Jogos de Mentiras Pelo Poder

Jogos de Mentiras Pelo Poder

Capítulo 1 Narrado por Laura Fernandez

"Em tudo que fizeres, lembra-te do teu fim..."

O que é o inferno?

O dicionário dirá que é um lugar onde os pecadores são punidos por toda a eternidade. Mas, para mim, o verdadeiro inferno não é um lugar físico. Ele se esconde nos cantos mais sombrios da mente, onde memórias dolorosas aguardam o momento certo para emergir e nos atormentar.

São lembranças que trocaríamos por qualquer coisa para esquecer. Instantes que jamais reviveríamos, mesmo que escapar deles custasse a própria alma. Porque, uma vez fora do inferno, não ousamos falar sobre ele. Só de pensar, o corpo se arrepia, a espinha congela e o frio toca a alma. Fugir é a única saída. Prometi a mim mesma que nunca mais me arrastaria naquele chão imundo, implorando por um milagre entre lágrimas.

— Tem certeza disso? — minha voz rompe o silêncio, baixa e rouca. Os dedos traçam o lençol amarrotado, enquanto permaneço de bruços. Sinto o peso do olhar dele sobre mim.

Braços fortes envolvem minha cintura, firmes demais para confortar, embora suaves o suficiente para me manter cativa.

— Claro que tenho, amor. "Confía en mí" — responde, sua voz melódica e quente contrastando com a frieza calculada em seus olhos.

Uma de suas mãos pousa em meu ombro, o toque gentil demais para ser verdadeiro. Mas, para mim, carrega intenções ocultas. Um suspiro escapa dos meus lábios, carregado com o peso de tudo que sei — e de tudo que ignoro.

— Eu confio em você — murmuro, tentando soar firme, ainda que não me sinta assim. — Se não confiasse, jamais aceitaria essa loucura.

O sorriso que se forma em seu rosto faz minha pele se arrepiar. Há algo de satisfeito e perigoso naquele sorriso, como se ele já tivesse vencido um jogo que mal começou.

— Não faz essa cara. É uma loucura que vai nos deixar milionários. "No lo olvides."

O tom despreocupado mascara uma faísca ardilosa no olhar.

— Ele realmente disse que vai pedir a minha mão hoje? — pergunto, mantendo a voz neutra enquanto minha mente fervilha.

— Disse. Leonardo é um tolo apaixonado, Laura. E você... você duvidava do seu charme." Nunca subestime el poder de una mujer hermosa "— acrescenta, o desprezo embebido em cada palavra, junto a algo mais escuro. Rancor, talvez. Ou ódio.

Sento-me devagar, puxando os lençóis contra o corpo, como se pudessem proteger algo além da minha pele. Ele fica ao meu lado, o olhar frio e calculista. O silêncio se estende, tenso, até que ele sorri outra vez — um sorriso duro, como uma máscara.

— Às vezes, a forma como você fala me dá arrepios — confesso, a voz quase um sussurro.

Ele ri, mas o som é seco, cortante, como vidro estilhaçado.

— Enquanto estiver do meu lado, "mi amor", não há o que temer. — Ele se inclina e traça o contorno do meu rosto com a ponta dos dedos. Instintivamente, encolho-me, um gesto mínimo, mas ele percebe. Claro que percebe. — Eu jamais te faria mal. Eu te amo. Não se esqueça disso.

Ele me beija. Um beijo possessivo, cheio de promessas nas quais não consigo acreditar.

Fecho os olhos e permito o beijo, mesmo que haja algo de vazio nele, mas um alarme silencioso ressoa dentro de mim.

Ele me tirou do inferno, mas esse é um jogo poderoso, e eu sou apenas uma peça. E, no xadrez da vida, ninguém hesita em sacrificar um peão para atingir seu objetivo.

— Por que o silêncio? — pergunta, com uma suavidade que soa quase carinhosa.

— Nada demais. Estava apenas pensando — minto, desviando o olhar para a janela.

Ele me estuda por um segundo a mais do que deveria, tentando decifrar algo. Por fim, afasta-se e começa a se vestir.

