Capítulo 4

Paris – 4 de janeiro 1820

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Annabelle estava em seu quarto, sentada à pequena mesinha de ferro forjado que Mark e Nicolas haviam colocado na varanda, delicadamente decorada com flores pendentes em vasos de terracota. De lá, ela tinha uma visão deslumbrante do jardim – um refúgio de paz onde arbustos bem podados, roseiras e laranjeiras floresciam ao sol suave da manhã. O perfume das flores se misturava com a brisa fresca que vinha da rua silenciosa abaixo. À sua frente, uma porcelana fina ostentava croissants ainda quentes, manteiga dourada e uma xícara de chá perfumado, enquanto Felicity, sua dama de companhia, tomava seu desjejum ao lado, com um sorriso discreto, como se o cenário inteiro fosse um quadro pintado por um artista da época.

Felicity Lefevre havia sido camareira na casa até dois anos atrás – um trabalho árduo e exaustivo para uma mulher, que envolvia tarefas pesadas e uma rotina incessante. No entanto, tudo mudou quando Anna descobriu que a moça não era apenas uma simples criada, mas sua irmã, ou melhor, sua meia-irmã, filha ilegítima de seu pai. O escândalo que se seguiu foi inevitável. No escritório de Édouard Bonnet, o patriarca da família, Anna fez um verdadeiro alvoroço, juntamente com Oliver, que já sabia da verdade – assim como Nicolas, Mark e Henri –, mas que nunca se sentira incomodado com a posição da jovem na casa – até o momento em que um de seus amigos, de forma inaceitável, tentara assediá-la.

Os dois irmãos Bonnet, indignados e unidos, exigiram que o pai colocasse Felicity em uma posição mais digna dentro da casa. Anna, com sua autoridade de filha e irmã, e Oliver, com sua postura firme e seu poder discreto, convenceram Édouard de que era imprescindível que ela fosse elevada a dama de companhia. Assim, ela passaria a ter um status social mais alto, mereceria respeito dos cavalheiros e, mais importante, teria uma vida muito melhor. Além disso, o novo cargo significava um salário considerável e uma mudança radical em sua vida.

Felicity foi transferida para um quarto imenso na ala nobre da casa, ao lado do de Annabelle. O novo espaço era enormemente superior ao seu antigo quarto na ala dos criados, com o banheiro, que exibia mármore polido e espelhos de grandes dimensões, três vezes o tamanho de sua antiga habitação. A cama, agora forrada com tecidos finos, parecia uma nuvem de tão macia, contrastando fortemente com o estreito catre de madeira onde ela dormira antes. Os lençóis, espessos e feitos de um tecido suave, a envolviam nas noites frias, substituindo os finos e frágeis que mal a aqueciam.

Mas a transformação de Felicity não se limitou a uma nova posição social. Ela foi agraciada com vestidos de corte impecável, feitos de tecidos ricos e elegantes, e sapatos sob medida, que se ajustavam perfeitamente à sua nova identidade. Começou a frequentar as aulas com Annabelle, aprendendo a ler, escrever e bordar. Seis dos irmãos Bonnet, seus próprios irmãos, fizeram questão de garantir que ela tivesse a mesma educação refinada que Annabelle e Layce. Seus dias de roupas simples e gastas, que mal a protegiam das intempéries, haviam ficado para trás. Agora, ela se vestia com a elegância e o refinamento que sua nova posição exigia – uma marca sutil de uma mulher que finalmente conquistara seu lugar no mundo.

O maior presente, no entanto, talvez tenha sido o dote – uma generosa quantia, cuidadosamente providenciada por Oliver. Ele sabia que, com esse montante, Felicity teria a liberdade financeira para viver de maneira independente, sem depender de ninguém, e a chance de encontrar um marido que a tratasse com o respeito que ela sempre mereceu.

A jovem que, antes, se via como uma simples criada, sem perspectivas e limitada pela sua origem, agora começava a escrever um novo capítulo de sua vida, onde o respeito e a promessa de um futuro melhor finalmente estavam ao seu alcance. Uma reviravolta do destino, possibilitada pela intervenção dos irmãos Bonnet, transformou sua realidade de maneira irrevogável. Ao contrário de seu pai, que a via como uma bastarda, Anna, Oliver e os outros irmãos Bonnet enxergaram nela não uma filha ilegítima, mas uma mulher de valor – digna de um lugar ao sol e merecedora de sua chance no mundo. E, ao fazerem isso, tratavam-na como irmã, oferecendo-lhe não apenas aceitação, mas um novo sentido de pertencimento e dignidade.

— Abelhinhaaaaa! – Mattheo invadiu o quarto com sua energia característica, interrompendo o cenário tranquilo e com um sorriso travesso no rosto. — Você sabe que nosso aniversário está próximo, e será festejado no château da nossa família. A viagem será antecipada, pelo que ouvi na conversa de papai com nosso irmão. – Ele pegou um pedaço da torta de amora que estava à frente de Anna, sem cerimônia, e mordeu com prazer. — E tem mais. Papai acabou de contar a Nicolas que um amigo da família tem a intenção de cortejá-la.

Annabelle estremeceu. Sua mão, que segurava a xícara de chá, vacilou momentaneamente, e seus olhos se arregalaram. Ela se recostou na cadeira, surpresa, tentando processar o impacto da notícia.

Seu pai sempre fora tão inflexível quanto ao que dizia respeito aos pretendentes que surgiam em sua vida. Embora já tivesse tido dois cavalheiros que tentaram cortejá-la, ambos eram de famílias com menos prestígio, e seu pai os recusara sem hesitar. Eram, sem dúvida, boas propostas para qualquer outra jovem, mas não eram do tipo que o Sr. Bonnet aceitava para sua filha.

Ela fitou Mattheo por um instante, o olhar confuso e pensativo.

— Quem é esse “amigo da família”? – Perguntou, tentando disfarçar a ansiedade em sua voz. Ela sabia que qualquer cortejo de um homem de prestígio poderia mudar muito de sua vida, mas estava longe de imaginar que o destino a levaria por esse caminho tão rapidamente.

Mattheo deu de ombros, com um sorriso divertido.

— Não sei, Abelhinha. Mas, pelo visto, ele deve ser alguém importante para papai querer colocar as mãos na massa.

Annabelle suspirou, desviando o olhar para o céu azul que se estendia além do jardim. O peso das expectativas familiares pairava sobre ela, como uma sombra, e ela sabia que, embora o que estivesse por vir fosse uma grande mudança, não seria uma escolha inteiramente sua. Desde pequena, o destino de sua vida parecia já traçado pelas expectativas de seu pai e pela pressão da sociedade, e aquele momento não seria diferente.

— Não fique nervosa, Anna. –  Felicity, com sua calma característica, tentou tranquilizá-la, oferecendo um sorriso reconfortante. — O Sr. Bonnet não escolheria um mal pretendente para você. –  Ela pausou por um instante, como se quisesse lhe dar segurança antes de continuar. — Quando aquele Barão inglês quis cortejá-la, o Sr. Bonnet não permitiu, e, semanas depois, foi descoberto que ele tinha um temperamento violento. Ouvi dizer que tentou agredir uma jovem por não querer dançar com ele.

Annabelle não pôde evitar um arrepio. Ela se lembrou do Barão inglês, cujas investidas haviam sido cortadas de forma abrupta e sem apelo. As palavras de Felicity trouxeram-lhe algum alívio, mas a incerteza ainda pairava sobre ela. O medo de ser novamente pressionada a seguir um caminho que não escolhera nunca a deixava completamente à vontade, e essa nova situação parecia ser mais uma prova de que sua liberdade era limitada.

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