A luz do abajur lançava sombras suaves nas paredes do meu quarto. Eu estava deitada na cama, abraçada ao travesseiro, mas minha mente não conseguia descansar. Era estranho como alguém que eu nunca tinha tocado podia ocupar tanto espaço dentro de mim.
Passei os dedos pela tela do celular, encarando o último vídeo que ele me enviou. Linn estava rindo, de um jeito espontâneo, enquanto mostrava o cachorro do vizinho tentando pegar um pombo. Eu sorri sozinha, mesmo que minha barriga estivesse cheia de perguntas.
Por que ele falava comigo com tanta doçura? Por que parecia... interessado? Eu não era ninguém especial. Uma recepcionista do interior do Sul do Brasil, com uma vida pacata e rotina previsível.
Fechei os olhos por um instante, tentando ignorar a ansiedade. Mas o celular vibrou em minhas mãos.
— Anne, acabei de sair do trabalho. Essa hora da noite, e só consigo pensar em como teria sido legal te ter por perto hoje.
Senti meu coração acelerar. Eu podia ouvir a exaustão na voz dele, mas também havia algo a mais — uma ternura. Uma intenção. Um convite sutil.
Respirei fundo antes de apertar o botão de gravar.
— Eu... também pensei em você. Hoje foi tranquilo aqui. Choveu um pouco. Fiquei imaginando como seria te mostrar minha cidade nesse tempo nublado.
Mandei. E em seguida, me arrependi. Será que parecia boba? Carente?
Mas ele respondeu rápido. Quase como se estivesse esperando.
— Eu adoraria isso. Tomar um café contigo, ver as ruas molhadas, te ouvir falando das coisas que ama.
Meu peito se apertou de um jeito bom. Como se ele estivesse me vendo além da tela. Como se, de algum modo, me entendesse.
— Você fala essas coisas como se me conhecesse.
— Talvez eu esteja tentando. Ou talvez eu só reconheça quando encontro alguém que me acalma.
Sorri. Pequeno. Incrédulo. Como alguém que recebe um presente inesperado e bonito demais.
Levantei e fui até a janela. A chuva fina continuava caindo. Peguei o celular de novo e gravei outro áudio, agora mostrando a vista.
— Olha só... aqui tá assim. Cinza, mas ainda bonito.
Ele mandou um vídeo em resposta, com as luzes da cidade refletidas nas calçadas molhadas de Nova York. Gente apressada, buzinas, tudo tão diferente do meu mundo.
— Totalmente outro universo — murmurei, quase para mim mesma.
— É, mas sabe o que eu percebo? — disse ele no áudio seguinte — Que mesmo com tanta coisa em volta, meu foco tá sempre em você.
Fechei os olhos por um instante. A voz dele preenchia o silêncio do meu quarto. A sensação era quase absurda.
— Linn... por que eu? Quer dizer... você é CEO, mora em Nova York, tem uma vida completamente diferente. Eu sou só...
— Você é real. É gentil. Tem um sorriso que me fez parar no teu perfil e ficar. Você tem noção do quanto é rara?
Meu rosto ficou quente. E não era por causa do cobertor. Era dele. Das palavras. Da forma como ele fazia tudo parecer tão simples.
— Às vezes eu acho que isso tudo é só um sonho — confessei.
— Então vamos continuar sonhando. Até o dia em que eu possa te tocar de verdade.
Aquela frase ficou ressoando em mim. Me tocou mais fundo do que eu esperava.
A conexão era mais que mensagens e vídeos. Era algo que me fazia sentir viva, desejada, como se, mesmo à distância, ele tivesse encontrado partes de mim que nem eu sabia que estavam lá.
Sorri novamente. Dessa vez sem medo. E respondi:
— Tudo bem, Linn. Vamos sonhar juntos. Até o dia certo chegar.
Na manhã seguinte, acordei com o coração leve, mas ainda com aquela pontinha de receio. Peguei o celular, e lá estava outra mensagem dele, enviada de madrugada.
— “Boa noite, pequena estrela do sul. Sonhei contigo.”
Fiquei olhando para aquele texto, os olhos ainda meio turvos de sono, tentando entender como alguém podia ser tão direto e ao mesmo tempo tão poético.