— Sabe qual é a parte que mais odeio nesse plano? — digo, tentando mudar de assunto. — Ser madrasta da Maria Júlia. Aquela garota é insuportável.

Leonardo, o nosso alvo e se tudo der certo o meu futuro noivo. É um viúvo milionário que está a frente de uma das maiores empresas do estado. É um homem carismático e seguro, mas como tudo na vida, ele também traz suas complexidades. Neste caso, elas vêm na forma de seus filhos.

São três. Nicolle e Erick, a caçula e o filho do meio, me adoram. Veem em mim a possibilidade de uma nova vida para a família, e tratam-me com carinho e admiração. Já Maria Júlia é diferente.

Maju, como todos a chamam — menos eu, porque sei o quanto ela detesta ouvir seu nome completo —, é o único obstáculo no que seria uma conveniência perfeita. Apesar de se comportar como uma criança mimada sempre que o assunto é meu relacionamento com Leonardo, a verdade é que ela tem a minha idade. E, diferente de muitas pessoas da nossa faixa etária, Maju já conquistou tudo o que outros passam a vida inteira sonhando: dinheiro, um cargo importante, influência e poder.

Eu tento me convencer do que muitos dizem sobre pessoas como ela: que só chegou onde chegou porque é filha de quem é. Mas a verdade, por mais amarga que seja, é que isso não se aplica a Maria Júlia. Se fosse verdade, Erick, o irmão dela, deveria ter metade de sua ambição ou sucesso. No entanto, ele não chega nem perto do brilho ou das conquistas da irmã.

Maria Júlia, com toda a sua arrogância e aura de superioridade, é uma mulher de caráter questionável, para dizer o mínimo.

Mas não posso negar o óbvio: ela é brilhante. Inteligente de um jeito quase irritante, do tipo que parece estar sempre um passo à frente de todos na sala. Ela é o tipo de pessoa que incomoda porque desafia, que provoca porque sabe que pode.

E, no fundo, sei que Maju não é apenas uma pedra no caminho. Ela é um lembrete cruel de que nem tudo será fácil. Talvez, por isso mesmo, minha vontade de vencê-la cresça a cada dia.

— Cariño mío, dizem que é melhor um inimigo declarado do que um falso amigo — ele diz, abotoando a camisa. — Pelo menos você sabe de onde vêm os tiros.

Levanto-me e encaro meu reflexo no espelho. Meus olhos, por mais maquiados que estejam, não escondem a incerteza.

— Já vai?

— Sim. Preciso dar apoio moral ao nosso querido Leonardo. — Ele sorri, satisfeito. — Por favor, vista-se bem e tente não cair nas provocações da Maju.

— Não se preocupe. Se Leonardo me pedir em casamento, a garota vai ficar tão atordoada que nem terá forças para me provocar.

— Esse é o espírito — ele diz, antes de sair.

O silêncio que fica é sufocante. Respiro fundo, mas o ar pesa no peito. Olho-me mais uma vez no espelho e me pergunto: a que distância estou realmente do inferno? Porque, às vezes, mesmo ao fugir dele, carregamos suas chamas dentro de nós.

Escolhi meu melhor vestido, caprichei na maquiagem e finalizei com um sorriso confiante no rosto.

— A noite promete — murmurei para o espelho, rindo de leve, um eco de animação misturado à ansiedade.

Não demorei a chegar à mansão da família Torres. O segurança me deixou entrar com um leve aceno, mas, por mais que tentasse parecer descontraída, aquela casa era deslumbrante e intimidante. O jardim vasto e adornado, a área externa luxuosa, a piscina reluzente como um espelho que refletia as estrelas... Eu não estava apenas em uma festa; eu estava em um universo que parecia estar a anos-luz de distância do meu cotidiano.

Assim que passei pelas portas grandiosas, fui recebida por Lúcia, a empregada que parecia conhecer cada canto daquela casa. O carinho que a família Torres tinha por ela era palpável. Eu sabia que conquistar sua simpatia poderia ser um passo inteligente.

