A manhã começou tímida, com o céu do Rio de Janeiro coberto por nuvens cinzentas. Ainda assim, havia uma luz diferente no quarto de Maria Luiza. Uma luz de esperança. Era o dia da consulta com o Dr. Roberto, mas mais do que isso: era o dia da sua entrevista para o possível primeiro emprego desde o acidente.
Joyce preparou o café com cuidado e deixou o pão na mesa enquanto Maria Luiza se arrumava. Optou por uma blusa de tecido leve e uma calça preta que Joyce comprara em uma lojinha da vizinhança. O cabelo, agora com os fios mais saudáveis graças aos cuidados da amiga, foi preso em um coque simples. No espelho, ela se encarou por alguns segundos. Ainda não reconhecia o rosto que via, mas não sentia mais estranhamento. Aos poucos, aceitava quem estava se tornando.
— Pronta? — perguntou Joyce, entrando no quarto com um sorriso.
— Pronta, sim — respondeu Maria Luiza, respirando fundo.
— Você vai arrasar! — disse a enfermeira, apertando-lhe a mão com carinho.
O trajeto até o hospital foi silencioso. No banco do ônibus, Maria Luiza observava a cidade passando pela janela. Cada esquina era desconhecida, cada rosto um mistério. Mas, pela primeira vez, aquilo não a assustava. Havia uma leve excitação no ar, como se algo novo e bom estivesse prestes a começar.
Chegaram ao hospital minutos antes do horário marcado. O movimento típico da manhã deixava o ambiente agitado, mas Joyce parecia em casa naquele caos. Levou Maria Luiza até a recepção do ambulatório e, depois de confirmar a consulta, disse:
— Eu vou resolver umas pendências no setor. Quando terminar, me encontra na lanchonete do hospital. De lá a gente vai direto pra entrevista, tá bom?
— Tá certo. Obrigada por tudo, Joyce.
— Sempre, Mari.
Maria Luiza sentou-se e esperou ser chamada. Logo, o nome "Maria Luiza" ecoou pelo corredor. Ela se levantou e foi conduzida até a sala do neurologista.
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O consultório do Dr. Roberto Albuquerque era simples, com paredes brancas e uma estante cheia de livros médicos. Ele era um homem de aparência tranquila, cabelos grisalhos bem cuidados e olhar atento. Já a aguardava com um leve sorriso nos lábios.
— Bom dia, Maria Luiza. Como está se sentindo?
— Melhor... mais firme, talvez.
— Isso é ótimo. Fico feliz. Sente-se — disse ele, indicando a cadeira à sua frente.
Maria Luiza explicou como tinham sido os últimos dias. Contou sobre a rotina com Joyce, o medo de sair sozinha, mas também a sensação de segurança no novo lar. O médico ouvia com atenção, fazendo pequenas anotações no prontuário.
— A amnésia ainda está completa? — ele perguntou.
— Sim. Nenhuma lembrança. Nem sonhos... É como se minha cabeça fosse uma casa vazia.
— Isso é comum, infelizmente. O tipo de amnésia que você sofreu, principalmente sem indícios de lesões cerebrais graves, pode estar relacionada ao trauma emocional mais do que ao físico. O corpo tem maneiras de proteger a mente quando ela é forçada a enfrentar algo muito doloroso.
— E isso... volta? A memória?
— Pode voltar aos poucos. Ou de repente. Mas o mais importante agora é você viver. Construir uma nova vida. Estar em movimento ajuda mais do que ficar parada esperando o passado bater na porta.
Maria Luiza assentiu. As palavras do médico faziam sentido. Viver. Simples assim.
— Tem algo que você gostaria de fazer, algum plano?
— Na verdade, sim. Joyce disse que talvez eu consiga um trabalho aqui mesmo, na entrega de refeições.
— Ótimo. Manter a mente ocupada é essencial. E estar aqui no hospital, com gente que você conhece, é um bom começo.
— Eu posso mesmo trabalhar?
— Claro. Sua saúde está estável. Só precisa continuar o acompanhamento. Vamos manter nossas consultas semanais, combinado?
— Combinado.
O Dr. Roberto sorriu.
— Você está indo muito bem, Maria Luiza. Continue assim. E parabéns pela coragem.
Ela saiu do consultório com um peso a menos nos ombros. A fala do médico não tinha promessas fáceis, mas passava confiança. Talvez ela não lembrasse de quem foi, mas estava começando a gostar de quem estava se tornando.
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Joyce já a esperava na lanchonete, tomando um café.
— E aí? Como foi?
— Muito bom. O doutor é muito gentil. Disse que posso trabalhar, sim. Que vai me ajudar a me recuperar.
— Eu disse! Agora vamos lá, a entrevista é com a Vanessa. Ela é supervisora da empresa que cuida da cozinha.
Seguiram até o prédio administrativo do hospital. O setor de recursos humanos da empresa terceirizada ficava numa sala pequena no térreo, ao lado da cozinha industrial. O cheiro de comida no ar já denunciava o corre-corre dos bastidores da alimentação hospitalar.
Joyce bateu na porta e foi recebida por uma mulher de meia-idade, de óculos e cabelo preso num coque apertado.
— Vanessa, essa é a Maria Luiza, lembra que falei dela?
— Ah, sim! — disse Vanessa, olhando para Maria Luiza com um sorriso educado. — Pode entrar, querida.
Ela indicou uma cadeira e pegou uma ficha sobre a mesa.
— Joyce falou muito bem de você. Que é responsável, organizada e está precisando de uma oportunidade. Só me diz uma coisa... já trabalhou com atendimento ao público?
Maria Luiza hesitou.
— Eu... não sei. Não lembro do meu passado.
Vanessa ergueu uma sobrancelha, surpresa.
— Joyce, você não me contou isso...
— Ela sofreu um acidente. Perdeu a memória. Mas é uma pessoa muito esforçada, e está em processo de recuperação. Ela precisa de uma chance.
Vanessa analisou a ficha por alguns segundos. Depois olhou de novo para Maria Luiza.
— Olha, é um serviço simples. Entrega das refeições nos leitos, coleta das bandejas depois. A gente dá o uniforme, o crachá e explica tudo. É meio período, com direito a vale-transporte e alimentação. Pode ser um bom começo.
— Eu gostaria muito dessa chance — respondeu Maria Luiza, tentando conter a emoção.
— Está certo. Vou te colocar no período da manhã. Começa segunda-feira. Pode?
— Pode, sim!
— Então pronto. Joyce, passa com ela no setor de uniforme depois pra ver o tamanho.
As duas saíram da sala sorrindo. Joyce apertou a mão de Maria Luiza.
— Conseguiu, garota!
— Eu nem sei como te agradecer...
— Me agradece com seu primeiro salário, me levando pra comer um hambúrguer! — brincou Joyce, fazendo as duas caírem na risada.
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Na volta pra casa, o céu já estava limpo, e os raios dourados do fim de tarde iluminavam o subúrbio. No ônibus, Maria Luiza segurava firme o envelope com a ficha de admissão. Era só papel, mas simbolizava tanto.
O nome no papel era provisório. Sua identidade ainda era um mistério. Mas a força para recomeçar era real. E, naquele momento, era tudo o que ela precisava.
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Atualizado até capítulo 74
Comments
Dulce Gama
tadinha tomara que ela não demore muito pra voltar a memória 👍👍👍👍👍❤️❤️❤️❤️❤️🎁🎁🎁🎁🎁🌹🌹🌹🌹🌹
2025-04-09
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