Flaskback

O vento frio da noite soprava contra minha pele, e a escuridão ao nosso redor parecia mais densa do que antes. Eu sentia um aperto no peito, como se algo invisível me puxasse para trás, para um lugar que eu queria esquecer.

Eliel percebeu minha hesitação.

- O que foi? - ele perguntou, sua voz firme, mas gentil. Fechei os olhos, e o peso do passado veio como uma onda, me arrastando para memórias que eu sempre tentei enterrar.

Flaskback

Lembrei do relógio na parede marcando três da manhã. Eu estava sentada no canto do meu quarto, abraçando meus joelhos, tentando controlar minha respiração. Do outro lado da porta, minha mãe gritava.

- Você não faz nada direito! - a voz dela era cortante, carregada de frustração. - Sempre tão fraca, tão inútil!

Eu apertava os olhos com força, desejando desaparecer. Desejando estar em qualquer outro lugar.

Havia garrafas quebradas no chão da sala. O cheiro forte de álcool misturava-se com o medo no ar. Eu já tinha visto essa cena tantas vezes que não precisava sair do quarto para saber o que vinha depois.

Um som alto. Um impacto.

Meu coração disparou.

Levantei-me devagar e abri uma fresta na porta. Minha mãe estava ali, caída no sofá, com o olhar vazio. Meu padrasto, com o rosto vermelho de raiva, segurava um copo pela metade.

Ele olhou para mim.

- O que foi? Vai ficar me encarando agora, pirralha?

Engoli o choro e fechei a porta rapidamente.

Eu queria fugir.

Eu sempre quis fugir.

Mas naquela noite, percebi que nunca teria um lugar para onde correr.

Fim do Flashback

Minhas mãos tremiam quando voltei ao presente.

- Evangeline? - a voz de Eliel me trouxe de volta. Ele me observava atentamente, como se soubesse exatamente onde minha mente havia ido.

Tentei disfarçar, mas ele percebeu.

- Eu sei que dói - ele disse, baixinho. - Mas isso não define você.

Olhei para ele, com os olhos marejados.

- E se eu nunca conseguir acreditar que mereço mais?

Ele sorriu, de um jeito que me fez sentir que, talvez, eu ainda tivesse uma chance.

- Então vamos provar para você mesma que merece. Vamos encontrar sua família.

Inspirei fundo e assenti.

- Por onde começamos?

Eliel estendeu a mão para mim.

- Pelo primeiro passo.

Hesitei por um segundo, mas então segurei sua mão.

E, pela primeira vez em muito tempo, senti que não estava sozinha.

À medida que caminhávamos pela estrada de terra que se estendia diante de nós, a frustração crescia dentro de mim como um nó apertado. Eu queria acreditar que minha família estava aqui, em algum lugar desse mundo, mas quanto mais o tempo passava, mais impossível isso parecia.

Eu criei esse mundo. Eu imaginei cada detalhe. Então por que não conseguia ter o que mais queria?

A dúvida se misturava com um sentimento conhecido-aquele peso sufocante no peito, aquele eco de solidão que me perseguiu a vida inteira.

E então, as memórias começaram a vir.

Flashback

Eu tinha oito anos e segurava um desenho com as mãos pequenas e trêmulas. Era um rabisco infantil, mas cheio de cor: uma casa grande, um céu azul e três pessoas de mãos dadas-meu pai, minha mãe e eu.

- Olha, mamãe, desenhei a gente!

Minha mãe pegou o papel com desinteresse.

- Isso não está certo - disse ela, sem sequer sorrir. - Seu pai se foi. Ele não faz mais parte da nossa família.

Meu coração se apertou.

- Mas... mas ele sempre vai ser meu pai...

Ela suspirou, irritada.

- Para de viver no passado, Evageline. Você sempre foi uma garotinha boba, cheia de sonhos idiotas. Rasguei o desenho antes que ela pudesse fazer isso por mim.

Se meu próprio sangue não queria me dar amor, quem daria?

Fim do Flashback

Minha respiração estava pesada quando voltei ao presente. O caminho diante de mim parecia distante, como se eu estivesse presa entre tempos diferentes.

