Cicatrizes Invisíveis

O saguão do Centro de Convenções em São Paulo fervilhava de vida. Cores sóbrias dos jalecos se misturavam às conversas animadas dos corredores. Era o segundo dia do Congresso Nacional de Pediatria e Rafael Monteiro caminhava sozinho entre os estandes de editoras médicas e laboratórios. O crachá pendurado em seu pescoço exibia seu nome completo, especialidade e o hospital onde trabalhava: Hospital Geral do Rio de Janeiro. Mas ninguém ali sabia o que o nome escondia.

Aos 32 anos, Rafael já havia vivido mais do que muitos em uma vida inteira. Moreno claro, feições suaves e olhos castanho-escuros que revelavam um cansaço antigo. Ele era respeitado por seus colegas, amado pelos pequenos pacientes e reconhecido por sua dedicação inabalável. Mas ninguém realmente sabia o que se passava atrás daquele olhar sereno.

Naquela manhã, sentou-se nas primeiras fileiras do auditório principal para assistir à palestra de um especialista alemão em imunodeficiências congênitas. Pegou o bloco de anotações, mas à medida que o médico falava, a mente de Rafael começou a se afastar do conteúdo técnico e a mergulhar no passado — um passado que, embora ele nunca falasse sobre, ainda doía.

Tinha apenas 14 anos quando perdeu a mãe, vítima de um assalto à mão armada enquanto voltava do trabalho. O pai, destruído pela dor, tornou-se um fantasma dentro de casa. Rafael cresceu rápido, com responsabilidades que não cabiam a um adolescente. E foi em meio à ausência do amor materno e à frieza do luto paterno que ele decidiu que queria cuidar de crianças. Queria garantir que nenhuma delas sentisse o abandono, a solidão, o medo. Queria ser abrigo para os pequenos, como ninguém havia sido para ele.

Fechou os olhos por um instante, o som abafado das palavras do palestrante se misturando com a memória de sua infância na Zona Norte do Rio. A casa pequena, o cheiro de café coado pela mãe nas manhãs de domingo, o som do rádio tocando Roberto Carlos. Tudo isso se desfez como fumaça no ar depois da tragédia. E mesmo assim, ele seguiu — focou nos estudos, conseguiu bolsa em uma escola particular, entrou na universidade pública, formou-se entre os primeiros da turma.

Rafael suspirou, forçando-se a voltar ao presente. Pegou a caneta e rabiscou algumas palavras, mais por hábito do que por atenção ao conteúdo. Quando o painel terminou, ele saiu do auditório e foi direto para a área externa do centro de convenções. O sol da tarde batia forte, mas ele não se importava. Pegou seu celular, olhou algumas mensagens de colegas do hospital, mas nenhuma novidade urgente.

Atravessou a rua e sentou-se em um café. Pediu um espresso duplo e ficou observando o movimento. Pessoas passavam apressadas, algumas rindo, outras atentas às telas dos celulares. Era estranho estar longe da rotina do hospital — dos choros, das risadas, dos casos complicados, dos diagnósticos difíceis. E ao mesmo tempo, era necessário.

Era nesses momentos de pausa que ele se confrontava com as perguntas que evitava. Por que ainda estava sozinho? Por que nunca se permitiu amar de novo, após o fim do único relacionamento sério que tivera anos atrás? A resposta era simples e dolorosa: medo. Medo de perder de novo. Medo de ser deixado. Medo de repetir o ciclo de abandono que o moldou.

Naquela relação, Rafael havia se entregado de corpo e alma. Mas a médica com quem ele namorava havia recebido uma proposta para fazer residência fora do país e não pensou duas vezes antes de aceitar. Ele não a culpava, mas a partida dela o deixou ainda mais convencido de que não podia depender de ninguém emocionalmente. Desde então, mergulhou de vez na profissão, tornando-se referência, mas mantendo sua vida pessoal como uma ilha deserta.

