão, coisa que não fazia há meses. Escrevia cartas que nunca seriam enviadas, cenas que nunca aconteceriam, diálogos entre dois estranhos que, por alguma razão misteriosa, se encontravam no meio do caos. Era minha forma de lidar com o que eu sentia, de manter a magia viva, mesmo que só dentro de mim.

E no fundo, mesmo sabendo que aquilo talvez fosse apenas uma faísca solitária na escuridão, algo em mim já não conseguia se contentar com a vida de antes. O que antes era rotina, agora parecia um palco esperando por algo. Algo que eu não sabia nomear, mas que começava a sussurrar dentro de mim: e se não for apenas imaginação? E se for o começo de tudo?

As semanas passaram como folhas levadas pelo vento. Algumas vezes ele sumia das redes, e eu me pegava preocupada, como se tivesse direito de saber por onde andava. Outras, aparecia em vídeos curtos ou postagens misteriosas que mais diziam com o olhar do que com as palavras. Ele parecia carregar o mundo nos ombros, e aquilo me fascinava ainda mais. Havia uma sombra em Linn que o tornava real, imperfeito, humano. E era isso que me fazia querer descobrir cada pedaço que ele escondia atrás das imagens bonitas.

Uma madrugada, depois de um sonho estranho em que ele me chamava pelo nome, acordei ofegante. Peguei o celular no escuro e, por impulso, digitei uma mensagem. “Às vezes, a gente sente que conhece alguém só por observar o silêncio dele.” Fiquei olhando a tela, sem coragem de apertar “enviar”. Apaguei, reescrevi, respirei fundo… e fechei o aplicativo. Eu não queria parecer invasiva. Não queria ser só mais uma voz gritando na multidão que o admirava. Então voltei a guardar tudo em mim — as palavras, as vontades, os sentimentos.

Durante o expediente, Mia começou a implicar mais. Ela dizia que eu estava com a cabeça nas nuvens, que até errar os nomes dos pacientes eu já estava errando. Eu apenas sorria, sem vontade de explicar que minha mente andava em outro tempo, num lugar onde realidade e sonho se tocavam por breves instantes. Não era só sobre Linn. Era sobre o que ele despertava. Sobre a inquietação que nascia em mim, como se o mundo fosse maior do que aquela cidade, do que aquela rotina, do que tudo que eu conhecia até ali.

Em um domingo de céu nublado, resolvi caminhar sozinha até o lago. Sentei na beira, com os pés tocando a água gelada, e pensei em como a vida era silenciosamente imprevisível. Quem diria que um perfil aleatório me faria repensar tudo? Olhei para o reflexo na água e quase não me reconheci. Havia algo novo em mim — uma luz nos olhos, talvez um anseio. E foi ali que me perguntei, pela primeira vez em voz alta: “Será que um dia ele viria até aqui? Será que eu teria coragem de mostrar quem sou, sem filtros, sem esconderijos?”

Foi então que o inesperado aconteceu. Meu celular vibrou. Uma mensagem direta de Linn. O coração quase saiu pela boca. Com os dedos trêmulos, abri a conversa. “Você escreve com uma delicadeza que me fez parar hoje. Obrigado por não gritar como o resto do mundo.” Li aquela frase tantas vezes que quase a decorei. Era ele, falando comigo. Me ouvindo. Me vendo.

As palavras me faltaram por alguns minutos. Eu não sabia como responder à altura, mas decidi ser sincera. “Talvez seja porque eu também sou silêncio. E, às vezes, só o silêncio entende a gente de verdade.” Enviei e me afastei do celular. Não queria ver se ele visualizaria rápido, se responderia logo. Aquilo já era maior do que eu podia controlar. Eu estava entrando num território novo — onde o coração se arriscava sem saber onde pisava.

Naquela noite, não dormi. Fiquei olhando para o teto do meu quarto, ouvindo os grilos lá fora, tentando entender o que tudo aquilo significava. Ele tinha me notado. Ele tinha respondido. E agora? Eu não sabia. Mas talvez... talvez estivesse na hora de descobrir.