— Que tipo de sonho? — digitei, antes de me levantar.
Poucos minutos depois, a resposta chegou em áudio.
— Estávamos sentados num banco de praça, você com uma xícara de chá, rindo de algo bobo que eu disse. E eu só conseguia pensar em como seria bom te beijar ali mesmo.
Sentei na beira da cama com o coração batendo forte. Esse homem não fazia ideia do que causava em mim. Ou talvez fizesse, e por isso continuava.
Tentei responder com humor, mesmo que por dentro eu estivesse derretendo.
— Não sei se foi sonho ou premonição, mas… gosto da ideia.
A risada dele veio como resposta. Aquela risada baixa e gostosa que ele soltava quando ficava sem graça.
— Pode ser os dois. Mas, se depender de mim, quero transformar esse sonho em plano.
Me levantei com um sorriso idiota no rosto, como se tivesse dezessete anos. Mas havia algo diferente dessa vez. Eu me sentia segura. Não era só desejo, era cuidado. Curiosidade genuína.
Enquanto fazia meu café, continuei ouvindo os áudios dele. Ele contava sobre uma reunião cansativa, sobre como o elevador da empresa travou com ele dentro — “mas pelo menos tinha sinal e eu pensei em você o tempo todo”.
Era nessas pequenas coisas que ele me ganhava. Não eram flores ou promessas exageradas, mas constância. Interesse real.
Na pausa do trabalho, saí para caminhar e gravei um vídeo curto do céu se abrindo depois da chuva.
— Acho que o dia decidiu sorrir um pouco. Igual eu quando vejo tua mensagem.
Dessa vez, ele demorou um pouco para responder. E quando o vídeo chegou, meu peito apertou. Era ele, no carro, com os olhos cansados, mas um sorriso suave nos lábios.
— Você é o melhor momento do meu dia. Só queria que soubesse disso.
Fechei os olhos por alguns segundos, deixando aquele sentimento me atravessar. Eu estava sendo vista. Desejada. E, o mais assustador de tudo: eu estava começando a desejar também.
De volta ao trabalho, tentei me concentrar, mas cada toque do celular me fazia estremecer. Ele não era só bonito. Era diferente. Atencioso. Presente.
E, mesmo com tudo isso crescendo entre a gente, uma pergunta ainda sussurrava dentro de mim: “Por que eu?”
Talvez, algum dia, eu teria coragem de perguntar. Mas por enquanto, eu só queria continuar sentindo.
Sentindo essa conexão inesperada que me fazia, pela primeira vez em muito tempo, acreditar em algo bonito.
Deitada no sofá depois do jantar, voltei a ver os vídeos e mensagens do Linn. O jeito como ele falava, sua voz firme, os detalhes que compartilhava comigo… tudo me fazia querer mais. Mas então veio o baque: eu não entendia tudo o que ele dizia.
Algumas palavras em inglês passavam por mim como vento, e mesmo com as legendas ativadas, eu me sentia perdida. Comecei a perceber que, se quisesse acompanhar de verdade, eu teria que melhorar.
— Ai, meu Deus… — sussurrei para mim mesma, abrindo o Google Tradutor pela décima vez naquele dia. — Eu preciso estudar. Tipo… agora.
Salvei alguns áudios dele para ouvir devagar depois, palavra por palavra. E, mesmo envergonhada, mandei uma mensagem:
— Linn, preciso confessar uma coisa. Às vezes não entendo tudo o que você fala. Meu inglês é… meio fraco.
Ele respondeu quase imediatamente:
— Eu já imaginei isso, Anne. Mas não tem problema nenhum. Gosto da tua voz, mesmo quando você erra palavras. E se você quiser, eu posso te ajudar.
— Você faria isso?
— Claro. A gente aprende juntos. E posso te ensinar algumas palavras por dia, que tal?
Meu coração se aqueceu. Ele não riu, não se afastou. Pelo contrário, se aproximou ainda mais.
Abri o perfil dele outra vez. Uma nova foto tinha sido postada. Linn estava de camisa preta, encostado em uma parede de tijolos rústicos. Os cabelos escuros caiam sobre os ombros, e a barba bem cuidada realçava seu maxilar marcado. Os traços dele eram fortes, quase selvagens, como se pertencesse a um tempo antigo.
