Um Lar Temporário

O sol mal entrava pelas janelas do quarto 207, mas Maria Luiza já estava acordada. Os lençóis estavam cuidadosamente dobrados sobre a cama, e seus olhos percorriam cada detalhe do ambiente como se quisesse memorizar o que por três semanas foi seu único refúgio.

Sentia-se um misto de gratidão e incerteza. Ir embora era necessário — ela sabia disso —, mas para onde?

A porta se abriu suavemente, revelando o doutor Roberto Albuquerque, com o jaleco branco impecável e a prancheta em mãos. Seus olhos bondosos buscaram os dela com calma.

— Bom dia, Maria Luiza. Está pronta para receber alta?

Ela respirou fundo antes de responder:

— Estou pronta para sair... só não sei se estou pronta para o que vem depois.

Roberto se aproximou e sentou-se na cadeira ao lado da cama. Com um tom de voz calmo e profissional, explicou:

— Você está estável fisicamente, mas seu tratamento não termina aqui. A amnésia pode ser temporária, parcial ou mesmo permanente — ainda não temos como prever. Precisamos continuar com o acompanhamento clínico e psicológico.

— Eu vou precisar voltar ao hospital?

— Sim — ele assentiu. — Pelo menos uma vez por semana, para sessões de acompanhamento com a equipe multidisciplinar. Vamos monitorar seu progresso, trabalhar com estímulos de memória e ajustar o suporte conforme necessário. Eu mesmo cuidarei de você nesse processo.

Maria Luiza olhou para as próprias mãos. Estavam frias, trêmulas.

— E... se eu não lembrar de nada?

— Você vai reconstruir a própria vida, lembrando ou não. O importante agora é que você não está sozinha.

Naquele momento, Joyce entrou no quarto com uma sacola de roupas. Seu rosto se iluminou ao ver a paciente desperta e conversando com o médico.

— Trouxe uma roupa nova pra você sair daqui digna — brincou. — Escolhi com carinho.

Maria Luiza sorriu.

— Joyce, o doutor estava me explicando que vou precisar voltar aqui toda semana...

— Eu já imaginava — disse a enfermeira, assentindo. — E por isso mesmo... eu queria te fazer uma proposta.

— Proposta?

Joyce se aproximou, colocando a sacola sobre a cama.

— Meu apartamento tem dois quartos. Eu vivo sozinha faz anos. Achei que ia me acostumar, mas a solidão nunca fica confortável de verdade. Pensei... se quiser, você pode ficar comigo. Ter um quarto só seu, com porta, cama de verdade... Nada de sofá-cama. Até conseguir se encontrar, ou até quando quiser.

Maria Luiza arregalou os olhos.

— Você faria isso por mim?

— Já estou fazendo. Você precisa de um lugar, e eu preciso de companhia. Além disso, posso te trazer toda semana para o hospital, sem problema nenhum. Não é só por caridade. É porque eu gosto de você, Maria Luiza. E te acolher, de verdade, vai me fazer bem também.

O doutor Roberto observou a cena com um sorriso discreto e satisfeito.

— Joyce é uma mulher generosa. E eu ficaria tranquilo sabendo que você está sendo cuidada por alguém de confiança.

Maria Luiza sentiu os olhos marejarem.

— Eu não tenho nem palavras...

— Então não diz nada agora. Só pensa com carinho. Mas vou ficar muito feliz se disser sim.

Ela respirou fundo. Pela primeira vez desde que acordou naquele hospital, sentiu o coração aquecer com a ideia de pertencer a algum lugar — mesmo que por enquanto.

— Eu aceito. Obrigada, Joyce. De coração.

Joyce deu um leve tapinha no ombro dela e sorriu.

— Ótimo. Agora veste essa roupa e vamos embora daqui. Já chega de hospital por hoje.

Na saída, o serviço social entregou a Maria Luiza um envelope com documentos provisórios, um RG emergencial emitido com base no nome fictício dado por Joyce e uma carta de acompanhamento assinada pelo doutor Roberto.