Capítulo 2 – Contando a Mia.

Nunca fui de guardar segredos da Mia, então assim que terminei de ler a última mensagem de Linn, corri para o quarto dela. Ela estava deitada, mexendo no celular, mas assim que ouviu meu tom de voz, sentou-se na cama como se um furacão tivesse passado pela janela. "O ator, Anne? O ator de Nova York?!", ela gritou, os olhos arregalados como se tivesse presenciado um milagre. Eu só consegui rir, nervosa, segurando o celular com força.

— Ele me respondeu, Mia. Respondeu de verdade — eu disse, ainda incrédula. Ela praticamente arrancou o celular da minha mão e leu em voz alta a mensagem como se fosse uma relíquia sagrada. “Oi, Anne. Gostei da tua vibe. Me conta sobre o Brasil. Como é morar aí?” Meu coração batia tão alto que quase cobria a voz dela.

Mia surtou de vez. Começou a andar de um lado pro outro, me dizendo que eu tinha que responder rápido, com inteligência, com charme, com tudo. Mas e eu? Eu só queria respirar. Meu estômago revirava de nervoso e empolgação, uma mistura que me fazia rir e quase chorar ao mesmo tempo. Será que ele tinha mesmo gostado da minha vibe? Ou era só educação?

Demorei mais do que deveria para responder. Escrevia, apagava, reescrevia. Queria parecer natural, mas como se faz isso quando se está em pânico? Acabei mandando um simples “Oi, Linn! Que honra falar contigo. O Brasil é… um caos bonito, sabe? Eu moro no sul, numa cidade pequena. Tudo aqui é mais lento.” Depois de enviar, escondi o rosto entre as mãos, como se o celular fosse explodir de volta.

A resposta dele não demorou. “Caos bonito… gostei disso. Gosto de cidades pequenas. Aqui, tudo é barulhento, tudo corre. Às vezes, sinto falta de silêncio.” Ele me parecia mais humano agora, menos distante. O homem dos filmes, o CEO das revistas, era também alguém que sentia falta de silêncio. Aquilo me tocou de um jeito estranho e doce.

Conversamos por mais de uma hora. Ele me perguntou sobre comidas brasileiras, falou que nunca tinha provado feijoada e perguntou se a bebida, com erva verde em uma cuia, era tão amargo quanto diziam. Eu me peguei sorrindo sem parar, mesmo com o rosto corado e as mãos geladas. Mia me observava do canto, com um olhar cúmplice e emocionado, como se estivesse vendo um filme.

Contei a ele que trabalhava como recepcionista, que não tinha uma vida muito movimentada, e que minhas viagens mais ousadas tinham sido até a capital. Ele riu com carinho, escreveu: “Às vezes, o que parece simples é o que mais toca a gente.” Eu não sabia se estava sonhando ou vivendo, mas aquelas palavras me fizeram flutuar.

Cada nova mensagem dele me fazia esquecer um pouco dos meus medos. Era como se, aos poucos, ele fosse desmanchando aquela muralha invisível que eu levava anos erguendo. Linn era gentil, curioso, e falava comigo como se eu fosse importante. E isso, pra mim, já era algo imenso.

Mia, claro, não parava de comentar. A cada pausa entre uma mensagem e outra, ela dizia “Você tá encantada!” ou “Anne, isso vai mudar tua vida!” Eu só conseguia balançar a cabeça, tentando não criar expectativas. Mas a verdade é que meu coração já tinha dado um salto sem volta.

Em um momento, ele perguntou: “Você gosta de escrever?” Eu quase engasguei com a pergunta. Falei que sim, que escrevia umas crônicas, mas nada sério. Ele respondeu: “Gostaria de ler algo seu um dia.” A ideia dele lendo minhas palavras me deixou tonta.

Quando a conversa terminou, com ele dizendo que precisava entrar numa reunião, fiquei olhando para a tela do celular por longos minutos. Uma parte de mim queria pular e dançar, a outra estava assustada com o que isso tudo poderia se tornar.

