Dizem que a gente sente quando algo vai acontecer.
Eu senti.
Ainda era manhã quando a coordenadora me chamou, com aquele sorriso contido que tenta parecer neutro.
Coordenadpra— Hoje à tarde, às três, você tem uma consulta com a psicóloga, Xiaoyu.
Não respondi de imediato. Apenas acenei com a cabeça, como quem aceita um destino que não pediu.
Mas por dentro, eu queria desaparecer.
Psicólogo.
Uma palavra que soava como um eco desconfortável dentro de mim.
Na minha casa, isso era sinal de fraqueza.
De loucura.
De vergonha.
Cresci ouvindo minha mãe zombar de quem precisava “de cabeça”.
Filipa(mae) — “Essas coisas são para gente mole”, ela dizia.
E eu cresci tentando ser dura.
Às três, meus pés me levaram até a sala, mesmo com o corpo travado.
Bati na porta com a ponta dos dedos, pronta pra voltar atrás.
Psicóloga — Pode entrar — disse uma voz calma, sem urgência.
Empurrei a porta devagar. O ambiente me surpreendeu. Esperava algo frio, estéril. Mas a sala era simples e aconchegante. Um sofá cinza, uma cadeira com almofada azul, uma estante de livros e plantas pequenas que pareciam estar tentando sobreviver. Como eu.
A mulher à minha frente parecia jovem. Mas parecia levar a sua profissão a sério.
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Diálogo
Psicóloga Ana — Olá, Xiaoyu — disse, sem se levantar. — Eu sou a Ana. Pode se sentar onde quiser.
Sentei na ponta da cadeira, firme, sem encostar as costas. Pronta pra sair a qualquer momento.
Ela não começou perguntando “como você está?”.
Em vez disso, soltou a primeira frase que me desmontou por dentro:
Dra. Ana— Você sabe que não é obrigada a estar aqui, certo?
Pisquei algumas vezes.
Dra Ana — Se quiser ir embora, pode. Se quiser parar no meio, também. Isso aqui só funciona se você quiser estar aqui. E se não quiser… está tudo bem também.
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Aquilo me pegou de surpresa.
Ninguém nunca me disse que eu podia ir embora.
A vida inteira me disseram o que fazer, onde ficar, o que aguentar.
Mas ali, pela primeira vez, me deram uma escolha.
E só por isso… eu fiquei.
Ela pegou um caderno, mas não abriu de imediato. Deixou sobre o colo, leve.
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Diálogo
Dra Ana — Podemos começar devagar? Só algumas perguntas básicas?
Assenti, ainda em guarda.
Dra Ana — Nome completo?
Xiaoyu — Xiaoyu Liang.
Dra Ana— Idade?
Xiaoyu — Dezessete.
Dra Ana— Pode me dizer o nome das pessoas que moravam com você antes de vir pra cá?
Xiaoyu — Minha mãe… Filipa. Meu irmão, Toy. E meu pai, Jay. Ele… não mora mais conosco. Viajou.
Ela assentiu. Esperou o silêncio terminar por si só.
Dra Ana — Como era o seu lugar naquela casa?
Essa pergunta… bateu diferente.
Pensei em responder "normal", "difícil", qualquer coisa simples. Mas minha garganta secou.
Acabei dizendo:
Xiaoyu — Eu cuidava. Mesmo quando ninguém me pedia.
Ela fez uma nota. Suave. Como se guardasse cada palavra num lugar seguro.
Dra Ana — E você sabia que não precisava cuidar?
Xiaoyu — Sabia. Mas… ninguém mais ia fazer.
A conversa seguiu assim. Simples, mas densa. Eu falava pouco, com medo de escorregar em alguma lembrança mais funda. Mas cada pergunta me fazia pensar em coisas que eu sempre evitei.
No fim da sessão, ela não me agradeceu por “me abrir”.
Só me disse:
Dra Ana — Que bom que você escolheu ficar hoje. Isso já é muito.
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Levantei da cadeira com passos leves. Como se algo em mim, mesmo pequeno, tivesse respirado um pouco melhor.
Mais tarde, escrevi no meu caderno:
“Hoje, não fui obrigada.
E isso fez toda a diferença.”
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Atualizado até capítulo 32
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