Capítulo 2 – Contando a Mia.

Nunca fui de guardar segredos da Mia, então assim que terminei de ler a última mensagem de Linn, corri para o quarto dela. Ela estava deitada, mexendo no celular, mas assim que ouviu meu tom de voz, sentou-se na cama como se um furacão tivesse passado pela janela. "O ator, Anne? O ator de Nova York?!", ela gritou, os olhos arregalados como se tivesse presenciado um milagre. Eu só consegui rir, nervosa, segurando o celular com força.

— Ele me respondeu, Mia. Respondeu de verdade — eu disse, ainda incrédula. Ela praticamente arrancou o celular da minha mão e leu em voz alta a mensagem como se fosse uma relíquia sagrada. “Oi, Anne. Gostei da tua vibe. Me conta sobre o Brasil. Como é morar aí?” Meu coração batia tão alto que quase cobria a voz dela.

Mia surtou de vez. Começou a andar de um lado pro outro, me dizendo que eu tinha que responder rápido, com inteligência, com charme, com tudo. Mas e eu? Eu só queria respirar. Meu estômago revirava de nervoso e empolgação, uma mistura que me fazia rir e quase chorar ao mesmo tempo. Será que ele tinha mesmo gostado da minha vibe? Ou era só educação?

Demorei mais do que deveria para responder. Escrevia, apagava, reescrevia. Queria parecer natural, mas como se faz isso quando se está em pânico? Acabei mandando um simples “Oi, Linn! Que honra falar contigo. O Brasil é… um caos bonito, sabe? Eu moro no sul, numa cidade pequena. Tudo aqui é mais lento.” Depois de enviar, escondi o rosto entre as mãos, como se o celular fosse explodir de volta.

A resposta dele não demorou. “Caos bonito… gostei disso. Gosto de cidades pequenas. Aqui, tudo é barulhento, tudo corre. Às vezes, sinto falta de silêncio.” Ele me parecia mais humano agora, menos distante. O homem dos filmes, o CEO das revistas, era também alguém que sentia falta de silêncio. Aquilo me tocou de um jeito estranho e doce.

Conversamos por mais de uma hora. Ele me perguntou sobre comidas brasileiras, falou que nunca tinha provado feijoada e perguntou se a bebida, com erva verde em uma cuia, era tão amargo quanto diziam. Eu me peguei sorrindo sem parar, mesmo com o rosto corado e as mãos geladas. Mia me observava do canto, com um olhar cúmplice e emocionado, como se estivesse vendo um filme.

Contei a ele que trabalhava como recepcionista, que não tinha uma vida muito movimentada, e que minhas viagens mais ousadas tinham sido até a capital. Ele riu com carinho, escreveu: “Às vezes, o que parece simples é o que mais toca a gente.” Eu não sabia se estava sonhando ou vivendo, mas aquelas palavras me fizeram flutuar.

Cada nova mensagem dele me fazia esquecer um pouco dos meus medos. Era como se, aos poucos, ele fosse desmanchando aquela muralha invisível que eu levava anos erguendo. Linn era gentil, curioso, e falava comigo como se eu fosse importante. E isso, pra mim, já era algo imenso.

Mia, claro, não parava de comentar. A cada pausa entre uma mensagem e outra, ela dizia “Você tá encantada!” ou “Anne, isso vai mudar tua vida!” Eu só conseguia balançar a cabeça, tentando não criar expectativas. Mas a verdade é que meu coração já tinha dado um salto sem volta.

Em um momento, ele perguntou: “Você gosta de escrever?” Eu quase engasguei com a pergunta. Falei que sim, que escrevia umas crônicas, mas nada sério. Ele respondeu: “Gostaria de ler algo seu um dia.” A ideia dele lendo minhas palavras me deixou tonta.

Quando a conversa terminou, com ele dizendo que precisava entrar numa reunião, fiquei olhando para a tela do celular por longos minutos. Uma parte de mim queria pular e dançar, a outra estava assustada com o que isso tudo poderia se tornar.

Mas mesmo com o medo, algo em mim se acalmou. Eu respondi. Eu fui eu. E, por algum motivo, ele ficou. Talvez, só talvez… isso fosse o começo de algo.

Fiquei ali, sentada na beirada da cama, revivendo cada palavra trocada, cada emoji usado, cada risada digitada. Mia continuava no quarto, me observando como se eu tivesse acabado de ganhar um prêmio. “Tu percebe que isso é surreal, né?” ela disse, puxando a coberta pra cima das pernas. “Um ator de Nova York tá conversando contigo. Contigo, Anne!”

Balancei a cabeça, ainda atordoada, e tentei colocar os pés no chão — literal e emocionalmente. “Eu sei, Mia… mas não sei o que isso significa. Pode ser só curiosidade, ou ele só tá sendo gentil…” Mesmo dizendo isso, no fundo, algo em mim queria acreditar que havia algo mais. Um interesse, talvez. Ou só uma conexão rara, dessas que surgem do nada.

Aquela noite, demorei a dormir. Fiquei olhando pro teto escuro, ouvindo os sons noturnos da rua vazia, o latido ocasional de um cachorro ao longe. E, dentro de mim, uma inquietação nova crescia. Não era medo, nem ansiedade… era esperança. Uma esperança tímida, com passos curtos e olhar desconfiado.

Na manhã seguinte, acordei antes do despertador. Meu primeiro impulso foi checar o celular, como se ele tivesse mandado alguma mensagem durante a madrugada. Nada. Suspirei, decepcionada, mas me repreendi logo em seguida. Ele era ocupado. Ele tinha uma vida. Não podia ficar esperando por mim.