Mas mesmo com o medo, algo em mim se acalmou. Eu respondi. Eu fui eu. E, por algum motivo, ele ficou. Talvez, só talvez… isso fosse o começo de algo.

Fiquei ali, sentada na beirada da cama, revivendo cada palavra trocada, cada emoji usado, cada risada digitada. Mia continuava no quarto, me observando como se eu tivesse acabado de ganhar um prêmio. “Tu percebe que isso é surreal, né?” ela disse, puxando a coberta pra cima das pernas. “Um ator de Nova York tá conversando contigo. Contigo, Anne!”

Balancei a cabeça, ainda atordoada, e tentei colocar os pés no chão — literal e emocionalmente. “Eu sei, Mia… mas não sei o que isso significa. Pode ser só curiosidade, ou ele só tá sendo gentil…” Mesmo dizendo isso, no fundo, algo em mim queria acreditar que havia algo mais. Um interesse, talvez. Ou só uma conexão rara, dessas que surgem do nada.

Aquela noite, demorei a dormir. Fiquei olhando pro teto escuro, ouvindo os sons noturnos da rua vazia, o latido ocasional de um cachorro ao longe. E, dentro de mim, uma inquietação nova crescia. Não era medo, nem ansiedade… era esperança. Uma esperança tímida, com passos curtos e olhar desconfiado.

Na manhã seguinte, acordei antes do despertador. Meu primeiro impulso foi checar o celular, como se ele tivesse mandado alguma mensagem durante a madrugada. Nada. Suspirei, decepcionada, mas me repreendi logo em seguida. Ele era ocupado. Ele tinha uma vida. Não podia ficar esperando por mim.

No trabalho, estava mais distraída do que o normal. Atendi os clientes no automático, mas minha mente insistia em voltar à nossa conversa. Eu lembrava da forma como ele descreveu Nova York: “uma cidade que respira pressa.” E pensei no contraste com a minha vida lenta, os dias iguais, o cheiro de café passado e a rotina cravada nos ponteiros do relógio.

Durante o intervalo, Mia mandou mensagem perguntando se eu já tinha notícias dele. Respondi com um “ainda não”, seguido de um emoji pensativo. Ela me respondeu com um “calma, guria” e um coração. Eu sorri. Ter alguém como ela ao meu lado tornava tudo mais suportável, até a espera.

Quando saí do trabalho, o céu estava pintado em tons de dourado e lilás. Caminhei devagar até em casa, sentindo o vento bater no rosto, tentando acalmar o turbilhão que havia em mim. Não queria me iludir, mas já estava me pegando imaginando a próxima conversa, o próximo assunto, o próximo sorriso que ele pudesse arrancar de mim.

Cheguei em casa, tirei os sapatos, me joguei no sofá. Liguei o celular de novo, e lá estava: uma nova mensagem de Linn. “Hoje vi um casal de idosos no metrô. Eles se olhavam como se o tempo tivesse parado. Me fez pensar em como o amor pode resistir à pressa do mundo. Tu acredita nisso, Anne?”

Meu coração disparou. Era uma pergunta simples, mas vinda dele… soava profunda. Respirei fundo e respondi: “Acredito, sim. Acho que o amor de verdade encontra uma forma de sobreviver ao caos. Talvez até por isso seja tão raro.”

Ele respondeu quase imediatamente: “Gosto disso. Você tem uma forma bonita de ver o mundo.” Meu rosto ficou quente. Ninguém nunca tinha dito isso pra mim. Eu sempre fui a observadora silenciosa, aquela que escuta mais do que fala. Mas com ele… eu queria falar. Queria ser vista.

E naquele instante, entendi algo que não tinha percebido antes: talvez o que me assustava não fosse ele, ou a distância, ou a fama. Era o quanto eu já estava começando a me importar. Com tão pouco, ele tinha se tornado tanto.

