Sombras Eternas

Sombras Eternas

Entre sombras

William estava esparramado no sofá da sala, devorando um prato gigante de macarrão com molho apimentado. Entre uma garfada e outra, falava animadamente:

— Cara, você viu? Aquele caso dos quatro que sumiram há três anos voltou à tona esses dias. Todo mundo tá comentando como eles apareceram do nada, como se nada tivesse acontecido!

Marcos, que estava sentado no chão com o notebook no colo, observando os olhos por cima de seus óculos quadrados. Ele era mais baixo e franzino, mas seus olhos brilhavam de curiosidade.

— Vi, sim! E acho que deveríamos gravar um vídeo pro canal. A galeria adora mistérios, e tem algo bem esquisito nessa história. A última festa deles foi naquela casa maldita, e tem barcos de que o mesmo tipo de coisa estranha está acontecendo na floresta perto da cidade agora. Quero ver se é verdade.

Rita, sentada à mesa da cozinha, estava ocupada escrevendo seu trabalho de faculdade. Ela soltou uma gargalhada debochada.

— Vocês dois são obcecados por essas teorias malucas. Se tem algo estranho, aposto que é só um bando de adolescentes bebendo escondidos no mato ou tentando fazer pegadinhas.

Marcos fechou o caderno e começou a arrumar os equipamentos de gravação, ansioso.

— Vamos investigar a floresta porque foi lá que avistaram luzes e ouviram vozes, Rita. E isso rolou há uns dias, exatamente como na época do sumiço. Pode ser nossa chance de desvendar o mistério.

William limpou a boca com a mão e se declarou.

— Se for só um bando de moleques, pelo menos a gente grave um vídeo engraçado pro canal. Mas se for algo mais... Pode ser o vídeo que vai bombar!

Rita ajeitou os óculos e deu uma risadinha sarcástica.

— Boa sorte, então. Mas eu fico aqui. Tenho coisas mais importantes pra fazer do que me embrenhar no mato com vocês dois.

— Ah, Rita, sempre a racional — brincou Marcos, enquanto colocava a mochila nas costas.

William esticou os braços e estalou os dedos.

— Bora, Marcos. A noite tá só começando!

Os dois saíram empolgados, deixando Rita balançando a cabeça, sem acreditar no que acabara de ouvir.

A moto de William parou com um ronco alto na entrada da floresta. O céu estava escuro, e a única luz vinha das estrelas e do brilho da lua cheia, iluminando as copas das árvores. William desligou o motor e retirou o capacete, olhando ao redor com um sorriso de animação no rosto.

— E aí, pronto pra virar lenda urbana hoje? — ele perguntou, virando-se para Marcos.

Marcos ajustou os óculos e desceu da moto com a mochila cheia de equipamentos. Eles andaram alguns metros até o começo de uma trilha. A floresta parecia calma, mas havia algo no ar que os deixava inquietos.

— Cara, a Rita tá cada vez mais protetora desde que rolou aquele sumiço dos quatro há três anos — comentou Marcos, tentando quebrar o silêncio estranho. — Ela tem medo de que a gente vá longe demais e talvez se metendo em algo sério.

William parou, cruzando os braços.

– Concórdia. Ela sempre foi meio cética, mas depois disso, ela mudou. Não sei se é medo ou outra coisa, mas sei que ela se preocupa com a gente.

Marcos abriu um sorriso leve.

— A gente é amigo desde que era moleque. Acho que é só o jeito dela de nos proteger.

William deu uma tapinha nas costas de Marcos.

— Então vamos provar que podemos cuidar de nós mesmos, nerd.

Marcos tirou a câmera da mochila e ajeitou o tripé. Ligou o equipamento e, apontando a lente para William, falou:

— Gravando em três, dois, um...

William imediatamente mudou sua postura para a de apresentador, um sorriso travesso no rosto.

— Fala, galera! Aqui é o William, trazendo mais uma live diretamente da floresta que tem dado o que falar por aqui. Estamos investigando luzes, mistérios e vozes que os moradores juram ter ouvido nas últimas noites. Se prontos para aventuras e mistérios, sigam com a gente!

O vento soprou suavemente pelas árvores, fazendo as folhas sussurrarem ao redor deles. Marcos ajustou o enquadramento e olhou para William, que continuou com o entusiasmo de sempre.

— Então... Vamos ver o que encontramos hoje à noite. E quem sabe? Talvez desvendemos o maior mistério da cidade.

Eles se olharam por um momento, prontos para o que quer que viesse.

A câmera de Marcos desligou abruptamente com um chiado alto. Ele tentou ligar novamente, mas uma fumaça fina e um cheiro de queimado ao sair do dispositivo.