No carro que as levava para casa, Maria Luiza olhava pela janela o mundo que agora era seu — o Brasil. As ruas, os vendedores, os prédios baixos, tudo era estranho e acolhedor ao mesmo tempo.

— Seu quarto tem vista pro quintal — comentou Joyce, enquanto dirigia com calma pelas ruas do subúrbio. — E um armário embutido que range um pouco, mas é firme.

— Nunca imaginei que minha nova vida começaria assim.

— Às vezes, o que a gente imagina não é metade do que a vida planeja.

O apartamento de Joyce era modesto, mas limpo e bem cuidado. A sala era arejada, cheia de plantas em pequenos vasos pendurados. O segundo quarto, reservado para Maria Luiza, tinha paredes em tom pastel, uma cama de solteiro bem arrumada, um ventilador de teto antigo e cortinas floridas.

Maria Luiza entrou no cômodo como quem pisa em solo sagrado.

— É pequeno, mas é seu — disse Joyce, encostada na porta. — E a partir de agora, é o seu cantinho no mundo.

Maria Luiza assentiu, emocionada.

— Isso aqui é mais do que eu poderia sonhar. Obrigada, Joyce. Por tudo.

Joyce sorriu, dando um passo atrás.

— Bem-vinda à sua nova vida, Maria Luiza. Vamos cuidar dela juntas.

A primeira semana fora do hospital parecia uma vida inteira para Maria Luiza. Ainda era difícil acordar sem saber quem realmente era, mas o som do despertador antigo de Joyce, o cheiro de café fresco vindo da cozinha e o canto dos passarinhos na janela se tornaram seus primeiros marcos de rotina.

Joyce fazia questão de manter a casa em ordem. Acordava cedo todos os dias, colocava o uniforme e partia para o hospital com um sorriso no rosto e uma palavra de carinho para Maria Luiza antes de sair.

— Não esquece de tomar seu café e de caminhar um pouquinho pelo quintal, hein? — dizia sempre, deixando um pão francês fresquinho sobre a toalha colorida da mesa.

Maria Luiza, embora grata, passava os dias com uma inquietação crescente. Sentia-se como um livro sem título, com as páginas em branco. Evitava sair para além do portão, com medo de se perder pelas ruas ainda desconhecidas do subúrbio.

À tarde, assistia à televisão, lavava a louça e tentava organizar seus pensamentos. Lia os nomes nos produtos da cozinha, observava os objetos da casa tentando reconhecer algum sentimento, uma memória — qualquer coisa que a conectasse ao seu passado.

Mas tudo permanecia em silêncio dentro dela.

Naquela semana, Joyce chegou todos os dias com alguma novidade, tentando animar Maria Luiza. Na quarta-feira, trouxe um vestido floral que havia encontrado em uma loja de bairro.

— Esse aqui combina mais com você. Aquele vestido branco que você ganhou do hospital tá com cara de uniforme de enfermeira — brincou, enquanto Maria Luiza dava uma risada sincera.

— Você está montando meu guarda-roupa do zero...

— E estou fazendo isso com muito gosto. Olha só pra você! Com esse vestido, já parece uma mocinha de novela!

Maria Luiza experimentou a peça e se olhou no espelho. Ainda era difícil se ver e reconhecer a própria imagem, mas sentia uma ponta de vaidade nascer. Talvez aquele reflexo pudesse, enfim, ganhar uma identidade.

Na sexta-feira à noite, Maria Luiza preparou o jantar: Purê de batata e costela suína ao molho barbecue— uma receita que lembrava algo que não sabia de onde vinha. Joyce chegou cansada, mas sorridente, jogando a bolsa no sofá e puxando a cadeira da cozinha com empolgação.

— Menina do céu, hoje foi um dia daqueles... mas trouxe notícia boa!

Maria Luiza se virou curiosa.

— Boa mesmo?

— Daquelas que dá vontade de abrir refrigerante pra comemorar! — brincou, abrindo a geladeira. — Você lembra que eu comentei que o hospital tem umas empresas terceirizadas que cuidam de várias coisas, tipo limpeza, alimentação e tudo mais?