Fechei os olhos e sorri sozinha. Talvez fosse só uma conversa. Talvez fosse só um acaso. Mas talvez — só talvez — fosse o começo de algo que eu nunca imaginei viver.

Nos dias que se seguiram, nossas conversas se tornaram quase um refúgio. Eu esperava por elas como quem espera o nascer do sol depois de uma longa madrugada. Linn me escrevia entre seus compromissos, sempre gentil, interessado, curioso sobre meu mundo simples, tão diferente do dele. E eu me surpreendia com a facilidade com que abria meu coração.

Contava sobre as ruas estreitas da minha cidade, sobre o cheiro de pão quente na padaria da esquina, sobre o vento gelado das manhãs de inverno que cortava o rosto, mas aquecia a alma. Ele dizia que adoraria caminhar por esses lugares comigo, com uma xícara de café nas mãos e silêncio confortável entre as palavras.

Às vezes, eu me pegava sonhando acordada, imaginando aquele homem de traços marcantes e olhos escuros caminhando ao meu lado pelas ruas de chão batido. Um sonho bobo, talvez, mas era real demais dentro de mim. Mia notava meu estado e fazia piada, dizendo que eu estava amando o “namorado internacional”.

Claro que eu negava. Dizia que era só uma conversa, uma troca bonita e improvável. Mas no fundo, já não conseguia me enganar. Eu esperava por ele. Por suas palavras. Pela forma como me fazia sentir importante, mesmo a quilômetros de distância.

Em uma noite chuvosa, estávamos falando sobre músicas. Ele perguntou o que eu costumava ouvir quando estava triste. Respondi com uma playlist cheia de canções brasileiras melancólicas, dessas que falam de saudade, amor e recomeços. Ele ouviu uma delas e me mandou: “Essa música tem tua alma, Anne. É como se tu tivesse colocado tua essência numa melodia.”

Li aquilo com o coração apertado. Era difícil acreditar que alguém como ele enxergasse tanto em mim. Eu, a menina do interior, invisível pra tantos, estava sendo lida por alguém do outro lado do mundo. E ele parecia gostar do que via.

Mais uma noite foi se passando, e nossa conexão só crescia. Conversamos sobre família, medos, passado. Ele me contou que havia perdido a mãe ainda jovem, e que isso moldou muito de quem ele era. Senti um nó na garganta. Quis abraçá-lo, mesmo que fosse impossível.

Respondi dizendo que, embora não soubesse o que era essa dor, eu entendia a ausência. Contei sobre meu pai, que foi embora quando eu era pequena, e como isso deixou um espaço vazio dentro de mim que, até hoje, eu tentava preencher.

Aquela troca foi silenciosa por um tempo. Nenhum dos dois respondeu logo. Parecia que a profundidade das palavras nos atingira como ondas fortes, daquelas que a gente respeita antes de mergulhar.

Quando ele finalmente respondeu, foi com uma delicadeza que me desmontou: “Talvez seja por isso que nossas almas se encontraram. Elas reconhecem o que falta uma na outra.”

Fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem, sem vergonha, sem pressa. Era tudo tão estranho, tão novo, tão intenso. Nunca tinha sentido algo assim por alguém que eu sequer toquei. Mas não precisava de toque. As palavras dele me tocavam como ninguém jamais havia feito.

E ali, sozinha no meu quarto, com o som da chuva batendo na janela e o coração exposto nas mãos, eu comecei a aceitar: Linn não era só uma conversa. Ele era o início de algo que eu ainda não sabia nomear, mas já não queria perder.

Capítulo 3 – Conexão Inesperada.

A luz do abajur lançava sombras suaves nas paredes do meu quarto. Eu estava deitada na cama, abraçada ao travesseiro, mas minha mente não conseguia descansar. Era estranho como alguém que eu nunca tinha tocado podia ocupar tanto espaço dentro de mim.

Passei os dedos pela tela do celular, encarando o último vídeo que ele me enviou. Linn estava rindo, de um jeito espontâneo, enquanto mostrava o cachorro do vizinho tentando pegar um pombo. Eu sorri sozinha, mesmo que minha barriga estivesse cheia de perguntas.