Terminou o café, olhou para o relógio e decidiu voltar para a próxima palestra. No trajeto de volta, cruzou com um grupo de jovens médicos tirando fotos em frente ao banner do evento. Sorriu de leve. Lembrou-se de como era estar no início da carreira, cheio de sonhos e energia, acreditando que poderia mudar o mundo com uma receita e um estetoscópio. Em parte, ele ainda acreditava. Mas agora sabia que havia limites — e feridas que nem a medicina podia curar.

Ao entrar no salão novamente, sentou-se mais ao fundo dessa vez. Um especialista brasileiro falava sobre saúde mental infantil, e isso prendeu sua atenção. A palestra era boa, e o médico citava dados preocupantes sobre o aumento de transtornos emocionais em crianças e adolescentes. Rafael pensou nos pequenos que atendia no hospital: filhos de mães em situação de rua, crianças vítimas de violência doméstica, bebês abandonados na maternidade. A dor começava cedo. Muito cedo.

Fez anotações mais concentrado agora. Sabia que precisava trazer esse assunto para as reuniões do hospital. Talvez criar um programa de apoio psicológico com a ajuda de ONGs. Ele já tinha contatos, sabia como buscar parcerias. Aquilo reacendeu uma chama em seu peito — o desejo de ir além da consulta, de transformar verdadeiramente o ambiente em que trabalhava.

No fim da tarde, deixou o congresso com a mente dividida entre ideias e lembranças. Caminhou lentamente pelas ruas próximas ao centro, até chegar ao hotel. Tomou um banho demorado e desceu para jantar no restaurante. Comeu em silêncio, olhando as luzes da cidade refletidas nas janelas. Não sabia o porquê, mas aquela noite carregava uma sensação estranha — como se algo estivesse prestes a mudar. Ele era um homem de ciência, não acreditava em premonições, mas havia algo diferente no ar.

E mal sabia Rafael Monteiro que, em poucos dias, uma mulher chamada Maria Luiza, sem memória, sem passado e sem rumo, surgiria como uma tempestade silenciosa em sua vida. Alguém que traria à tona todas as perguntas que ele tanto evitava. Alguém que talvez o fizesse enxergar que as cicatrizes do passado não eram barreiras, mas pontes para recomeços.

Rafael Monteiro

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Comments

Elenice Martins

Elenice Martins

desculpe autora, não gostei do Rafael não, poderia ser um mais bonito, ela é bonita, poderia ser um William Levi, Henry cavil que é o homem mais lindo do mundo, ou entre tantos lindos por aí kkk

2025-04-16

0

Dulce Gama

Dulce Gama

Oque quê esses dois vão aprontar estou adorando parabéns AUTORA 🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍

2025-04-09

1

Ver todos
Capítulos
1 A decisão de July
2 Laços Inesperados
3 Um Lar Temporário
4 Primeiros Passos...
5 Cicatrizes Invisíveis
6 Descobrindo que não é a única ...
7 Laços que se Fortalecem
8 O Retorno de Rafael e o Encontro Inesperado
9 Vozes do Corredor
10 Um novo começo para Ana
11 Entre Olhares e Esperança
12 Corações em Silêncio...
13 A Primeira Xícara
14 Um Doce Balanço a Caminho do Mar
15 Um passo de cada vez
16 Entre flores e promessas
17 Um Mês de Amor
18 Uma Noite a Quatro Corações
19 o início de um sentimento
20 uma esperança de retorno
21 promessas de um futuro...
22 a busca pelo passado...
23 A Imagem da Esperança
24 Um Novo Começo
25 Quando o Amor Acontece Devagar
26 Um Jogo de Interesses
27 Flores da Memória
28 Uma mulher em reconstrução...
29 Laços de amor e amizade...
30 a decisão de Brad
31 A preocupação de James
32 As primeiras pistas de July
33 James chega ao Rio de janeiro
34 Confronto entre James e Brad
35 Ataque de fúria
36 – O Pressentimento Silencioso
37 Encontros ao Acaso
38 Flashes de memória...
39 A Descoberta...
40 Esperança Silenciosa...
41 A verdadeira personalidade de July
42 Promessa de Luta
43 Ecos de Quem Ela Foi
44 Brad descobre a verdade.
45 sementes da dúvida...
46 Maria Luiza acredita em Brad....
47 A difícil decisão...
48 A dor da separação de separação...
49 A dor de Rafael...
50 Amizade Verdadeira...
51 o confronto entre Maria Luiza e James...
52 Tentando distrair Maria Luiza..
53 Um Novo Começo..
54 Grito da Verdade
55 Maria Luiza recupera a memória.
56 boas notícias. .
57 Rumo a Liberdade
58 Os planos maldosos de Brad.
59 noivado
60 surpresa para Joyce
61 a festa de Debutante...
62 o sequestro de Aninha...
63 a descoberta do criminoso
64 O preço do Resgate
65 Preço da Liberdade
66 A Queda de Brad
67 A recuperação de Aninha..
68 início do julgamento de Brad...
69 O castigo de Brad...
70 casamento...
71 o destino da herança de July.
72 – O Começo de Um Novo Lar
73 Fim..
74 Capítulo Bônus — seis Anos Depois
Capítulos

Atualizado até capítulo 74

1
A decisão de July
2
Laços Inesperados
3
Um Lar Temporário
4
Primeiros Passos...
5
Cicatrizes Invisíveis
6
Descobrindo que não é a única ...
7
Laços que se Fortalecem
8
O Retorno de Rafael e o Encontro Inesperado
9
Vozes do Corredor
10
Um novo começo para Ana
11
Entre Olhares e Esperança
12
Corações em Silêncio...
13
A Primeira Xícara
14
Um Doce Balanço a Caminho do Mar
15
Um passo de cada vez
16
Entre flores e promessas
17
Um Mês de Amor
18
Uma Noite a Quatro Corações
19
o início de um sentimento
20
uma esperança de retorno
21
promessas de um futuro...
22
a busca pelo passado...
23
A Imagem da Esperança
24
Um Novo Começo
25
Quando o Amor Acontece Devagar
26
Um Jogo de Interesses
27
Flores da Memória
28
Uma mulher em reconstrução...
29
Laços de amor e amizade...
30
a decisão de Brad
31
A preocupação de James
32
As primeiras pistas de July
33
James chega ao Rio de janeiro
34
Confronto entre James e Brad
35
Ataque de fúria
36
– O Pressentimento Silencioso
37
Encontros ao Acaso
38
Flashes de memória...
39
A Descoberta...
40
Esperança Silenciosa...
41
A verdadeira personalidade de July
42
Promessa de Luta
43
Ecos de Quem Ela Foi
44
Brad descobre a verdade.
45
sementes da dúvida...
46
Maria Luiza acredita em Brad....
47
A difícil decisão...
48
A dor da separação de separação...
49
A dor de Rafael...
50
Amizade Verdadeira...
51
o confronto entre Maria Luiza e James...
52
Tentando distrair Maria Luiza..
53
Um Novo Começo..
54
Grito da Verdade
55
Maria Luiza recupera a memória.
56
boas notícias. .
57
Rumo a Liberdade
58
Os planos maldosos de Brad.
59
noivado
60
surpresa para Joyce
61
a festa de Debutante...
62
o sequestro de Aninha...
63
a descoberta do criminoso
64
O preço do Resgate
65
Preço da Liberdade
66
A Queda de Brad
67
A recuperação de Aninha..
68
início do julgamento de Brad...
69
O castigo de Brad...
70
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o destino da herança de July.
72
– O Começo de Um Novo Lar
73
Fim..
74
Capítulo Bônus — seis Anos Depois

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