Capítulo 5 — Pequeno Presente.

Cheguei em casa depois de mais um dia arrastado no trabalho. Meus pés doíam, o calor parecia ter grudado na pele, e a única coisa que eu queria era o silêncio do meu quarto e a leveza de não precisar sorrir para ninguém. Joguei a bolsa em cima da poltrona, prendi o cabelo de qualquer jeito e me deitei na cama com o celular na mão.

Desbloqueei a tela por hábito, sem esperar muita coisa. E lá estava: uma mensagem de Linn no direct. Meu coração deu aquele pequeno salto bobo — o mesmo que ele sempre dá quando o nome dele aparece.

Cliquei.

Era um link do Spotify. E uma frase curta, mas que me desarmou por inteiro:

“Fiz essa playlist pra você. Cada música me lembra nossas conversas. Espero que goste.”

Apertei o play com os dedos meio trêmulos, como se estivesse prestes a abrir uma caixinha de memórias que eu ainda nem vivi. A primeira música começou com um piano suave, íntimo. Meus olhos se fecharam sozinhos. O quarto ficou pequeno diante da imensidão que aquela canção trouxe.

Cada nota parecia tocar alguma parte minha que eu escondo até de mim mesma. A segunda música me arrancou um suspiro. A terceira fez um nó crescer na garganta — falava de conexões inesperadas, de encontros que acontecem quando a gente menos espera, mas mais precisa. E foi na quinta faixa que as lágrimas vieram.

“Você me vê como ninguém mais vê”.

Aquilo me quebrou de um jeito doce.

Porque era verdade.

Eu me senti... vista. De verdade. Pela primeira vez. Como se, em meio a tantas pessoas que passam pela gente sem notar o que carregamos, ele tivesse parado, olhado, e enxergado além da superfície.

Era só uma playlist. Só um link.

Mas foi como um abraço dado à distância. Como se ele me dissesse, em silêncio: “eu te ouço, mesmo quando você não diz tudo”.

Fiquei ali, deitada, com os fones nos ouvidos e o coração apertado, mas cheio. Eu sorri, mesmo com os olhos molhados. E pensei nele. De um jeito bonito. De um jeito novo.

As músicas ainda ecoavam baixinho no fundo, mas meu corpo inteiro já estava tomado por uma calma estranha — daquela que chega quando a gente finalmente entende que é importante pra alguém.

Fiquei um tempo olhando para a tela do celular, os dedos indecisos sobre o teclado. Como é que se responde algo assim? Como é que se coloca em palavras o que transbordou aqui dentro?

Apaguei umas três mensagens antes de respirar fundo e deixar os dedos falarem por mim.

— Linn… eu não sei nem por onde começar — digitei, sentindo o coração bater forte. — Ouvi cada música de olhos fechados. Você me fez sentir vista, sabe? Tipo… realmente enxergada. Como se tivesse mergulhado dentro de mim, mesmo estando tão longe. Obrigada. Por lembrar. Por cuidar assim, em silêncio.

Enviei antes que o medo me fizesse apagar tudo de novo.

Fiquei olhando o “visualizado” aparecer, o coração acelerado como se estivesse esperando por algo grande, mesmo que silencioso.

A resposta dele não demorou:

— Anne… se você soubesse o quanto eu penso em você… — veio a primeira parte. — O quanto eu me apego a cada palavra tua… Eu só queria que essa playlist te fizesse sentir um pouco do que você me faz sentir. Importante. Presente. Viva.

Pronto. A lágrima que estava insistindo em não cair, caiu.

Não por tristeza.

Mas por alívio.

Alívio de não estar sozinha nesse sentir. De estar sendo, enfim, correspondida.

A última música começou a tocar com uma delicadeza quase sagrada. Uma voz suave, quase sussurrada, dizia algo sobre almas que se encontram antes mesmo de saberem. Eu me encolhi no cobertor, puxei os fones mais perto dos ouvidos, como se isso pudesse me levar pra mais perto dele também.

