Com o tempo, fui descobrindo mais sobre aquele mundo. Eu criava as regras, as pessoas ao meu redor, até as paisagens que surgiam à medida que eu caminhava. Eu vivia aventuras que só existiam na minha mente: explorava florestas encantadas, conhecia criaturas fantásticas e enfrentava desafios que me faziam sentir viva de uma forma que eu nunca experimentei antes.
Mas, enquanto eu vivia essas experiências, havia sempre algo na minha mente, um eco que me dizia: "Pode voltar quando quiser. É só dizer a palavra."
Eu sabia que, se quisesse, poderia retornar à minha realidade, à minha vida real, e deixar essa maravilha para trás. Mas naquele momento, a vontade de fugir era tão forte, tão tentadora. Eu queria viver aqui, com tudo o que esse mundo me oferecia. Porém, também sabia que essa fuga não seria a solução para o que eu estava buscando.
Eu estava diante de uma escolha: continuar a explorar esse novo mundo, onde eu era uma versão de mim mesma sem as cicatrizes do passado, ou enfrentar a minha realidade e começar a buscar o meu próprio "renascimento" dentro dela, sem precisar fugir para encontrar paz.
Aquele lugar, com toda a sua magia e beleza, era perfeito, mas não era real. Eu sabia disso. Não importava o quanto eu o amasse, esse mundo era uma invenção da minha mente. Eu tinha criado um lugar onde eu poderia ser quem quisesse, sem o peso do passado, mas isso não resolveria o vazio que eu sentia dentro de mim. Eu precisava de algo mais, algo que fosse verdadeiro, que fosse genuíno.
Enquanto caminhava pela praia, uma sensação de calma tomou conta de mim. Os meus pés afundavam na areia quente, mas o vento suave fazia-me sentir uma paz que eu nunca conheci. Aqui, no mundo que eu criei, tudo parecia perfeito. Era um lugar onde eu me sentia amada, onde eu podia deixar para trás todos os medos e inseguranças que me atormentavam.
Foi quando ouvi um som ao longe – passos na areia. Meu coração disparou. Eu nunca havia criado ninguém que não fosse parte da minha história, e ainda assim, alguém estava vindo na minha direção. Um homem de cabelos escuros e olhar intenso caminhava até mim. Eu não o conhecia. Não havia imaginado sua existência. Mas ali estava ele, real, sólido, como se sempre tivesse pertencido a esse mundo.
Ele parou a poucos metros de mim e sorriu, um sorriso enigmático, como se soubesse algo que eu não sabia.
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—Demorou para perceber.
Franzi a testa, sentindo um arrepio percorrer minha espinha.
— Perceber o quê? Quem é você?
Ele inclinou levemente a cabeça, como se estudasse a minha reação.
— Alguém que está aqui há mais tempo do que deveria.
Meus músculos se retesaram.
— Isso não faz sentido. Eu criei esse lugar. Eu fiz as regras. Como pode estar aqui se eu não imaginei você?
Ele suspirou, como se estivesse esperando essa pergunta.
— Você tem certeza de que criou tudo isso?
Engoli em seco. De repente, o mundo que eu achava controlar já não parecia tão seguro. Se havia outra pessoa ali, será que eu estava realmente no comando?
O meu coração acelerou. O vento soprou mais forte, levantando grãos de areia ao nosso redor. Algo naquela situação deixava-me inquieta.
— Quem é você, de verdade? — perguntei, tentando manter a calma.
Ele sorriu de lado, como se achasse graça na minha pergunta.
— Meu nome é Eliel.
O nome soou estranho, como se já o tivesse ouvido antes, mas não conseguia lembrar onde.
— Isso não responde à minha pergunta. Como está aqui?
Eliel cruzou os braços e olhou para o horizonte, pensativo.
— Você realmente acha que é a única que descobriu esse lugar?
O meu estômago revirou. O meu mundo, o lugar que eu criei para fugir da dor, não era só meu?
— Isso não faz sentido — murmurei, balançando a cabeça. — Eu criei cada detalhe. Eu fiz as regras.
Ele soltou um riso baixo.
— Será mesmo? Ou você apenas acessou algo que já existia?
O meu corpo gelou. Se eu não criei esse mundo, então o que era esse lugar? E quem mais poderia estar aqui?
Meu coração martelava no peito. A ideia de que esse mundo não era apenas fruto da minha imaginação já era perturbadora, mas o que Eliel disse a seguir fez minha mente girar.
Ele me olhou nos olhos, seu semblante sério agora.
— Evangeline, você não percebeu ainda, não é? Enquanto está aqui... há outra versão sua vivendo no seu lugar.
Meu corpo ficou tenso.
— O quê? Isso é impossível.
— É a verdade — ele continuou, cruzando os braços. — Quando você veio para cá, você não simplesmente desapareceu do seu mundo. Outra "você" ficou lá, seguindo sua vida como se nada tivesse acontecido.