Eliel me observava em silêncio, como se entendesse exatamente o que estava acontecendo.

- Você está lembrando de novo, não está?

Assenti, engolindo em seco.

- Não consigo evitar. Quanto mais eu vejo que não tenho minha família aqui, mais essas memórias me puxam para trás.

Ele parou de andar e virou-se para mim.

- E o que essas memórias te fazem sentir?

Fitei o chão, sem querer responder.

- Raiva. Tristeza. Como se eu nunca fosse boa o suficiente para ser amada.

Ele se aproximou, falando com a calma que sempre me desconcertava.

- Mas você não é aquela garotinha sozinha no quarto, Evageline. Você cresceu. Você está aqui. E tem o poder de mudar essa história.

Fechei os olhos. O nó na minha garganta ficou mais apertado.

Mas as memórias não paravam.

Flashback

Tinha doze anos quando minha mãe começou a trazer homens para casa com mais frequência. Eu ficava no meu quarto, ouvindo as vozes altas, os risos falsos, o som de garrafas se chocando.

Uma noite, um deles bateu na minha porta.

- Ei, garotinha, não vai dar um oi?

Meu corpo ficou paralisado.

Eu olhei para a porta trancada e segurei minha respiração, torcendo para que ele fosse embora.

Minha mãe riu lá de fora.

- Deixa ela. É inútil, sempre trancada nesse quarto.

A sombra sob a porta desapareceu.

Mas naquele momento, percebi algo: naquele lugar, eu era invisível.

E parte de mim acreditava que sempre seria.

Fim do Flashback

Minhas pernas cederam, e eu caí de joelhos na estrada de terra.

- Evageline! - Eliel se abaixou ao meu lado, segurando meus ombros.

- Eu... eu não sei se consigo continuar - sussurrei.

Ele apertou os olhos, preocupado.

- Você acha que não merece encontrá-los?

Eu soltei uma risada amarga.

- E se eles nunca existiram, Eliel? E se, no fundo, eu criei esse mundo perfeito, mas nunca fui capaz de criar a única coisa que mais queria?

Ele ficou em silêncio por um momento, depois segurou minha mão.

- Então vamos descobrir a verdade juntos.

Levantei o olhar para ele.

Havia algo na sua expressão-uma certeza inabalável, como se ele soubesse que havia mais por trás de tudo isso. Engoli minha dor e me levantei. Se minha família estava aqui, eu iria encontrá-los.

Mas, pela primeira vez, me perguntei: e se eles não fossem como eu imaginava? Caminhamos em silêncio por um tempo, a estrada de terra se estendendo diante de nós, cercada por árvores altas e flores coloridas que pareciam vibrar com a luz do sol. Mas, dentro de mim, tudo era escuridão. Cada passo que eu dava era acompanhado pelo medo, pela incerteza. Se minha família estava aqui, por que ainda não a encontrei?

Eliel, sempre atento, olhava para mim de tempos em tempos, como se estivesse esperando que eu dissesse algo. Mas as palavras simplesmente não vinham.

- Você sente isso? - ele perguntou de repente, parando no meio do caminho.

Franzi a testa.

- Sentir o quê?

Ele fechou os olhos por um momento, como se estivesse se conectando com algo invisível. Então, abriu-os novamente e me encarou com uma intensidade que fez minha pele arrepiar.

- A energia ao nosso redor mudou. Estamos perto.

Meu coração disparou.

- Como você sabe?

Ele sorriu de canto, aquele sorriso misterioso que sempre me deixava desconfiada.

- Porque esse mundo foi criado por você, Evageline. Mas existe algo aqui que você ainda não compreende. Algo que sempre esteve escondido, esperando para ser descoberto.

De repente, o vento soprou mais forte, e as folhas das árvores começaram a se mover como se sussurrassem segredos entre si. Senti um arrepio subir pela espinha.

- Você está me assustando, Eliel.

Ele estendeu a mão para mim.

- Confie em mim. Vamos juntos.

Hesitei por um momento, mas então segurei sua mão. Assim que nossos dedos se tocaram, um calor percorreu meu corpo, e, por um breve instante, minha visão escureceu.

Então, tudo mudou.

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