Fora da Zona de Conforto

Fora da Zona de Conforto

Capitulo 1 - O peso do Invisível

Hoje eu acordei antes do despertador. De novo.

O teto do quarto do abrigo tem algumas manchas que parecem mapas. Tem uma que sempre olho antes de levantar. Parece uma ilha isolada, cercada por nada. Acho que sou essa ilha.

Aqui no centro de acolhimento tudo tem cor neutra, cheiro de limpeza e passos contidos. Ninguém fala alto, ninguém pergunta muito. É um tipo de silêncio que grita de outro jeito. Um silêncio cheio de passados partidos.

Levanto devagar, tento não acordar as outras meninas. Cada uma carrega algo nos olhos que aprendi a reconhecer: o peso de quem já viu demais, sentiu demais, e não teve tempo pra digerir. Eu me encaixo bem aqui. Ou talvez... não.

Sempre tento passar despercebida. Roupas discretas, cabelo preso, passos leves. Mas, de alguma forma, eu sempre acabo sendo notada. Acho que é porque olho nos olhos. Ou porque escuto mais do que falo. Isso incomoda algumas pessoas. Atrai outras.

No caminho até a escola, olho pela janela do ônibus e imagino as vidas das pessoas na rua. Uma mulher apressada com uma sacola furada. Um menino chutando uma garrafa como se fosse uma bola. Gosto de inventar histórias sobre elas. É mais fácil do que encarar as minhas.

Na escola, tudo parece barulhento demais. Risos altos, corredores cheios, conversas cortantes. Eu ando com o olhar baixo, mas sei que alguém me observa. Sempre tem alguém.

...****************...

Diálogo

uma jovem do centro — Você sempre fica sozinha? — pergunta uma voz ao meu lado, no pátio.

É a Lin — uma jovem que estáno centro também e, é da mesma turma que eu. Ela tem cabelos encaracolados e sorriso fácil. Já tentou puxar conversa comigo algumas vezes.

Xiaoyu — Eu gosto de observar. — respondo, tentando sorrir sem parecer forçada.

Lin — Você parece tranquila. Diferente. As pessoas notam isso, sabia?

...****************...

Suspiro por dentro. Eu sei. E às vezes, isso não é bom.

Na aula de literatura, o professor pede pra escrevermos um texto sobre “um lugar onde nos sentimos seguros”. Meu peito aperta.

Seguro?

Começo a escrever, mas as palavras saem todas erradas. Rasgo a folha e começo outra vez. E de novo. No fim, só consigo escrever:

...----------------...

"Existe um lugar dentro de mim onde tudo está calmo.

Nele, minha mãe sorri sem medo.

Meu irmão dorme em paz.

Meu pai não precisa ir embora para se proteger.

E eu... sou só uma menina.

Não uma ilha."

...----------------...

Dobro o papel e não entrego.

Na saída da escola, vejo um grupo cochichando e olhando na minha direção. Não me surpreende. Uma das meninas, Tao Mei, me encara com desprezo discreto.

Ela já tentou provocar-me antes. Disse que “pessoas como eu” se acham superiores só porque ficam caladas. Como se o meu silêncio fosse um julgamento.

...****************...

Mas hoje, algo nela me incomoda diferente. Ela passa por mim e murmura:

Diálogo

Tao Mei — Deve ser fácil fugir dos problemas quando se tem pra onde correr.

...****************...

Congelo. As palavras batem fundo. Meu coração dispara.

Não respondo. Não posso. Se eu abrir a boca agora, vou gritar. Ou chorar. E não quero nenhum dos dois.

Volto pro centro de acolhimento com a garganta fechada. Subo direto pro quarto e me deito na cama. A mancha no teto me observa em silêncio.

Pego meu caderno e começo a escrever. Palavras soltas. Sentimentos sem filtro.

...----------------...

 "Não escolhi fugir.

Eu era só uma criança.

E mesmo assim, tentei proteger todo mundo.

Até minha mãe, que devia ter me protegido.

E agora carrego uma culpa que não é minha.

Mas que me acompanha como sombra."

...----------------...

Fecho o caderno.

Alguns minutos depois, alguém bate na porta. É Lin. De novo.

...****************...

Diálogo

Lin — Você tá bem?

Quero dizer "sim". Mas algo em mim cansa de fingir.

Xiaoyu — Às vezes não. Mas eu aprendi a parecer.

...****************...

Ela entra e senta na cama ao meu lado. Em silêncio.

É estranho. Mas bom. Alguém sentar ao meu lado sem tentar consertar nada. Só ficar.