Eu dei um passo para trás, sentindo a minha respiração acelerar.
— Como você pode saber disso?
Ele suspirou e abaixou um pouco a cabeça, como se procurasse as palavras certas.
— Porque eu sou real... mas também sou um fruto da sua imaginação.
— Isso não faz sentido! — a minha voz saiu mais alta do que eu pretendia.
— Não faz? Pense bem — ele ergueu uma sobrancelha. — Eu existo porque você me imaginou, mas, em simultâneo, sei coisas que você não sabe. Se eu fosse apenas uma criação sua, como poderia te contar algo que você nunca pensou antes?
A minha mente estava em caos. Como eu poderia estar aqui e, em simultâneo, estar a viver a minha vida no outro mundo? E, mais importante... quem era essa outra "eu"?
Meu peito subia e descia rapidamente. As palavras de Eliel ecoavam na minha mente, e eu tentava, em vão, encontrar uma explicação lógica para aquilo.
— Isso não pode ser verdade… — sussurrei, mais para mim mesma do que para ele.
— Mas é — Eliel afirmou, sua voz calma, mas firme. — E quanto mais tempo você ficar aqui, mais a outra versão sua se tornará... você.
Um calafrio percorreu minha espinha.
— O que isso quer dizer?
Ele me observou por um momento antes de responder:
— Quer dizer que, se você não voltar logo, pode chegar um momento em que você não conseguirá mais.
Minha boca secou. Eu achava que tinha o controle, que poderia voltar a qualquer momento dizendo a palavra-chave. Mas e se não fosse tão simples assim?
— Eu ainda posso voltar, certo? — minha voz saiu hesitante.
Eliel suspirou.
— Por enquanto, sim. Mas se essa outra versão de você começar a querer ficar? Se ela tomar decisões que não tomaria? Se ela mudar coisas que jamais mudaria? Pode estar a perder seu lugar no seu próprio mundo, Evangeline.
Eu senti meu coração apertar.
— E se… e se eu já não for mais eu?
Ele se aproximou, seu olhar penetrante e sincero.
— Essa é a pergunta que você precisa responder antes que seja tarde demais.
O vento soprou mais forte, e, pela primeira vez desde que cheguei aqui, senti medo.
O silêncio entre ficou denso por um momento. A minha mente fervilhava com tudo o que Eliel havia-me contado. Eu queria respostas, queria entender o que acontecendo comigo.
Ele percebeu minha hesitação e estendeu a mão.
— Vem comigo. Quero te mostrar algo.
Olhei para sua mão estendida e, depois de um instante de dúvida, aceitei. Assim que os meus dedos tocaram os dele, senti um calor estranho percorrer o meu corpo, como se uma energia diferente fluísse entre nós. Ele começou a caminhar, e eu segui-o, sentindo a areia fria sobre os meus pés. Caminhamos até sairmos da praia e entrarmos num caminho de pedras cercado por árvores altas e retorcidas. O cheiro das folhas molhadas pelo orvalho era intenso, e o ar parecia mais denso ali.
— Para onde estamos indo? — perguntei, quebrando o silêncio.
— Vai entender quando chegarmos — ele respondeu, sem olhar para trás.
Depois de alguns minutos, saímos da floresta e chegamos a um vilarejo encantador. As casas eram feitas de pedra, com telhados inclinados cobertos de musgo. Pequenos lampiões iluminavam as ruas de paralelepípedos, e um riacho cortava o centro do lugar. O ar estava carregado de um cheiro doce, como canela e mel.
— Onde estamos? — minha voz saiu em um sussurro.
Eliel parou e olhou para mim com um pequeno sorriso.
— Na casa da minha família. Ou, pelo menos, da família que você me deu.
Meu coração disparou.
— O quê?
Ele assentiu.
— Você criou esse mundo, Evangeline. Criou as regras, criou as pessoas que queria que existissem aqui. Mas eu não sou o único que nasceu da sua imaginação. A minha família também foi criada por você. A minha mente girava. Eu lembrava-me de ter imaginado uma família amorosa e presente para mim… Mas não me lembrava de ter criado Eliel ou qualquer outra pessoa além da minha própria história. Antes que eu pudesse responder, a porta de uma das casas abriu-se, e uma mulher saiu. Ela tinha longos cabelos castanhos e olhos gentis. O seu sorriso era caloroso, como se me conhecesse há anos.
— Vocês demoraram — ela disse, cruzando os braços. — A comida está quase esfriando.
Eliel sorriu.
— Eu disse que traria uma convidada especial hoje.
A mulher se virou para mim e segurou minhas mãos entre as dela. Seu toque era suave, quente.
— Seja bem-vinda, Evangeline.