— Sim... lembro que falou algo sobre isso.

— Pois é. Hoje soube que abriu uma vaga para entrega de refeições nos setores de internação. É terceirizado, não precisa ter experiência, só disposição e comprometimento. Eu conversei com a supervisora da empresa e falei de você. Ela ficou interessada!

Maria Luiza arregalou os olhos.

— Joyce... você tá falando sério?

— Completamente! A vaga é pra começar em breve, e como amanhã você tem consulta com o doutor Roberto, pensei que depois da consulta eu te levo direto lá pra conversar com ela. Só precisa de um documento — e aquele RG provisório que o hospital te deu serve.

Maria Luiza sentou-se, sem conseguir conter o sorriso.

— Eu nem sei o que dizer... Estava me sentindo tão inútil aqui, só te dando trabalho...

— Ei! Nunca diga isso! Você estar aqui me faz bem. Mas também sei que ficar parada, sem rumo, não é bom pra ninguém. Ter um trabalho pode te ajudar a se sentir viva de novo. E, quem sabe, dar o primeiro passo pra tua independência.

— Eu estava me sentindo presa... com medo de sair, de me perder, de te dar mais dor de cabeça do que já dou...

— Não dá dor de cabeça nenhuma! — interrompeu Joyce, pegando sua mão. — Mas eu entendo. E olha só: esse trabalho é dentro do hospital, ambiente seguro, com gente legal, e eu estarei por lá todo dia. Vai ser ótimo pra você!

Maria Luiza assentiu, emocionada.

— Eu posso mesmo tentar?

— Claro que pode. E se quiser, amanhã cedo eu te ajudo a escolher a roupa mais apresentável que temos no armário novo da senhorita — brincou, piscando um olho.

Elas riram juntas. Era um som leve, quase infantil, vindo de um lugar que Maria Luiza achava que não existia mais dentro dela. Pela primeira vez em semanas, ela sentiu algo diferente: esperança.

A noite avançou com planos e devaneios. Joyce falou sobre como era a rotina de entregas, as pessoas gentis do hospital, os corredores tranquilos e as histórias engraçadas dos pacientes. Maria Luiza ouvia tudo com atenção, absorvendo cada detalhe como quem constrói um novo mundo a partir do zero.

Antes de dormir, ela se deitou em sua cama, olhou para o teto do quarto que agora chamava de seu, e pensou: talvez ela não precisasse lembrar quem foi para descobrir quem poderia ser.

Amanhã seria um novo dia. O dia em que ela, Maria Luiza — nome que nasceu no meio do caos, mas floresceu no afeto —, começaria a trilhar o próprio caminho. Mesmo sem o passado, ela finalmente vislumbrava um futuro.

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Comments

Dulce Gama

Dulce Gama

tadinha será que as pessoas que estão lidando com afortuna não sabem dela 🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍

2025-04-09

1

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Capítulos
1 A decisão de July
2 Laços Inesperados
3 Um Lar Temporário
4 Primeiros Passos...
5 Cicatrizes Invisíveis
6 Descobrindo que não é a única ...
7 Laços que se Fortalecem
8 O Retorno de Rafael e o Encontro Inesperado
9 Vozes do Corredor
10 Um novo começo para Ana
11 Entre Olhares e Esperança
12 Corações em Silêncio...
13 A Primeira Xícara
14 Um Doce Balanço a Caminho do Mar
15 Um passo de cada vez
16 Entre flores e promessas
17 Um Mês de Amor
18 Uma Noite a Quatro Corações
19 o início de um sentimento
20 uma esperança de retorno
21 promessas de um futuro...
22 a busca pelo passado...
23 A Imagem da Esperança
24 Um Novo Começo
25 Quando o Amor Acontece Devagar
26 Um Jogo de Interesses
27 Flores da Memória
28 Uma mulher em reconstrução...
29 Laços de amor e amizade...
30 a decisão de Brad
31 A preocupação de James
32 As primeiras pistas de July
33 James chega ao Rio de janeiro
34 Confronto entre James e Brad
35 Ataque de fúria
36 – O Pressentimento Silencioso
37 Encontros ao Acaso
38 Flashes de memória...
39 A Descoberta...
40 Esperança Silenciosa...
41 A verdadeira personalidade de July
42 Promessa de Luta
43 Ecos de Quem Ela Foi
44 Brad descobre a verdade.
45 sementes da dúvida...
46 Maria Luiza acredita em Brad....
47 A difícil decisão...
48 A dor da separação de separação...
49 A dor de Rafael...
50 Amizade Verdadeira...
51 o confronto entre Maria Luiza e James...
52 Tentando distrair Maria Luiza..
53 Um Novo Começo..
54 Grito da Verdade
55 Maria Luiza recupera a memória.
56 boas notícias. .
57 Rumo a Liberdade
58 Os planos maldosos de Brad.
59 noivado
60 surpresa para Joyce
61 a festa de Debutante...
62 o sequestro de Aninha...
63 a descoberta do criminoso
64 O preço do Resgate
65 Preço da Liberdade
66 A Queda de Brad
67 A recuperação de Aninha..
68 início do julgamento de Brad...
69 O castigo de Brad...
70 casamento...
71 o destino da herança de July.
72 – O Começo de Um Novo Lar
73 Fim..
74 Capítulo Bônus — seis Anos Depois
Capítulos

Atualizado até capítulo 74

1
A decisão de July
2
Laços Inesperados
3
Um Lar Temporário
4
Primeiros Passos...
5
Cicatrizes Invisíveis
6
Descobrindo que não é a única ...
7
Laços que se Fortalecem
8
O Retorno de Rafael e o Encontro Inesperado
9
Vozes do Corredor
10
Um novo começo para Ana
11
Entre Olhares e Esperança
12
Corações em Silêncio...
13
A Primeira Xícara
14
Um Doce Balanço a Caminho do Mar
15
Um passo de cada vez
16
Entre flores e promessas
17
Um Mês de Amor
18
Uma Noite a Quatro Corações
19
o início de um sentimento
20
uma esperança de retorno
21
promessas de um futuro...
22
a busca pelo passado...
23
A Imagem da Esperança
24
Um Novo Começo
25
Quando o Amor Acontece Devagar
26
Um Jogo de Interesses
27
Flores da Memória
28
Uma mulher em reconstrução...
29
Laços de amor e amizade...
30
a decisão de Brad
31
A preocupação de James
32
As primeiras pistas de July
33
James chega ao Rio de janeiro
34
Confronto entre James e Brad
35
Ataque de fúria
36
– O Pressentimento Silencioso
37
Encontros ao Acaso
38
Flashes de memória...
39
A Descoberta...
40
Esperança Silenciosa...
41
A verdadeira personalidade de July
42
Promessa de Luta
43
Ecos de Quem Ela Foi
44
Brad descobre a verdade.
45
sementes da dúvida...
46
Maria Luiza acredita em Brad....
47
A difícil decisão...
48
A dor da separação de separação...
49
A dor de Rafael...
50
Amizade Verdadeira...
51
o confronto entre Maria Luiza e James...
52
Tentando distrair Maria Luiza..
53
Um Novo Começo..
54
Grito da Verdade
55
Maria Luiza recupera a memória.
56
boas notícias. .
57
Rumo a Liberdade
58
Os planos maldosos de Brad.
59
noivado
60
surpresa para Joyce
61
a festa de Debutante...
62
o sequestro de Aninha...
63
a descoberta do criminoso
64
O preço do Resgate
65
Preço da Liberdade
66
A Queda de Brad
67
A recuperação de Aninha..
68
início do julgamento de Brad...
69
O castigo de Brad...
70
casamento...
71
o destino da herança de July.
72
– O Começo de Um Novo Lar
73
Fim..
74
Capítulo Bônus — seis Anos Depois

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