Por que ele falava comigo com tanta doçura? Por que parecia... interessado? Eu não era ninguém especial. Uma recepcionista do interior do Sul do Brasil, com uma vida pacata e rotina previsível.

Fechei os olhos por um instante, tentando ignorar a ansiedade. Mas o celular vibrou em minhas mãos.

— Anne, acabei de sair do trabalho. Essa hora da noite, e só consigo pensar em como teria sido legal te ter por perto hoje.

Senti meu coração acelerar. Eu podia ouvir a exaustão na voz dele, mas também havia algo a mais — uma ternura. Uma intenção. Um convite sutil.

Respirei fundo antes de apertar o botão de gravar.

— Eu... também pensei em você. Hoje foi tranquilo aqui. Choveu um pouco. Fiquei imaginando como seria te mostrar minha cidade nesse tempo nublado.

Mandei. E em seguida, me arrependi. Será que parecia boba? Carente?

Mas ele respondeu rápido. Quase como se estivesse esperando.

— Eu adoraria isso. Tomar um café contigo, ver as ruas molhadas, te ouvir falando das coisas que ama.

Meu peito se apertou de um jeito bom. Como se ele estivesse me vendo além da tela. Como se, de algum modo, me entendesse.

— Você fala essas coisas como se me conhecesse.

— Talvez eu esteja tentando. Ou talvez eu só reconheça quando encontro alguém que me acalma.

Sorri. Pequeno. Incrédulo. Como alguém que recebe um presente inesperado e bonito demais.

Levantei e fui até a janela. A chuva fina continuava caindo. Peguei o celular de novo e gravei outro áudio, agora mostrando a vista.

— Olha só... aqui tá assim. Cinza, mas ainda bonito.

Ele mandou um vídeo em resposta, com as luzes da cidade refletidas nas calçadas molhadas de Nova York. Gente apressada, buzinas, tudo tão diferente do meu mundo.

— Totalmente outro universo — murmurei, quase para mim mesma.

— É, mas sabe o que eu percebo? — disse ele no áudio seguinte — Que mesmo com tanta coisa em volta, meu foco tá sempre em você.

Fechei os olhos por um instante. A voz dele preenchia o silêncio do meu quarto. A sensação era quase absurda.

— Linn... por que eu? Quer dizer... você é CEO, mora em Nova York, tem uma vida completamente diferente. Eu sou só...

— Você é real. É gentil. Tem um sorriso que me fez parar no teu perfil e ficar. Você tem noção do quanto é rara?

Meu rosto ficou quente. E não era por causa do cobertor. Era dele. Das palavras. Da forma como ele fazia tudo parecer tão simples.

— Às vezes eu acho que isso tudo é só um sonho — confessei.

— Então vamos continuar sonhando. Até o dia em que eu possa te tocar de verdade.

Aquela frase ficou ressoando em mim. Me tocou mais fundo do que eu esperava.

A conexão era mais que mensagens e vídeos. Era algo que me fazia sentir viva, desejada, como se, mesmo à distância, ele tivesse encontrado partes de mim que nem eu sabia que estavam lá.

Sorri novamente. Dessa vez sem medo. E respondi:

— Tudo bem, Linn. Vamos sonhar juntos. Até o dia certo chegar.

Na manhã seguinte, acordei com o coração leve, mas ainda com aquela pontinha de receio. Peguei o celular, e lá estava outra mensagem dele, enviada de madrugada.

— “Boa noite, pequena estrela do sul. Sonhei contigo.”

Fiquei olhando para aquele texto, os olhos ainda meio turvos de sono, tentando entender como alguém podia ser tão direto e ao mesmo tempo tão poético.

— Que tipo de sonho? — digitei, antes de me levantar.

Poucos minutos depois, a resposta chegou em áudio.

— Estávamos sentados num banco de praça, você com uma xícara de chá, rindo de algo bobo que eu disse. E eu só conseguia pensar em como seria bom te beijar ali mesmo.