— Droga, queimou! — Marcos exclamou, sacudindo a câmera inutilmente.

Antes que William pudesse responder, um grito atravessou a floresta, tão alto e agudo que parecia impossível que apenas uma pessoa tivesse emitido aquilo. Era desesperador, e parecia ecoar por toda a área como se as árvores estivessem amplificando o som.

— Você ouviu isso? — William disse, os olhos arregalados.

— Claro que ouvi! O mundo inteiro deve ser ouvido! — Marcos respondeu, já pegando sua lanterna. — Vem por aqui!

Ambos correram em direção ao som, o coração disparado e o medo crescendo com cada passo. O caminho os levou até uma pequena clareira, onde a luz da lua atravessava os galhos e iluminava a cena diante deles.

Ali, no meio da Clareira, era uma garota. Sua pele era pálida como a neve, os cabelos desgrenhados e grudados em sua testa molhada. Suas roupas estavam encharcadas, sujas e rasgadas, como se ela tivesse passado por um inferno. Ela estava de joelhos no chão, tremendo e respirando com dificuldade.

— Ei! — William chamou, aproximando-se devagar. — Você tá bem? O que aconteceu?

A garota vagamente o olhar lentamente para eles. Seus olhos eram de um azul tão intenso que quase brilhavam sob a luz da lua, mas estavam cheios de medo e desespero.

— Ele está vindo — ela sussurrou, sua voz rouca e trêmula.

— Quem? — Marcos perguntou, já olhando em volta nervosamente.

Antes que a garota pudesse responder, o som de passos pesados ​​começou a ecoar pela floresta, aproximando-se rapidamente.

— Pega ela e vamos vazar daqui! — Marcos reunido para William, puxando seu braço.

William não hesitou. Ele chamou a garota nos braços com cuidado, mas firmeza, e os três correram o mais rápido que puderam pela floresta, pisando em galhos e folhas secas enquanto o som de passos pesados ​​ainda ecoava atrás deles.

De repente, a câmera de Marcos voltou a funcionar sozinha, emitindo um leve clique. O visor estava ligado, e, embora não estivesse transmitindo ao vivo, continuava gravada. Marcos segurava a câmera e filmava enquanto corria, mas suas mãos tremiam demais para manter o foco.

— Por que isso está gravado agora?! — ele murmurou para si mesmo, mas continuou correndo.

Quando finalmente chegou à moto, William colocou a garota na frente, encostada no guidão. Ele subiu atrás dela, e Marcos, ofegante, pulou na garupa como pôde, segurando-se com força.

— Se segura firme! — William, ligando a moto com um rugido alto.

Eles partiram pela estrada de terra o mais rápido possível, os faróis iluminando os troncos das árvores enquanto os arbustos passavam como sombras sinistras ao redor deles.

— A gente te leva pro hospital, tá? Você está seguro agora! — Marcos tentou tranquilizá-la, gritando sobre o som do motor e o vento.

Mas a garota começou a se debater.

— Não... hospital! — ela falou com a voz rouca, quase sem respiração. — Lugar sem sol... por favor!

Marcos e William trocaram olhares assustados.

— Sem sol? O que ela está falando? — Marcos perguntou.

A garota virou o rosto para trás, os olhos brilhando à luz da lua.

— Eles me encontram no hospital... o sol me queima... por favor... lugar escuro!

William abriu os freios, parando bruscamente no meio da estrada.

— O que a gente faz agora? — ele perguntou, olhando para Marcos com preocupação.

— Cara, isso tá ficando muito estranho... mas ela tá apavorada — Marcos respondeu, ainda segurando firme a câmera, que continuava gravando tudo. — A gente precisa decidir rápido!

Os dois se olharam, o pânico nos olhos de ambos, e disseram ao mesmo tempo:

— Rita!

— Os pais dela estão viajando — Marcos completou, com a respiração entrecortada.

William concordou e acelerou a moto novamente.

— Liga pra ela! — ele falou, enquanto a moto ganhava velocidade pela estrada escura.

Marcos rapidamente pegou o telefone com as mãos trêmulas e discou o número de Rita. O toque pareceu durar uma eternidade até que a voz dela finalmente atendeu do outro lado da linha:

— O que foi agora, Marcos? Tô tentando estudar! —disse Rita, impaciente.

— Rita, é uma emergência! — Marcos respondeu com pressa. — A gente tá levando uma garota praí. Não dá pra explicar agora, mas precisamos da sua casa. Sem perguntas, só abra a porta!

Rita ficou em silêncio por alguns segundos.