— Boa noite, Lúcia — disse, segurando suas mãos por um momento, notando o brilho de seu olhar. Desde o início, percebera que ela gostava de conversar, então investia nesse contato como uma forma de me inserir nesse mundo tão diferente. — Sua filha conseguiu vir visitá-la neste fim de semana?

— Infelizmente, não. O meu genro teve um problema no trabalho, mas ela me garantiu que virá em outra oportunidade.

— Que pena. Eu gostaria muito de conhecê-la, mas acredito que não faltarão chances.

— Certamente. O senhor Leonardo está na sala com alguns convidados. — Ela disse, começando a me guiar pela casa, cada passo me levando a um mundo que sentia ser desafiador.

— Espero não estar muito atrasada — murmurei, tentando deixar transparecer leveza, embora meu coração acelerasse.

— Não se preocupe. A senhora não é a última a chegar. A Maju ainda não chegou.

— Por favor, não me chame de senhora. — A leveza no meu tom contrastava com a seriedade que transparecia em seu rosto. — E que alívio saber que não sou a última, não gostaria de atrair toda a atenção para mim.

Ao entrar na sala, um caloroso fluxo de vozes me envolveu. Reconheci alguns rostos, mas, entre todos, um em especial me chamou a atenção. Um homem de expressão descontraída me ofereceu um leve sorriso encorajador, como se dissesse: "Relaxe e não faça besteiras". Meu coração se aqueceu.

— Meu amor, que bom que você chegou — Leonardo disse, vindo em minha direção antes que eu pudesse processar. Ele me abraçou com ternura, os lábios se encontrando levemente, e eu fui envolvida por uma segurança momentânea.

— Me desculpe pelo atraso. Você sabe como sou distraída e acabo perdendo a noção do horário.

— Não se preocupe, Laura. Esta festa é em sua homenagem, e ela só começa com você aqui.

— Festa? Você disse que seria apenas um jantar em família. — Eu o olhei com uma sobrancelha levantada, mas a expressão dele me disse que estava satisfeito com o que havia feito.

— Eu sei, amor, mas tomei a liberdade de convidar alguns amigos próximos. São pessoas que você já conhece. Tenho certeza de que você ficará confortável. Só estamos esperando a Maju chegar.

— Falando nisso, onde ela está?

— Está resolvendo algo na empresa e provavelmente perdeu a hora, mas mandei o Santiago buscá-la.

— Santiago?

— Santiago Reis, namorado da Maju. É um jornalista excelente. Você ainda não o conheceu porque ele estava fora em uma reportagem.

Fingi interesse, mas minha mente começou a evocar uma série de pensamentos. Então, Maju tem um namorado. Pobre rapaz, pensei, enquanto mal podia imaginar o que ele tinha pela frente.

— Laura, você está linda! — Nicolle e Erick se aproximaram, trazendo um frescor à conversa.

— Obrigada. Vocês também estão maravilhosos.

— A ocasião merece — Erick comentou, batendo no ombro de Leonardo e piscando para mim.

— Que ocasião? — perguntei, com uma precipitação leve, fingindo surpresa.

— Logo você saberá, querida. Venha, vou apresentá-la aos meus amigos. — Leonardo me puxou com uma gentileza protetora, como se quisesse me resguardar do desconhecido.

— Laura, este é o Garro, meu braço direito na empresa. Você já o conhece, mas agora é diferente. — Ele sorriu. — E este é Gabriel, meu grande amigo. O considero como um irmão.

— É um prazer revê-los. Espero que possamos nos dar bem, já que são tão importantes para o Leonardo. — Cumprimentei-os, transmitindo uma simpatia que sinceramente não sentia.

— Não se preocupe. Desde que cuide bem do meu amigo, não teremos problemas — brincou Gabriel, seu sorriso um conforto momentâneo.

— Digo o mesmo — acrescentou Garro, enquanto Leonardo os abraçava num laço de camaradagem.