Sentei na beira da cama com o coração batendo forte. Esse homem não fazia ideia do que causava em mim. Ou talvez fizesse, e por isso continuava.

Tentei responder com humor, mesmo que por dentro eu estivesse derretendo.

— Não sei se foi sonho ou premonição, mas… gosto da ideia.

A risada dele veio como resposta. Aquela risada baixa e gostosa que ele soltava quando ficava sem graça.

— Pode ser os dois. Mas, se depender de mim, quero transformar esse sonho em plano.

Me levantei com um sorriso idiota no rosto, como se tivesse dezessete anos. Mas havia algo diferente dessa vez. Eu me sentia segura. Não era só desejo, era cuidado. Curiosidade genuína.

Enquanto fazia meu café, continuei ouvindo os áudios dele. Ele contava sobre uma reunião cansativa, sobre como o elevador da empresa travou com ele dentro — “mas pelo menos tinha sinal e eu pensei em você o tempo todo”.

Era nessas pequenas coisas que ele me ganhava. Não eram flores ou promessas exageradas, mas constância. Interesse real.

Na pausa do trabalho, saí para caminhar e gravei um vídeo curto do céu se abrindo depois da chuva.

— Acho que o dia decidiu sorrir um pouco. Igual eu quando vejo tua mensagem.

Dessa vez, ele demorou um pouco para responder. E quando o vídeo chegou, meu peito apertou. Era ele, no carro, com os olhos cansados, mas um sorriso suave nos lábios.

— Você é o melhor momento do meu dia. Só queria que soubesse disso.

Fechei os olhos por alguns segundos, deixando aquele sentimento me atravessar. Eu estava sendo vista. Desejada. E, o mais assustador de tudo: eu estava começando a desejar também.

De volta ao trabalho, tentei me concentrar, mas cada toque do celular me fazia estremecer. Ele não era só bonito. Era diferente. Atencioso. Presente.

E, mesmo com tudo isso crescendo entre a gente, uma pergunta ainda sussurrava dentro de mim: “Por que eu?”

Talvez, algum dia, eu teria coragem de perguntar. Mas por enquanto, eu só queria continuar sentindo.

Sentindo essa conexão inesperada que me fazia, pela primeira vez em muito tempo, acreditar em algo bonito.

Deitada no sofá depois do jantar, voltei a ver os vídeos e mensagens do Linn. O jeito como ele falava, sua voz firme, os detalhes que compartilhava comigo… tudo me fazia querer mais. Mas então veio o baque: eu não entendia tudo o que ele dizia.

Algumas palavras em inglês passavam por mim como vento, e mesmo com as legendas ativadas, eu me sentia perdida. Comecei a perceber que, se quisesse acompanhar de verdade, eu teria que melhorar.

— Ai, meu Deus… — sussurrei para mim mesma, abrindo o Google Tradutor pela décima vez naquele dia. — Eu preciso estudar. Tipo… agora.

Salvei alguns áudios dele para ouvir devagar depois, palavra por palavra. E, mesmo envergonhada, mandei uma mensagem:

— Linn, preciso confessar uma coisa. Às vezes não entendo tudo o que você fala. Meu inglês é… meio fraco.

Ele respondeu quase imediatamente:

— Eu já imaginei isso, Anne. Mas não tem problema nenhum. Gosto da tua voz, mesmo quando você erra palavras. E se você quiser, eu posso te ajudar.

— Você faria isso?

— Claro. A gente aprende juntos. E posso te ensinar algumas palavras por dia, que tal?

Meu coração se aqueceu. Ele não riu, não se afastou. Pelo contrário, se aproximou ainda mais.

Abri o perfil dele outra vez. Uma nova foto tinha sido postada. Linn estava de camisa preta, encostado em uma parede de tijolos rústicos. Os cabelos escuros caiam sobre os ombros, e a barba bem cuidada realçava seu maxilar marcado. Os traços dele eram fortes, quase selvagens, como se pertencesse a um tempo antigo.