E pela primeira vez em muito tempo, eu não me sinto completamente sozinha. Só um pouco. Mas já é um começo.

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Dayra Malay

Dayra Malay

Continua escrevendo! 👏

2025-04-09

2

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Capítulos
1 Capitulo 1 - O peso do Invisível
2 Capítulo 2 - Coisas Que Não digo
3 Saudade do que (não) foi!
4 Capítulo 3 - Nem todo o lar é abrigo!
5 Entre Silêncios e Saídas
6 Capítulo 4 - Uma nova oportunidade de mudança
7 Porque, às vezes, escutar dói tanto…
8 Capítulo 5 - Depois do Silêncio
9 Gestos e grandes silêncios
10 Capítulo 6 – “Entre Olhares e Silêncios”
11 No meio do caos, nasce uma pequena chama de pertencimento
12 capítulo 7- Atrito
13 Entre Silêncios e Tempestades”
14 Capítulo 8: Quando o Silêncio Grita
15 comuncado da autora
16 Capítulo 9 – Espelhos
17 Dividida entre desaparecer e de ser vista
18 Capítulo 10 – O que fica por dizer
19 Feridas do passado
20 Capítulo 11 - Feridas abertas.
21 Bico de avestruz
22 Capítulo 12 Entre gaiolas e Avestruzes.
23 Palavras que Desnudam
24 Capítulo 13 - O Poema
25 Pipocas, Olhares e Silêncios
26 Capítulo 14 – Sessão de Cinema
27 Silêncio Entre Nós
28 Capítulo 15 – O Vazio Que Ninguém Viu
29 Cores entre conflitos
30 Capítulo 16 – Mudança de Planos
31 Sombras do Passado
32 Capítulo 17 – "Entre Telhados e Confissões"
33 Entre Silêncios e Revelações
34 Capítulo 18 – Laços e Rastros
35 Uma Luz no Caminho
36 Capítulo 19 – Um Novo Fôlego
37 Entre sorrisos e o peso do regresso
38 Capítulo 20: Entre Sorrisos e Sombras
39 Defesa Instintiva
40 Capitulo 21 - Confissões e Matraquilhos
41 Em Sintonia
42 Capítulo 22 - Entre Ecos e Caminhos
43 Novos Caminhos
44 Capítulo 23 - Um novo começo
45 Um fim, e um recomeço
46 Capítulo 24 – A Vida é uma montanha Russa
47 Comunicado
Capítulos

Atualizado até capítulo 47

1
Capitulo 1 - O peso do Invisível
2
Capítulo 2 - Coisas Que Não digo
3
Saudade do que (não) foi!
4
Capítulo 3 - Nem todo o lar é abrigo!
5
Entre Silêncios e Saídas
6
Capítulo 4 - Uma nova oportunidade de mudança
7
Porque, às vezes, escutar dói tanto…
8
Capítulo 5 - Depois do Silêncio
9
Gestos e grandes silêncios
10
Capítulo 6 – “Entre Olhares e Silêncios”
11
No meio do caos, nasce uma pequena chama de pertencimento
12
capítulo 7- Atrito
13
Entre Silêncios e Tempestades”
14
Capítulo 8: Quando o Silêncio Grita
15
comuncado da autora
16
Capítulo 9 – Espelhos
17
Dividida entre desaparecer e de ser vista
18
Capítulo 10 – O que fica por dizer
19
Feridas do passado
20
Capítulo 11 - Feridas abertas.
21
Bico de avestruz
22
Capítulo 12 Entre gaiolas e Avestruzes.
23
Palavras que Desnudam
24
Capítulo 13 - O Poema
25
Pipocas, Olhares e Silêncios
26
Capítulo 14 – Sessão de Cinema
27
Silêncio Entre Nós
28
Capítulo 15 – O Vazio Que Ninguém Viu
29
Cores entre conflitos
30
Capítulo 16 – Mudança de Planos
31
Sombras do Passado
32
Capítulo 17 – "Entre Telhados e Confissões"
33
Entre Silêncios e Revelações
34
Capítulo 18 – Laços e Rastros
35
Uma Luz no Caminho
36
Capítulo 19 – Um Novo Fôlego
37
Entre sorrisos e o peso do regresso
38
Capítulo 20: Entre Sorrisos e Sombras
39
Defesa Instintiva
40
Capitulo 21 - Confissões e Matraquilhos
41
Em Sintonia
42
Capítulo 22 - Entre Ecos e Caminhos
43
Novos Caminhos
44
Capítulo 23 - Um novo começo
45
Um fim, e um recomeço
46
Capítulo 24 – A Vida é uma montanha Russa
47
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