A atmosfera leve foi interrompida com a entrada de Maju. Sua presença parecia engole-la toda, e quando ela olhou em nossa direção, senti um frio na barriga. Olhando-me de cima a baixo, a expressão de desprezo sutil estava ali, cravada em seu olhar como uma adaga: ela me olhava como se eu fosse apenas um adereço na festa, algo quase irrelevante.

— Finalmente, filha. Só faltava você — disse Leonardo, a animação em sua voz contrastando com o ar apático de Maju.

— Percebi, papai. Desculpe, acabei me esquecendo do jantar. Não sei por que não dei importância a um compromisso tão… singelo. — Ela sorriu de um jeito que não chegava aos olhos, e a expressão sarcástica pairou ali antes de ela se desviar.

— Não se preocupe, filha. No momento certo, todos saberão. — Ele se afastou, já perdido em outra conversa, completamente alheio ao clima de desdém que Maju exalava.

— Quanto mistério, não é? — Maju comentou, seu olhar cravado em mim, como se estivesse esperando qualquer deslize, qualquer fraqueza que pudesse explorar.

— Também acho tudo muito misterioso. Mas, não se preocupe, Maria Júlia. Tenho certeza de que será algo que você vai adorar. — O sorriso de Maju desapareceu num instante, e eu a vi revirar os olhos ao ouvir seu nome completo. O desprezo dela era como um golpe, tão claramente expresso que minha empolgação vacilou.

— Não estou tão certa disso. Da última vez que meu pai disse que tinha uma surpresa, ele apareceu com uma secretária e declarou que era o amor da sua vida. — O tom de Maju, quase sussurrante, esbanjava sarcasmo enquanto ela se afastava, deixando Santiago para trás. Senti um desconforto crescente com a troca de olhares entre eles, como se eu fosse a intrusa em um momento privado.

— Me desculpe por isso. Às vezes, Maju não mede as palavras — disse Santiago, visivelmente constrangido. Seus olhos se fixaram em mim com uma compreensão que me fez sentir um pouco melhor.

— Não precisa se desculpar. Ainda tenho esperança de que possamos nos entender. — Fiz uma pausa, tentando transmitir confiança, mas no fundo, a insegurança ainda me consumia.

— Assim espero. A propósito, sou Santiago, namorado da Maju. — Ele estendeu a mão, um gesto que eu reconheci como uma tentativa sincera de aproximação.

— Prazer, eu sou Laura. — Nosso aperto de mãos foi firme, e percebi como Santiago possuía uma aura de compreensão. Ele parecia ser um bom sujeito, alguém que poderia realmente fazer a diferença.

Conforme a conversa avançava, notei como Santiago se mostrava educado, inteligente e tranquilo. Era tão diferente de Maju, e não pude evitar a curiosidade sobre o que alguém tão amável estaria fazendo com uma mulher como ela. Com um pensamento quase automático, me peguei lamentando: ele certamente merece alguém melhor.

Mas, nesse momento de contemplação, fui interrompida pelo avançar de Maju. Ela se aproximou com uma postura que exigia atenção, seu olhar superior quase palpável. A arrogância transparecia em cada movimento seu.

— Desculpe interromper. Parece que o papo está bom, mas preciso pegar o Santiago emprestado por um momento. Espero que você não se importe — disse Maju com um sorriso educado, mas havia um brilho de desdém em seus olhos enquanto me avaliava, como se eu fosse apenas uma inconveniente.

— Claro, sem problemas. — Minha resposta saiu mais rápida do que eu gostaria, mas o desconforto crescia em mim. À medida que me afastava, deixando os dois sozinhos, não pude evitar sentir a verdadeira natureza de Maju e sua falta de consideração pelos outros. E eu estava ansiosa para ver sua decepção ao saber o motivo por trás daquele jantar.

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Comments

A.Maysa

A.Maysa

Bem-vinda de volta autora
e pelo jeito com mais uma história espetacular

2025-01-07

3

Lory Mebarack

Lory Mebarack

Obrigada pelo carinho e pela recepção . Espero que assim seja.

2025-01-07

2

UsuárioMengo

UsuárioMengo

Os demônios que mais nos atormentam são aqueles que criamos em nossa mente.

2025-01-23

0

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