Minha garganta se fechou. Eu nunca tinha visto aquela mulher antes… Mas, ao mesmo tempo, algo nela me parecia familiar. E então, um pensamento me atingiu como um raio.Eu não a havia imaginado… Mas ela era exatamente como eu sempre quis que minha mãe fosse.
O almoço foi servido em uma grande mesa de madeira no centro da casa. O aroma da comida quente preenchia o ar, e por um momento, me permiti esquecer as perguntas que giravam em minha mente. A mulher que nos recebeu — que descobri se chamar Lyria — serviu-nos com um sorriso gentil. Ao lado dela, um homem alto, de barba grisalha e olhos bondosos, que Eliel apresentou como seu pai, observava a cena com uma expressão tranquila. Também havia duas crianças, gêmeos de cabelos escuros, que corriam pela sala, rindo como se não houvesse preocupações no mundo. Era tudo tão... perfeito.
Eu comia em silêncio, observando a dinâmica daquela família. Eles riam juntos, contavam histórias, olhavam uns para os outros com carinho genuíno. Aquilo doía mais do que eu queria admitir. Depois do almoço, saímos para caminhar. O sol estava mais baixo no céu, tingindo as nuvens de laranja e dourado. Foi só então que olhei para Eliel e perguntei o que estava queimando dentro de mim desde que chegamos ali: — Onde está a minha família?
Ele parou de andar e ficou em silêncio por um momento, como se escolhesse as palavras com cuidado.
— Eu sabia que você perguntaria isso — ele disse, olhando para mim com um misto de seriedade e tristeza.
Cruzei os braços, sentindo um frio inesperado.
— Eu imaginei uma família para mim. Pais amorosos, uma irmã... eles deveriam estar aqui. Então, por que não estão?
Eliel suspirou.
— Porque nem tudo que você imagina se manifesta da forma que você espera.
Minha expressão se contraiu.
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— O que isso quer dizer?
— Você criou esse mundo, Evageline, mas ele reflete seus medos, seus desejos… e suas crenças.
Minha garganta ficou seca.
— E o que isso tem a ver com minha família não estar aqui?
Ele se aproximou, sua voz mais suave agora.
— Você queria uma família perfeita, mas, no fundo, nunca acreditou que realmente pudesse ter uma.
Minhas mãos tremeram.
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— Isso não é verdade…
— Não é? — ele arqueou uma sobrancelha. — Se fosse, por que eles não estão aqui?
Eu queria negar, queria gritar que ele estava errado. Mas as palavras não saíram. No fundo, eu sabia. Eu criei uma família perfeita… mas nunca acreditei que merecia tê-la. E esse mundo, o mundo que eu criei, apenas refletiu isso de volta para mim. O silêncio entre nós se estendeu por um longo tempo. O vento balançava as folhas das árvores ao redor, e o céu começava a se tingir de tons de violeta. Eu queria responder, queria argumentar, mas a verdade era amarga demais para ser ignorada.
Meus olhos ardiam. Eu apertei os punhos, sentindo um peso esmagador no peito.
— Então… quer dizer que, mesmo nesse mundo… mesmo aqui, onde eu posso criar qualquer coisa… ainda sou prisioneira das minhas próprias crenças? — minha voz saiu fraca, quase um sussurro.
Eliel me observou com um olhar compreensivo.
— Você não está presa, Evageline. Mas também não pode fugir de si mesma.
Meu coração deu um salto.
— Então como eu faço para mudar isso? Para trazer minha família para cá? Ele suspirou.
— Não é tão simples. Você precisa acreditar. Não apenas desejar — ele tocou levemente minha testa com um dedo. — Mas aqui, no fundo. Você precisa se permitir sentir que merece esse amor.
Eu ri sem humor, desviando o olhar.
— E como eu faço isso? Apertando um botão mágico?
— Não existe botão mágico — ele disse, cruzando os braços. — Mas existe um caminho.
Virei para ele, franzindo o cenho.
— Que caminho?
Eliel respirou fundo antes de responder:
— Você precisa encontrá-los.
Senti um arrepio subir pela minha espinha.
— O quê?
— Sua família está aqui, Evageline — ele continuou. — Mas não estão onde você esperava. Você precisa procurá-los. Eu engoli em seco.
— Mas se eu criei esse mundo, por que eu não os trouxe direto para mim?
Eliel deu um pequeno sorriso.
— Talvez porque, no fundo, você sabia que precisava dessa jornada.
Olhei para o céu escurecendo e depois para Eliel. Minha mente girava com mil pensamentos. Se minha família estava em algum lugar desse mundo, isso significava que eu ainda tinha uma chance. Uma chance de encontrá-los.
Uma chance de provar a mim mesma que eu era digna de amor. Eu inspirei profundamente e encarei Eliel.
— Então me ajude a encontrá-los.
Ele sorriu, como se já soubesse que eu tomaria essa decisão.
— Sempre.
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Atualizado até capítulo 28
Comments
Kaidenn
Totalmente inesperado!
2025-03-22
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