Fechei os olhos.

Na minha mente, desenhei o rosto de Linn. A maneira como ele deve franzir a testa quando está concentrado. O som exato da risada dele nos áudios que me mandou. E, pela primeira vez, me permiti imaginar mais.

Imaginei ele aqui. Sentado ao pé da minha cama, os olhos escuros presos nos meus, segurando minha mão com cuidado — como se ela fosse feita de vidro. Imaginei ele dizendo meu nome com a mesma doçura com que monta suas frases nas mensagens. Como se meu nome tivesse gosto bom na boca dele.

Imaginei seu abraço. Quente. Firme. Real.

E ali, nesse espaço entre sonho e música, entre o agora e o “quem sabe um dia”, eu me deixei levar. A voz do cantor ainda dizia que o tempo não importa quando a conexão é verdadeira. E eu quis acreditar nisso com tudo em mim.

Meus pensamentos foram ficando mais leves, como nuvens esgarçadas num céu de fim de tarde. O coração, ainda apertado, agora batia em ritmo de promessa — uma promessa muda, feita só dentro de mim: a de esperar. De confiar. De seguir sentindo.

Adormeci assim. Com ele no pensamento. Com a música ainda tocando. E com a estranha, bonita e nova certeza de que, mesmo longe, Linn estava comigo de algum jeito.

Porque quem vê a gente de verdade, nunca vai embora.

Acordei ofegante.

O coração disparado, a pele quente, o rosto… completamente vermelho.

Demorei uns segundos pra entender onde eu estava. A playlist de Linn ainda ecoava baixinho nos fones, agora pendurados no travesseiro. Levei a mão ao peito, tentando acalmar a respiração.

Meu Deus.

Foi um sonho.

Um sonho com ele.

Com o Linn.

Fechei os olhos de novo por reflexo, como se aquilo pudesse me proteger da lembrança — mas era tarde demais. Cada detalhe ainda estava vivo na minha mente. Os toques, os sussurros, a forma como ele me segurava com firmeza e cuidado ao mesmo tempo. Como se soubesse exatamente onde e como me tocar. Como se me conhecesse por dentro.

— Socorro — murmurei, escondendo o rosto nas mãos.

Sentei na cama, tentando recuperar a dignidade — e talvez um pouco da sanidade também. O celular piscou com uma notificação de Mia.

“Acordou, flor do campo?”

Respirei fundo.

“Acordei… com calor.”

Dois minutos depois, estávamos no café da manhã, ela sentada na minha frente com aquele olhar afiado de quem sabe mais do que devia.

— Você sonhou com ele, né? — Mia arqueou uma sobrancelha, mexendo o café como quem gira a verdade dentro de uma xícara.

Fiquei muda. Mas meu silêncio falou tudo.

— Sonhou. E foi quente — ela riu, quase cuspindo o gole. — Tua cara tá corada até agora.

— Cala a boca, Mia — murmurei, mas não consegui esconder o sorriso. — Foi só um sonho…

— “Só”? Anne, você tá aí toda molinha, de bochecha vermelha. Me conta! — ela se inclinou, como se o segredo fosse algo precioso demais pra deixar escapar.

— Ele… — pausei, desviando os olhos — me tocava como se já tivesse me tocado mil vezes. Eu sentia tudo. O calor, o jeito dele olhar pra mim… Era como se fosse real.

Mia me olhou por alguns segundos em silêncio, depois perguntou, num tom mais sério:

— Você já falou pra ele que é virgem?

Meu sorriso desapareceu devagar. Engoli seco e neguei com a cabeça.

— Não. Eu… eu tenho medo de falar e ele se afastar de mim. Vai que ele perde o interesse, sabe?

Mia cruzou os braços, dando aquele olhar de irmã mais velha que ela assumia quando queria me tirar da zona de conforto.

