Shifting: O Mundo de Evangeline
Aos 20 anos, eu sentia que o mundo ao meu redor era uma prisão invisível. O meu passado, com traumas e fantasmas que nunca consegui esquecer, consumia-me. Eu passava o dia tentando ser forte, mas, quando a noite chegava, a solidão e a depressão invadiam-me.
imagem gerada pela ia
Não sabia o que eu estava fazendo da minha vida, mas sabia que eu precisava de algo mais. Algo que me desse sentido. Algo que me fizesse sentir que havia um propósito para eu continuar.
A minha infância não foi fácil. Perdi o meu pai cedo, e minha mãe, que foi sempre ausente emocionalmente, nunca soube lidar com as minhas angústias. Desde muito jovem, aprendi a esconder as lágrimas atrás de um sorriso. Eu era aquela garota que fazia sempre os outros rirem, mas, por dentro, eu estava em pedaços. O vazio nunca me deixou, e a sensação de que algo faltava na minha vida se intensificava a cada dia.
Eu já não sabia mais o que fazer para me sentir melhor. Tentei de tudo: terapia, meditação, ioga..., mas nada parecia preencher o buraco. Até que, numa noite sem sono, ao perder-me nas profundezas da ‘internet’, encontrei algo que mudaria a minha vida para sempre: shifting.
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Era uma técnica que prometia algo impossível, mas sedutor: escapar para outra realidade, criar uma versão ideal de sua vida e vivê-la. No começo, eu ri da ideia. Como alguém poderia simplesmente "mudar de realidade"? Mas, ao ler mais e mais sobre isso, eu comecei a sentir algo que há muito tempo não sentia: esperança. A esperança de que poderia, ao menos por um momento, escapar da dor que me consumia.
Antes de tentar, decidi pesquisar sobre as regras do shifting. Eu queria saber como essa técnica funcionava e, mais importante, como sair desse mundo sempre que fosse necessário. Descobri que a chave para o processo era uma profunda concentração, um foco total nos detalhes do novo mundo que você queria criar. Além disso, a técnica exigia uma palavra-chave, uma frase única que ajudaria a pessoa a voltar para a sua realidade sempre que desejasse. Essa palavra tinha que ser algo pessoal, algo que tivesse significado profundo, como um ancla para a mente. Para mim, escolhi a palavra "renascimento". Sempre que eu dissesse essa palavra, sabia que poderia retornar à minha vida real, com tudo o que eu deixaria para trás no outro mundo.
Mas havia mais. As regras do shifting não eram apenas sobre criar um novo ambiente. Era também sobre criar uma nova versão de mim mesma. Eu queria me ver diferente. Eu queria sentir que, naquele mundo alternativo, eu seria alguém que não carregava as cicatrizes da minha infância. Eu poderia ser quem eu quisesse. Então, escrevi as regras para o novo mundo: eu imaginava como seria a minha aparência, quem seriam meus pais e minha família, e até mesmo o tipo de vida que eu queria viver.
Minha aparência:
Cabelos: Longos e ondulados, de um tom castanho claro, quase dourado, que brilhavam à luz do sol.
Olhos: De um verde intenso, como esmeraldas, com um brilho que transmitia confiança e serenidade.
Rosto: Levemente arredondado, mas com uma expressão de paz e força. Eu queria ter uma aparência que refletisse a confiança que eu não tinha na vida real.
Corpo: Magra, com a postura ereta e confiante. Eu queria me sentir bem na minha própria pele, sem as inseguranças que me assombravam.
Minha família:
Pais: No novo mundo, eu queria uma família amorosa e presente. Eu imaginei que meus pais seriam pessoas gentis e atenciosas, que me amavam incondicionalmente. Meu pai seria alto, com cabelos grisalhos e uma voz suave, sempre atenta às minhas necessidades. Minha mãe teria cabelos castanhos escuros e um sorriso acolhedor, sempre me incentivando a ser quem eu fosse, sem reservas.
Irmãos: Eu teria uma irmã mais velha, madura e empática, com quem eu teria uma amizade próxima e sincera. Seríamos muito unidas, como uma verdadeira rede de apoio.
Ambiente: Queria viver em uma cidade vibrante, com ruas de pedras antigas e jardins exuberantes, onde as cores eram mais intensas e tudo parecia cheio de vida. O céu, sempre azul, com algumas nuvens que se desfaziam ao toque da brisa.
Cultura: As pessoas naquele mundo seriam gentis e acolhedoras, onde o amor e o respeito eram valores fundamentais. Eu queria um lugar onde todos se ajudassem, onde houvesse paz e harmonia.
Com essas regras definidas, fechei os olhos, me concentrei e comecei a visualizar. Eu imaginei um lugar cheio de cores vibrantes, onde tudo era mágico, e eu me sentia forte e feliz. Mas, por mais que me concentrasse, por mais que eu tentasse trazer à tona cada pedacinho do mundo que eu queria criar, não acontecia nada.