— Marcos, você está tão brincando comigo, né?

— Não! Só... por favor, Rita! — ele implorou.

— Tá, tá bom. Tô abrindo a porta. Mas se for alguma palhaçada, vocês vão pagar por isso.

Ela desligou. Marcos guardou o celular, e William acelerou ainda mais, determinado a chegar à casa de Rita o mais rápido possível.

A garota pálida nos braços de William estava cada vez mais inquieta, murmurando palavras incompreensíveis e tremendo de frio. As luzes da cidade finalmente começaram a aparecer no horizonte, e a casa de Rita não estava longe.

Eles chegaram à casa de Rita em poucos minutos. William entrou carregando a garota e colocou com cuidado no sofá da sala. A garota, ainda pálida e ofegante, olhava ao redor com olhos assombrados, mas escondida em silêncio.

Rita, com os braços cruzados e uma expressão de puro julgamento, esperou até que William e Marcos entrassem na cozinha antes de morrer:

— Vocês conversaram de vez? Quem é essa garota? De onde ela veio?

— Calma, Rita! — William tentou acalmá-la, massageando a orelha que ela havia desenhada de puxado com força.

— Calma nada! Você parece com uma estranha toda machucada na minha casa no meio da noite! Explica agora!

Marcos, nervoso, tropeçou nas palavras enquanto tentava abrir a geladeira:

— Tá bem. A gente tava na floresta, investigando aquelas coisas de sobrenatural pro canal, e aí... encontrei ela. Ela estava encharcada e desesperada. Pediu pra gente trazê-la pra um lugar sem sol.

— Sem sol? — Rita franziu a testa, claramente achando aquilo ridículo.

Enquanto os dois tentavam explicar, Marcos finalmente abriu uma geladeira. Ele olhou lá dentro e viu o que tinha: uma jarra de suco de laranja, alguns restos de lasanha, um pote de iogurte, frutas e um pacote de pão de forma. Nada que parecesse ajudar na situação estranha em que eles estavam vivendo.

— Tem pão e suco... — Marcos disse, meio perdido.

Rita bufou.

— Como é que o pão vai ajudar com isso, seu idiota?

— Eu só tava com fome...

William balançou a cabeça, cansado.

— Olha, Rita, o importante é que ela parecia estar sendo perseguida. Seja lá o que está acontecendo, não é seguro pra ela lá fora.

Rita suspirou, massageando as têmporas.

– Certo. Vamos descobrir o que está acontecendo primeiro... e depois decidido se você foi expulso daqui ou não.

William abriu todos os armários de Rita, vasculhando até os fundos em busca de algo que pudesse encher o estômago. Ele encontrou um pacote de macarrão, uma lata de atum, feijão enlatado e algumas barras de cereal.

— Tá na hora da proteína. Não sobrevivo só com pão e suco como o Marcos. — William murmurou, colocando água para ferver e abrindo as latas.

Enquanto isso, Marcos e Rita se aproximaram da garota, que ainda estava sentada no sofá. Ela tinha os olhos bem abertos, mas parecia paralisada de medo, o peito subindo e descendo em respirações curtas.

Marcos franziu o cenho ao notar duas pequenas marcas vermelhas no pescoço dela, exatamente na lateral, como se algo tivesse a mordido. Ele trocou um olhar com Rita e imediatamente subiu as escadas para acessar o caderno. Precisava verificar as filmagens para ver se havia capturado algo estranho.

Rita, ainda desconfiada, ajoelhou-se ao lado da garota e tentou falar com ela.

— Qual o seu nome? — Disse em um tom suave, mas firme. — Estamos aqui pra te ajudar. Você pode confiar nas pessoas.

A garota não respondeu imediatamente. Seu olhar parecia perdido, fixo em algum ponto distante. Mas, aos poucos, ela piscou e suas lábios começaram a tremer.

— Eles vão me encontrar... não importa onde eu esteja...

— Quem vai você encontrar? — Rita insistiu.

A garota não respondeu, mas seus olhos se encheram de lágrimas.

Do outro lado da casa, William estava ocupado despejando tudo o que havia encontrado em uma panela, tentando improvisar algo comestível. O cheiro de comida começou a se espalhar pela casa quando Marcos desceu as escadas apressadas, segurando o notebook com as filmagens congeladas em uma imagem.

— Rita... acho que temos um problema.

William surgiu da cozinha com uma grande colher em uma mão e uma panela cheia de comida na outra, equilibrando tudo como se estivesse em um restaurante chique. O cheiro era uma mistura de atum, feijão e macarrão mal cozido, mas ele parecia orgulhoso de sua obra-prima culinária.