Fiquei ali, parada, olhando para a foto. Ele era lindo. Lindo de um jeito que não parecia real. Mas não era só isso. Era a força nos olhos, a conexão com a terra, com algo ancestral.
Não aguentei e mandei no direct, meio tímida:
— Linn... posso te perguntar uma coisa?
— Sempre.
— Qual a tua origem? Digo, tua etnia. Teus traços são tão marcantes... e lindos.
Demorou alguns minutos para ele responder. Eu quase me arrependi de ter perguntado, mas então veio o áudio:
— Eu sou indígena americano. Meu povo é da região dos Apalaches, descendentes diretos dos povos nativos que viviam ali muito antes dos colonizadores chegarem. Minha bisavó me ensinava a língua antiga quando eu era criança.
Fechei os olhos ao ouvir aquilo. Era exatamente o que eu imaginava. Ele tinha algo profundo no olhar, algo que falava de raízes, de histórias contadas ao redor do fogo.
— Isso é incrível, Linn. Você carrega tanta história no rosto… nos olhos.
— Obrigado, Anne. Às vezes sinto que o mundo esquece de onde veio. Mas é bom saber que você vê isso.
— Eu vejo. Eu sinto.
— É por isso que eu me aproximei de você. Porque você olha com o coração.
Naquele instante, não importava mais o inglês falho ou a distância entre nós. Eu sentia que estava conectada a algo maior. A alguém que carregava dentro de si muito mais do que palavras.
E ali, deitada com o celular em mãos, percebi que essa conexão inesperada não era só entre duas pessoas. Era entre dois mundos. E, de algum jeito, eles estavam se encontrando.
Depois de ouvir o áudio do Linn sobre sua origem indígena, fiquei ainda mais encantada. Era como se ele carregasse um pedaço da natureza dentro dele, como se pertencesse à terra, às raízes, ao som do vento.
Estava digitando uma resposta quando outra mensagem dele chegou, me pegando de surpresa.
— Anne… posso te perguntar algo agora?
— Pode, claro.
— Sempre fico observando suas fotos e vídeos… e você tem traços diferentes. Seus olhos, seu tom de pele, o cabelo. Qual sua origem?
Sorri com a pergunta. Ninguém costumava prestar tanta atenção assim em mim. Mas Linn via. Linn percebia.
— Meu pai é descendente de índios aqui do sul do Brasil. Minha mãe era uma mulata linda, veio do norte. Tenho um pouquinho dos dois.
— Agora tudo faz sentido. — ele respondeu, seguido de um emoji de fogo e outro de coração. — Você é linda. Forte, delicada, única.
Meu rosto esquentou. Não sabia lidar muito bem com elogios, mas com ele era diferente. Não soava forçado, nem interesseiro. Ele falava como se estivesse realmente admirando quem eu era.
— Obrigada… — respondi, meio sem jeito. — Mas, pra ser sincera, nunca me achei tudo isso, não.
— Impossível alguém não te notar. — ele respondeu. — Aposto que é super cortejada.
Soltei uma risada.
— Eu? Não mesmo. Eu sou tímida, Linn. Muito tímida. Quase não saio de casa. Meus amigos são mais livros e séries do que pessoas.
O áudio dele chegou logo depois. A voz baixa, arrastada, quase um sussurro:
— Então eu tive sorte. Muita sorte. De você ter aparecido no meu caminho.
Fechei os olhos, tentando conter aquele turbilhão que ele sempre provocava em mim. Eu ainda nem o conhecia pessoalmente, mas sentia como se estivesse me desarmando a cada conversa, a cada palavra.
Respondi com sinceridade:
— E eu também tive sorte, Linn. Porque, mesmo de tão longe, você me faz sentir mais perto de mim mesma.
O silêncio entre uma resposta e outra começou a parecer abraço. Um silêncio confortável, onde a presença dele permanecia, mesmo sem palavras.
E eu ali, com o coração palpitando no peito, entendia que aquela conexão ia além do físico. Era alma reconhecendo alma.
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Atualizado até capítulo 33
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