No trabalho, estava mais distraída do que o normal. Atendi os clientes no automático, mas minha mente insistia em voltar à nossa conversa. Eu lembrava da forma como ele descreveu Nova York: “uma cidade que respira pressa.” E pensei no contraste com a minha vida lenta, os dias iguais, o cheiro de café passado e a rotina cravada nos ponteiros do relógio.

Durante o intervalo, Mia mandou mensagem perguntando se eu já tinha notícias dele. Respondi com um “ainda não”, seguido de um emoji pensativo. Ela me respondeu com um “calma, guria” e um coração. Eu sorri. Ter alguém como ela ao meu lado tornava tudo mais suportável, até a espera.

Quando saí do trabalho, o céu estava pintado em tons de dourado e lilás. Caminhei devagar até em casa, sentindo o vento bater no rosto, tentando acalmar o turbilhão que havia em mim. Não queria me iludir, mas já estava me pegando imaginando a próxima conversa, o próximo assunto, o próximo sorriso que ele pudesse arrancar de mim.

Cheguei em casa, tirei os sapatos, me joguei no sofá. Liguei o celular de novo, e lá estava: uma nova mensagem de Linn. “Hoje vi um casal de idosos no metrô. Eles se olhavam como se o tempo tivesse parado. Me fez pensar em como o amor pode resistir à pressa do mundo. Tu acredita nisso, Anne?”

Meu coração disparou. Era uma pergunta simples, mas vinda dele… soava profunda. Respirei fundo e respondi: “Acredito, sim. Acho que o amor de verdade encontra uma forma de sobreviver ao caos. Talvez até por isso seja tão raro.”

Ele respondeu quase imediatamente: “Gosto disso. Você tem uma forma bonita de ver o mundo.” Meu rosto ficou quente. Ninguém nunca tinha dito isso pra mim. Eu sempre fui a observadora silenciosa, aquela que escuta mais do que fala. Mas com ele… eu queria falar. Queria ser vista.

E naquele instante, entendi algo que não tinha percebido antes: talvez o que me assustava não fosse ele, ou a distância, ou a fama. Era o quanto eu já estava começando a me importar. Com tão pouco, ele tinha se tornado tanto.

Fechei os olhos e sorri sozinha. Talvez fosse só uma conversa. Talvez fosse só um acaso. Mas talvez — só talvez — fosse o começo de algo que eu nunca imaginei viver.

Nos dias que se seguiram, nossas conversas se tornaram quase um refúgio. Eu esperava por elas como quem espera o nascer do sol depois de uma longa madrugada. Linn me escrevia entre seus compromissos, sempre gentil, interessado, curioso sobre meu mundo simples, tão diferente do dele. E eu me surpreendia com a facilidade com que abria meu coração.

Contava sobre as ruas estreitas da minha cidade, sobre o cheiro de pão quente na padaria da esquina, sobre o vento gelado das manhãs de inverno que cortava o rosto, mas aquecia a alma. Ele dizia que adoraria caminhar por esses lugares comigo, com uma xícara de café nas mãos e silêncio confortável entre as palavras.

Às vezes, eu me pegava sonhando acordada, imaginando aquele homem de traços marcantes e olhos escuros caminhando ao meu lado pelas ruas de chão batido. Um sonho bobo, talvez, mas era real demais dentro de mim. Mia notava meu estado e fazia piada, dizendo que eu estava amando o “namorado internacional”.

Claro que eu negava. Dizia que era só uma conversa, uma troca bonita e improvável. Mas no fundo, já não conseguia me enganar. Eu esperava por ele. Por suas palavras. Pela forma como me fazia sentir importante, mesmo a quilômetros de distância.

Em uma noite chuvosa, estávamos falando sobre músicas. Ele perguntou o que eu costumava ouvir quando estava triste. Respondi com uma playlist cheia de canções brasileiras melancólicas, dessas que falam de saudade, amor e recomeços. Ele ouviu uma delas e me mandou: “Essa música tem tua alma, Anne. É como se tu tivesse colocado tua essência numa melodia.”

Li aquilo com o coração apertado. Era difícil acreditar que alguém como ele enxergasse tanto em mim. Eu, a menina do interior, invisível pra tantos, estava sendo lida por alguém do outro lado do mundo. E ele parecia gostar do que via.

Mais uma noite foi se passando, e nossa conexão só crescia. Conversamos sobre família, medos, passado. Ele me contou que havia perdido a mãe ainda jovem, e que isso moldou muito de quem ele era. Senti um nó na garganta. Quis abraçá-lo, mesmo que fosse impossível.

Respondi dizendo que, embora não soubesse o que era essa dor, eu entendia a ausência. Contei sobre meu pai, que foi embora quando eu era pequena, e como isso deixou um espaço vazio dentro de mim que, até hoje, eu tentava preencher.

Aquela troca foi silenciosa por um tempo. Nenhum dos dois respondeu logo. Parecia que a profundidade das palavras nos atingira como ondas fortes, daquelas que a gente respeita antes de mergulhar.

Quando ele finalmente respondeu, foi com uma delicadeza que me desmontou: “Talvez seja por isso que nossas almas se encontraram. Elas reconhecem o que falta uma na outra.”

Fechei os olhos e deixei as lágrimas caírem, sem vergonha, sem pressa. Era tudo tão estranho, tão novo, tão intenso. Nunca tinha sentido algo assim por alguém que eu sequer toquei. Mas não precisava de toque. As palavras dele me tocavam como ninguém jamais havia feito.

E ali, sozinha no meu quarto, com o som da chuva batendo na janela e o coração exposto nas mãos, eu comecei a aceitar: Linn não era só uma conversa. Ele era o início de algo que eu ainda não sabia nomear, mas já não queria perder.

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