— Tá servido? Proteína pura. — William pediu, colocando uma panela sobre a mesa.

Rita apresenta uma sobrancelha, olhando para ele com uma mistura de diversão e desgosto.

— Como você é bombeado e ainda consegue fazer algo tão nojento? — brincou.

— Força e nutrição, meu bem. — William piscou para ela antes de voltar à comida.

Marcos se mudou, caderno em mãos, e colocou-o sobre a mesa, com um ar sério. Ele clicou em um ponto específico da filmagem.

— Vocês precisam ver isso. — Ele indicado para a tela.

O vídeo mostrava os dois explorando a floresta, passando por bonecas, roupas velhas e pedaços de alho. Tudo parecia normal até o momento em que comecei a encontrar as estacas e manchas de sangue. Então, a câmera começou a tremer e a tela escureceu.

Marcos pausou a imagem no último frame antes de a câmera "queimar": uma figura pálida e embaçada estava parada ao fundo, com os olhos vermelhos brilhando na escuridão.

— Isso foi antes da câmera pifar — explicou Marcos, com o rosto tenso. — Agora veja o que aconteceu quando ela voltou a funcionar.

Ele avançou o vídeo para o momento em que estava correndo para a moto com a garota. A imagem era granulada e assustadora, mas uma sombra escura podia ser vista se movendo rapidamente pelas árvores, como se estivesse os seguindo.

— Não foi só coincidência encontrarmos essa garota — concluiu Marcos. — Tem algo... ou alguém... caçando ela.

Rita cruzou os braços, olhando para a tela com um arrepio percorrendo sua espinha.

— Isso não é bom. Se eles estão atrás dela, então também podem estar atrás de nós.

William, com a boca cheia de comida, soltou um misto de tosse e grito:

— Vampiro?! Droga...estacas, alho, olhar vermelho, pálida!

Marcos e Rita se encolheram enquanto pedaços de comida voavam deles. Rita estreitou os olhos e deu um tapa firme na cabeça de William.

— Dá pra mastigar antes de surtar, seu ogro? — reclamou ela, limpando os respingos da blusa.

Antes que eles comentassem a conversa ou o estado da garota, perceberam algo estranho. Os primeiros raios de sol já iluminavam as cortinas. A noite havia passado num piscar de olhos, e agora o dia estava amanhecendo.

A garota, ainda no sofá, abriu os olhos arregalados em puro pânico. Sem qualquer aviso, ela saltou para fora e atirou pela casa, procurando freneticamente por um lugar mais escuro.

— Fecha as cortinas! — falei Marcos, correndo atrás dela.

William se moveu para trancar as janelas com cobertores improvisados, enquanto Rita abria a porta do porão.

— Aqui embaixo! Vem! —chamou Rita.

A garota correu para o porão, desceu os degraus aos tropeços e se encolheu no canto mais escuro. Eles a seguiram, ofegantes, e ficaram em silêncio, apenas observando. A luz do sol mal tinha tocado a pele dela, mas havia deixado uma marca avermelhada no braço.

— É real — sussurrou Marcos. — Vampiros... são reais.

Marcos e William começaram a dançar desajeitadamente no meio da sala, jogando as mãos para o alto e cantando:

— É real, é real! — gritaram eles, em uníssono, girando em volta de Rita.

— Vocês são uns idiotas! — disse Rita, revirando os olhos, mas não conseguiu evitar um sorriso de canto.

William fazia passos de boxe com danças ridículas, e Marcos balançava a cabeça como se estivesse num show de rock. A garota no porão soltou um suspiro, mas pela primeira vez, parecia um pouco mais tranquila.

Corte para a floresta:

A câmera treme e mostra um cenário escuro e úmido. No chão, uma mochila esquecida de Marcos jaz no meio das folhas. Um rapaz pálido e magro, com olheiras profundas e um olhar faminto, se aproxima e pega a mochila.

— Esquecido por um idiota... — ele murmura, funcionando o conteúdo.

Logo atrás dele, surge uma garota pálida com cabelos longos e sedosos, usando um vestido elegante que contrasta com o ambiente sombrio da floresta. Ela sorri com seus dentes afiados.

— Hoje à noite, vamos buscar nossa irmãzinha. E depois... — ela passa a língua pelos lábios — mataremos os dois idiotas.

O rapaz solta uma risada rouca, enquanto a garota dá uma risadinha cruel. Eles trocam um olhar cúmplice e, em um piscar de olhos, seus corpos se transformam em grandes morcegos que desaparecem no céu alaranjado do pôr do sol.

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