Minha frustração aumentava a cada tentativa. "Talvez eu esteja fazendo algo errado", pensei. Eu comecei a buscar mais informações, tentar outras técnicas. Lembrei-me de métodos que envolviam ouvir músicas específicas para facilitar a entrada em estado de transe ou usar afirmações durante o processo. Tentava de tudo, mas, por semanas, nada acontecia. Eu não conseguia sequer sentir qualquer mudança.
Eu quase desisti. Eu me perguntava se eu realmente era capaz de criar uma realidade, de fugir do meu mundo, ou se isso tudo era uma ilusão. Mas havia algo dentro de mim que me dizia para continuar tentando. Eu precisava de algo mais, algo que me tirasse da dor constante que eu sentia. E, com essa motivação, continuei.
Eu me apegava ao pensamento de que cada tentativa me aproximava do meu objetivo. Mesmo quando parecia que eu estava estagnada, sentia que algo dentro de mim estava mudando, como se meu corpo e minha mente estivessem se ajustando aos novos padrões. Eu fiz de tudo: visualizações mais detalhadas, meditações profundas, escrevi as regras do meu novo mundo em um caderno, tentei até técnicas de respiração para acalmar a ansiedade e ajudar a focar. Mas, na maioria das vezes, a sensação de fracasso me dominava.
Então, um dia, cansada, quase sem esperanças, decidi tentar mais uma vez. Dessa vez, eu não forcei a visão do meu novo mundo, nem tentei controlar o processo. Ao invés disso, me entreguei completamente. Me deitei, fechei os olhos e respirei profundamente, ouvindo apenas o som da minha respiração e a batida do meu coração. Eu imaginei o lugar mais tranquilo e sereno que eu pudesse. Uma praia onde as águas eram claras, e o céu parecia uma tela pintada de azul intenso. Eu vi minha versão mais feliz, mais forte, sorrindo para mim.
Sem perceber, as palavras começaram a sair de meus lábios, baixinho, como um sussurro: "Renascimento". A palavra-chave. Não havia pressão, não havia esforço. Foi apenas uma entrega total.
Foi então que algo mudou...
A sensação de gravidade se foi, como se o chão sob mim tivesse desaparecido. Fui invadida por uma sensação de leveza, como se estivesse flutuando. O ar ao meu redor ficou mais fresco, e eu senti o cheiro salgado da maresia. Quando abri os olhos, não estava mais no meu quarto. Eu estava em uma praia. O som das ondas quebrando nas pedras me envolvia, e a brisa suave acariciava minha pele. Eu estava lá, no mundo que havia criado. Eu havia shifteado.
Eu fiquei paralisada por um momento, não acreditando no que estava acontecendo. Olhei ao redor, e tudo estava exatamente como eu havia imaginado. A areia dourada brilhava sob a luz do sol e o mar parecia ter um tom de azul quase mágico. A sensação de liberdade era avassaladora. Eu havia conseguido.
Minhas mãos tremiam enquanto tocava o chão, tocava a areia fria e macia. Respirei profundamente, absorvendo a paisagem. Tudo era perfeito. A dor da minha vida real parecia tão distante, como se eu tivesse deixado para trás, junto com o resto de mim mesma, naquela outra realidade. Eu estava em um lugar onde eu me sentia completa.
Com o tempo, fui descobrindo mais sobre aquele mundo. Eu criava as regras, as pessoas ao meu redor, até as paisagens que surgiam à medida que eu caminhava. Eu vivia aventuras que só existiam na minha mente: explorava florestas encantadas, desafiava criaturas fantásticas e enfrentava desafios que me faziam sentir viva de uma forma que eu nunca experimentei antes.
Mas, enquanto eu vivia essas experiências, havia sempre algo em minha mente, um eco que me dizia: "Você pode voltar quando quiser. É só dizer a palavra."
Eu sabia que, se quisesse, poderia retornar à minha realidade, à minha vida real, e deixar essa maravilha para trás. Mas naquele momento, a vontade de fugir era tão forte, tão tentadora. Eu queria viver aqui, com tudo o que esse mundo me oferecia. Porém, também sabia que essa fuga não seria a solução para o que eu estava buscando.
Eu estava diante de uma escolha: continuar explorando esse novo mundo, onde eu era uma uma versão de mim mesma sem as cicatrizes do passado, ou enfrentar minha vida real e começar a buscar meu próprio "renascimento" dentro dela, sem precisar fugir para encontrar paz.
Aquele lugar, com toda a sua magia e beleza, era perfeito, mas não era real. Eu sabia disso. Não importava o quanto eu o amasse, esse mundo era uma invenção da minha mente. Eu tinha criado um lugar onde eu poderia ser quem quisesse, sem o peso do passado, mas isso não resolveria o vazio que eu sentia dentro de mim. Eu precisava de algo mais, algo que fosse verdadeiro, que fosse genuíno.
Enquanto caminhava pela praia, uma sensação de calma tomou conta de mim. Meus pés afundavam na areia quente, mas o vento suave me fazia sentir uma paz que eu nunca tinha conhecido. Aqui, no mundo que eu criei, tudo parecia perfeito. Era um lugar onde eu me sentia amada, onde eu podia deixar para trás todos os medos e inseguranças que me atormentavam.
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Atualizado até capítulo 29
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