Fragmentos de Mim
Seis meses. Esse era o tempo exato desde que July Evans perdera seus pais no trágico acidente de helicóptero que chocou os noticiários de Nova York. Em meio à dor, à exposição pública e às infinitas questões legais, ela se viu forçada a ocupar um trono que jamais desejou: o de herdeira única do império EvansTech.
Aos 28 anos, July não era só uma das mulheres mais ricas da América — era também uma das mais solitárias. Desde a perda dos pais, tudo ao seu redor parecia funcionar no automático: reuniões, documentos, cifras, conselhos administrativos. Sorrisos forçados e conversas vazias. A única pessoa que ainda a fazia sentir algo era Brad Brown, seu noivo e parceiro de negócios... ou pelo menos era o que ela pensava.
Naquela manhã cinzenta, o café da cobertura parecia mais amargo que o normal. July encarava a vista do Central Park através da enorme janela da sala de estar, vestida com um suéter creme e os olhos cansados de quem não dormira direito. Brad tinha passado a noite no apartamento dela, mas o clima entre os dois estava tenso desde a última conversa.
— July, você precisa pensar como uma líder — ele dissera, em tom quase impaciente. — Essa fusão com a Hightower Energy pode dobrar o valor da empresa. James já deixou tudo encaminhado, é só você assinar.
— Brad... — ela respondeu, a voz baixa, contida — eu perdi meus pais há apenas seis meses. Mal consigo respirar, e você quer que eu pense em números?
— Isso é o que seus pais fariam — rebateu ele, esfriando ainda mais o ar entre eles. — Você não pode deixar as emoções interferirem no negócio.
Foi como uma facada. Brad sempre usava a memória de seus pais como argumento. E embora ele fosse racional, inteligente e estrategista, havia uma frieza nas palavras que a magoava mais do que ela queria admitir.
Quando ele saiu, deixando apenas um “pense nisso”, July decidiu que não queria pensar em mais nada.
Sem avisar ninguém, nem mesmo seu advogado, ela reservou uma passagem para o Brasil — o país onde sua mãe nascera e onde ela passara poucas férias quando criança. Precisava de distância. Do apartamento. De Brad. Da cidade. Do peso de ser July Evans.
O calor úmido do Rio de Janeiro a envolveu assim que saiu do avião. O aeroporto Santos Dumont estava movimentado, com flashes de português e risadas ecoando pelos corredores. July mantinha os óculos escuros no rosto, mesmo em ambiente fechado. Carregava apenas uma mala de mão e o peso invisível das últimas semanas.
Ela não quis segurança. Não quis motorista particular. Precisava se sentir gente comum, ainda que por um momento. Pegou um táxi comum, deu o endereço do Copacabana Palace e reclinou no banco traseiro. O motorista, um senhor de cabelo grisalho e sorriso simpático, tentou puxar conversa, mas ela apenas sorriu educadamente e virou o rosto para a janela. Queria silêncio.
As ruas passavam diante de seus olhos como um filme lento: crianças jogando bola nas calçadas, vendedores ambulantes, ônibus lotados. Pela primeira vez em meses, ela se sentia longe da pressão. Longe das paredes frias de seu apartamento. Longe da memória dos pais.
Até que tudo aconteceu de forma violenta.
Um carro preto surgiu em alta velocidade na contramão da avenida. Sirenes urravam logo atrás. A perseguição parecia cena de filme, mas era real. O motorista do táxi teve apenas segundos para reagir. Não foi o suficiente.
O impacto foi brutal.
O carro fugitivo acertou o táxi em cheio, lançando-o contra um poste. O vidro estilhaçou, o metal se retorceu.
— Tira ela daqui! Rápido!
As vozes eram abafadas, apressadas, desesperadas. O cheiro de gasolina e fumaça invadia tudo, o calor se espalhava como uma febre. Alguém a puxava pelos braços, braços que ela nem sabia que tinha. O mundo girava, e em algum lugar atrás dela, o táxi pegava fogo.
A explosão veio segundos depois, como o rugido de um monstro. O impacto sacudiu o chão, e as chamas engoliram o carro. Não sobrou nada. Nem o motorista. Nem os documentos. Nem a bagagem. Apenas ela — viva, inconsciente, e anônima.
— Ela tá respirando... Graças a Deus.
A voz era feminina, baixa, cheia de alívio. Sons de passos apressados, um bipe constante. A luz do hospital brilhava sob as pálpebras fechadas dela, mas havia algo mais forte — uma sensação de que algo não estava no lugar.
Ela abriu os olhos devagar.
As luzes do teto eram tão brancas que doíam. Piscou. Tentou se mexer. Dores leves pelo corpo, mas nada insuportável. Respirou fundo. O ar tinha cheiro de desinfetante e plástico.
— Oi... você consegue me ouvir?
A voz vinha da lateral da cama. Uma mulher — enfermeira, talvez — estava ao seu lado. Rosto gentil, cabelo preso em coque, um crachá preso ao jaleco.
Ela piscou mais algumas vezes. Tentou entender. Os sons faziam sentido. As palavras pareciam familiares.
— Consegue falar comigo? — repetiu a enfermeira, mais devagar. — Como você se chama?
Ela abriu a boca, mas nenhuma resposta veio.
Um nome. Qualquer nome.
Silêncio.
A mente dela era uma folha em branco. Nenhuma lembrança. Nenhum rosto. Nenhuma história. Era como se tivesse acabado de nascer.
— Eu... — murmurou, confusa. — Eu não sei...
A enfermeira franziu o cenho, preocupada, mas sua voz manteve a calma.
— Tudo bem. Você sofreu um acidente grave. Foi retirada de um carro momentos antes de ele explodir. Não encontramos documentos, nem celular, nem identificação. Você chegou aqui desacordada... e ninguém ainda veio procurar por você.
Ela sentiu um aperto no peito. A explosão. O carro. O motorista. Um vazio imenso onde sua vida deveria estar.
— Você sabe quem é? De onde veio?
Ela apenas balançou a cabeça em negativa. Os olhos se encheram de lágrimas, mas ela as conteve. Era como estar presa em um corpo desconhecido.
A enfermeira pegou uma prancheta, depois olhou para ela com um sorriso leve.
— Por enquanto, precisamos registrar um nome para você. Não podemos te deixar como “paciente desconhecida” pra sempre, né?
Ela ficou em silêncio. Um nome. Não fazia ideia de qual era o seu.
— Posso te chamar de... Maria Luiza? Só até lembrarmos o verdadeiro?
Ela hesitou, então assentiu. Não parecia certo, mas também não parecia errado. Era um nome bonito. Soava como abrigo.
— Tá bom...
— Então está bem, Maria Luiza — disse a enfermeira com um sorriso gentil. — Você está em boas mãos. Vai ficar tudo bem.Eu me chamou Joyce e estarei ao seu lado partir de hoje.
Mas, mesmo deitada naquele leito limpo, rodeada de máquinas e cuidados, ela sabia que a jornada estava só começando. E que o vazio dentro dela escondia uma história que, mais cedo ou mais tarde, viria à tona.
E quando isso acontecesse… talvez ela não fosse mais só Maria Luiza.
July
Brad
Joyce
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 74
Comments
Fatima Gonçalves
começando 24/04/25
2025-04-25
0
Dulce Gama
começando 08/04/25
2025-04-09
0