Naquela noite, dormir parecia uma coisa distante.
A cama do abrigo nunca foi exatamente confortável, mas sempre cumpria o mínimo: apagar o corpo depois de dias longos e cheios de rotina.
Só que naquela noite, o travesseiro não me encaixava. O lençol arranhava.
E a minha cabeça não calava.
A consulta com Ana ficou ecoando dentro de mim como se ela ainda estivesse ali, sentada, me olhando com aquele jeito de quem escuta até o que a gente não diz.
"Você não é obrigada a estar aqui."
Que frase simples. E tão forte.
Fiquei pensando o quanto da minha vida foi movida à base de obrigações.
Cuidar. Calar. Fingir.
Ser forte. Sempre.
Porque ninguém ia fazer isso por mim.
Fechei os olhos e, sem querer, me vi pequena outra vez.
Estava na cozinha da antiga casa. A luz fraca, minha mãe gritando com o telefone na mão, meu irmão chorando no quarto.
Eu lavava louça com pressa, como se aquilo fosse apagar o caos.
Acordei com o coração disparado.
Não lembrava de ter adormecido.
Mas os olhos estavam molhados.
No dia seguinte, não falei nada com ninguém.
As outras meninas pareciam distraídas, presas em seus próprios mundos.
Uma delas, a Lúcia, me ofereceu bolacha no lanche da tarde.
Sorri, mas recusei.
Eu estava meio deslocada. Como se meu corpo estivesse aqui, mas minha cabeça ainda estivesse naquela sala, tentando entender se aquilo foi mesmo uma consulta… ou uma fresta de algo novo.
Na hora do jantar, reparei numa coisa.
Eu olhava mais.
Observava os gestos, os olhares, as pausas.
Talvez fosse o efeito de ter sido ouvida de verdade, mesmo por poucos minutos.
Na fila da comida, ouvi uma menina mais nova comentar com outra:
Menina — A Ana é legal. Mas te faz lembrar de tudo. Eu fico estranha depois.
Aquilo me atingiu.
“Ficar estranha.”
Sim. Era isso.
Eu também estava estranha.
E talvez… um pouco mais viva.
Mais tarde, sentei na beira da cama com o caderno no colo.
Escrevi sem pensar, como se as palavras já estivessem ali, esperando:
...----------------...
“Tem partes em mim que eu escondi tão bem…
que agora, pra achar, preciso ir com calma.
Talvez a Ana ajude a encontrar.
Ou talvez, eu mesma precise ser essa ajuda.”
“Será que existe outro jeito de viver que não seja só sobreviver?”
...----------------...
Fechei o caderno.
E se a dor não viesse só do que aconteceu, mas do silêncio que ficou depois?
Uma noite em branco.
Uma memória que aperta.
E uma pergunta que ecoa:
Será que existe outro jeito de viver que não seja só sobreviver?
Só talvez eu possa ser finalmente eu própria e não o que os outros esperam de mim.
Deitei, tentando não fugir tanto de mim.
O sono não aparecia, e tentei não pensar tanto
na situação. Mas os meus pensamentos foram para o meu irmão. me pergutando como ele estaria. De como estaria ele com a situação de no futuro ir para uma instituição.
E pela primeira vez em muito tempo, dormi pensando que talvez… tudo isso não seja só mais uma obrigação.
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Atualizado até capítulo 32
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