— Tá, e quando ele vier pro Brasil atrás de você? Vai jogar xadrez com ele a noite?

Não consegui conter a risada.

— Mia!

— Ué, tô perguntando! Porque se ele te olhar do jeito que você sonhou… melhor você ter mais que um tabuleiro em casa.

— Para, sério! — falei, rindo mais do que devia, sentindo as bochechas queimarem outra vez.

— Olha, amiga… você não precisa falar agora. Mas quando se sentir segura, fala. Ele parece um cara maduro. E se ele se afastar por isso, é porque nunca mereceu você de verdade.

Suspirei, segurando a caneca quente entre as mãos.

— Por enquanto, eu só quero aproveitar o que a gente tem. As conversas, os gestos, o jeito que ele me faz sentir importante… Não sei se estou pronta pra jogar todas as cartas ainda.

— Só não deixa o medo ser a jogadora principal dessa história, tá? — ela piscou. — Porque eu tô torcendo pra esse romance sair do Wi-Fi e virar real.

Sorri, sentindo o coração mais leve. Ainda havia medo, sim… mas havia também uma vontade gigante de viver tudo aquilo.

Mesmo que, por enquanto, só nos sonhos.

As gravações estavam uma loucura. Entre cenas, reuniões com a equipe da empresa, contratos, números, eu me via constantemente voltando à mesma linha de pensamento, como se minha mente não conseguisse escapar de um lugar específico. Anne.

Eu já sabia que ela ocupava um espaço enorme na minha cabeça, mas havia algo naquele último direct dela que me fez ficar pensando o dia inteiro. Ela me disse, com um jeito meio despretensioso: "Eu não saio muito. Gosto do meu cantinho, dos meus livros… não tenho muita história pra contar."

E, naquele momento, algo me fez parar. Eu fiquei refletindo… Será que ela nunca teve alguém? Será que sou o primeiro homem que ela está realmente conhecendo desse jeito?

Não que fosse algo grande. Mas, ao mesmo tempo, era uma novidade pra mim, uma curiosidade que eu não conseguia tirar da cabeça. O tipo de pensamento que nasce no fundo do peito e cresce sem aviso.

Eu estava pensando nisso quando Mike entrou no escritório, com aquele sorriso debochado, como sempre.

— Aí está ele. O astro do momento. Sonhando com a brasileira? — ele disse, dando risada e jogando um copo de café na mesa.

Eu o olhei brevemente e, sem nem tirar os olhos da janela, apenas falei:

— Tô só relembrando umas conversas que a gente teve no direct.

Mike fez uma careta e rolou os olhos. Eu sabia o que ele ia dizer. Já tinha ouvido isso antes.

— Cara, você tá perdendo tempo com essa garota. Ela mora do outro lado do mundo! Tem uma fila de mulheres querendo a sua atenção, e você tá aí, só pensando nela.

Eu não respondi. Só me peguei de novo com o celular na mão, o último áudio dela aberto na tela. Não dei play, não precisava ouvir a voz dela naquele momento. Eu podia ouvi-la na minha cabeça, claramente. Cada palavra, cada frase. Tudo.

Mike resmungou e levantou as mãos, rendido.

— Tá bom, Romeu. Vai lá, sonha com tua Julieta digital. Só não me chama quando der errado.

E ele saiu. Fiquei ali, sozinho, com o celular na mão, o pensamento focado nela.

Eu sabia que ele tinha razão, de certo modo. Eu estava me colocando em um lugar onde as chances eram pequenas. Ela era do outro lado do mundo, ainda me conhecia só pelas palavras, pelas trocas de mensagens. Mas, ao mesmo tempo, eu não queria sair daquilo. Queria mais.

Pensei então no que ela me disse. "Eu não tenho muita história pra contar..." E, naquele momento, algo dentro de mim simplesmente se aquietou. Ela não precisava ter histórias.

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