Fiquei ali, parada, olhando para a foto. Ele era lindo. Lindo de um jeito que não parecia real. Mas não era só isso. Era a força nos olhos, a conexão com a terra, com algo ancestral.

Não aguentei e mandei no direct, meio tímida:

— Linn... posso te perguntar uma coisa?

— Sempre.

— Qual a tua origem? Digo, tua etnia. Teus traços são tão marcantes... e lindos.

Demorou alguns minutos para ele responder. Eu quase me arrependi de ter perguntado, mas então veio o áudio:

— Eu sou indígena americano. Meu povo é da região dos Apalaches, descendentes diretos dos povos nativos que viviam ali muito antes dos colonizadores chegarem. Minha bisavó me ensinava a língua antiga quando eu era criança.

Fechei os olhos ao ouvir aquilo. Era exatamente o que eu imaginava. Ele tinha algo profundo no olhar, algo que falava de raízes, de histórias contadas ao redor do fogo.

— Isso é incrível, Linn. Você carrega tanta história no rosto… nos olhos.

— Obrigado, Anne. Às vezes sinto que o mundo esquece de onde veio. Mas é bom saber que você vê isso.

— Eu vejo. Eu sinto.

— É por isso que eu me aproximei de você. Porque você olha com o coração.

Naquele instante, não importava mais o inglês falho ou a distância entre nós. Eu sentia que estava conectada a algo maior. A alguém que carregava dentro de si muito mais do que palavras.

E ali, deitada com o celular em mãos, percebi que essa conexão inesperada não era só entre duas pessoas. Era entre dois mundos. E, de algum jeito, eles estavam se encontrando.

Depois de ouvir o áudio do Linn sobre sua origem indígena, fiquei ainda mais encantada. Era como se ele carregasse um pedaço da natureza dentro dele, como se pertencesse à terra, às raízes, ao som do vento.

Estava digitando uma resposta quando outra mensagem dele chegou, me pegando de surpresa.

— Anne… posso te perguntar algo agora?

— Pode, claro.

— Sempre fico observando suas fotos e vídeos… e você tem traços diferentes. Seus olhos, seu tom de pele, o cabelo. Qual sua origem?

Sorri com a pergunta. Ninguém costumava prestar tanta atenção assim em mim. Mas Linn via. Linn percebia.

— Meu pai é descendente de índios aqui do sul do Brasil. Minha mãe era uma mulata linda, veio do norte. Tenho um pouquinho dos dois.

— Agora tudo faz sentido. — ele respondeu, seguido de um emoji de fogo e outro de coração. — Você é linda. Forte, delicada, única.

Meu rosto esquentou. Não sabia lidar muito bem com elogios, mas com ele era diferente. Não soava forçado, nem interesseiro. Ele falava como se estivesse realmente admirando quem eu era.

— Obrigada… — respondi, meio sem jeito. — Mas, pra ser sincera, nunca me achei tudo isso, não.

— Impossível alguém não te notar. — ele respondeu. — Aposto que é super cortejada.

Soltei uma risada.

— Eu? Não mesmo. Eu sou tímida, Linn. Muito tímida. Quase não saio de casa. Meus amigos são mais livros e séries do que pessoas.

O áudio dele chegou logo depois. A voz baixa, arrastada, quase um sussurro:

— Então eu tive sorte. Muita sorte. De você ter aparecido no meu caminho.

Fechei os olhos, tentando conter aquele turbilhão que ele sempre provocava em mim. Eu ainda nem o conhecia pessoalmente, mas sentia como se estivesse me desarmando a cada conversa, a cada palavra.

Respondi com sinceridade:

— E eu também tive sorte, Linn. Porque, mesmo de tão longe, você me faz sentir mais perto de mim mesma.

O silêncio entre uma resposta e outra começou a parecer abraço. Um silêncio confortável, onde a presença dele permanecia, mesmo sem palavras.

E eu ali, com o coração palpitando no peito, entendia que aquela conexão ia além do físico. Era alma reconhecendo alma.

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