Jamais pensei que minha casa pudesse, um dia, se tornar um dos lugares onde eu menos gostaria de estar.
Desde o momento em que meu pai anunciou o jantar, minha mente se ocupou apenas em bolar uma forma de escapar desse compromisso indesejado. O plano era perfeito: ficaria na empresa até tarde, trabalharia nos novos contratos, procurando brechas para aumentar os lucros, e, em seguida, sairia para beber em boa companhia.
Mas como tudo na minha vida ultimamente, as coisas não saíram como planejado. Santiago apareceu, praticamente me arrastou até aqui e destruiu qualquer esperança de uma noite tranquila. É nisso que penso enquanto observo, entediada, o líquido âmbar girando em minha taça.
— Sinceramente, não sei por que você implica tanto com ela — Santiago interrompe meu devaneio, iniciando mais um monólogo que não poderia me interessar menos.
Ele segue elogiando Laura desde o momento em que o arrastei para longe dela. Aparentemente, todos caem no encanto dessa mulher, menos eu.
— Façamos o seguinte, Santiago — digo, esvaziando minha taça e deixando-a sobre a mesa mais próxima. — Chega de falar dessa mulher. Eu estou exausta e tudo o que quero é ouvir qualquer bobagem que meu pai tem para propor. Depois, vou dormir. E dependendo do meu humor, decido se você pode ou não se juntar a mim. Estamos entendidos?
— Perfeitamente. A senhora é quem manda — ele responde, fazendo uma continência exagerada, e, contra a minha vontade, um sorriso escapa.
O tilintar de uma colher contra uma taça me traz de volta à realidade. A voz feliz do meu pai preenche o ambiente, atraindo a atenção de todos.
— Por favor, um minuto da atenção de vocês — ele pede, sorrindo com o ar satisfeito que só ele consegue exibir. — Reuni todos aqui hoje porque, de uma forma ou de outra, vocês são as pessoas mais importantes da minha vida. Afinal, quem mais estaria presente nos melhores momentos senão aqueles que mais importam?
Sinto um toque leve no braço e vejo Nicolle entrelaçá-lo com o dela. Ela me oferece um sorriso sincero, que retribuo com um movimento discreto.
Meu pai continua, fazendo seus discursos habituais sobre amigos leais, colaboradores exemplares e, inevitavelmente, sobre seus filhos.
— Maju, estou muito orgulhoso de você, minha filha. Você tem feito um trabalho excelente. — Ele sorri para mim com um orgulho visível, como se meu esforço fosse a maior de suas realizações.
Retribuo com um sorriso educado, enviando-lhe um beijo no ar, mas suas palavras ecoam de forma diferente em minha mente. "Estou orgulhoso." É isso que o deixa feliz? O meu desempenho na empresa?
Esse é o único motivo pelo qual sou a "filha favorita". Quando falam isso, esquecem de mencionar que sou apenas uma peça importante do maquinário que mantém tudo funcionando. Não há amor incondicional. Não há afeto genuíno. Apenas resultados.
— E por falar em família… — Meu pai continua, sua voz carregada de emoção. — Eu havia perdido a esperança no amor. Achava que esse sentimento era coisa de jovens, que para mim já não fazia mais sentido. Felizmente, estava enganado. Desde que você entrou na minha vida, Laura, meus dias se tornaram melhores.
Minha atenção se volta para ele no instante em que vejo Laura ganhar destaque em seu discurso. Meu coração aperta de uma forma que não sei explicar, mas disfarço perfeitamente.
— Não quero perder mais tempo — ele prossegue, tirando uma pequena caixa do bolso do paletó. — Laura Fernandez, você aceita se casar comigo?
O salão fica em silêncio por um momento antes de explodir em aplausos e suspiros emocionados. Laura leva as mãos ao rosto, claramente em lágrimas. Com voz trêmula, ela diz "sim". Meu pai a beija e coloca o anel em seu dedo.
A reação ao redor é quase unânime: todos se reúnem ao redor deles, sorrindo, cumprimentando e celebrando. Erick e Nicolle também se afastam para parabenizar os noivos.
Eu permaneço onde estou, imóvel, com Santiago ao meu lado. Ele parece cauteloso ao me observar, esperando uma explosão.
Mas não vou dar esse gostinho. Não para Laura.
— Vamos cumprimentar ou vamos ficar plantados aqui? — Santiago pergunta, tentando medir minha reação.
— Adivinha — respondo, puxando sua mão e caminhando até onde meu pai e Laura estão.
Ela me olha, como se esperasse um ataque. Vejo um brilho de expectativa mal disfarçada em seus olhos, mas não vou me dar ao trabalho.
— Papai, parabéns — digo, abraçando-o. Sinto-o hesitar, talvez surpreso com minha postura, mas ele me abraça de volta.
— Obrigado, filha. Fico feliz que esteja aceitando bem essa novidade.
"Não se iluda, papai", penso, mantendo o sorriso no rosto.
— Parabéns, Laura — digo, abraçando-a também. Ela retribui com certo desconforto. — Parece que você conseguiu o que tanto queria — sussurro em seu ouvido, suficientemente baixo para que apenas ela ouça.
Ela se encolhe por um breve segundo, mas logo recupera a pose e sorri, confiante.
— Não sabe o quanto estou feliz — responde com doçura fingida. — Vamos nos dar muito bem, você vai ver.
"Veremos", penso, afastando-me.
O jantar prossegue como se nada tivesse acontecido. Participo das conversas, sorrio e ouço atentamente o projeto do meu padrinho, Gabriel, um historiador apaixonado que está desenvolvendo um novo livro. O tema desperta meu interesse, mas tento não demonstrar empolgação. Sei que meu pai não aprova distrações como essa.
Enquanto os outros celebram o que acreditam ser um recomeço feliz para o meu pai, eu observo tudo com a calma de quem aguarda o momento certo. Laura pode achar que venceu uma batalha, mas a guerra está longe de acabar.
Eu não confio nela. E, a partir de agora, vou estar mais atenta do que nunca.
O jantar continuou como se nada tivesse acontecido, mas o gosto amargo do momento anterior ainda pairava em minha boca. A noiva do meu pai estava agora cercada pelos convidados, distribuindo sorrisos como se fossem brindes em uma festa qualquer. Todos a adoravam. Todos, menos eu.
Enquanto observava Laura interagir, minha mente trabalhava incessantemente. Não era apenas ciúme ou orgulho ferido. Era algo mais profundo. Havia algo em Laura que não se encaixava, como uma peça errada em um quebra-cabeça. E eu não descansaria até descobrir o que era.
— Está tudo bem? — Nicolle perguntou, voltando ao meu lado com duas taças de vinho.
— Claro — respondi com um sorriso automático. — Por que não estaria?
Ela arqueou a sobrancelha, me lançando aquele olhar de “não me engane” que já conhecia tão bem.
— Você não consegue disfarçar quando algo te incomoda, Maju. Fala logo.
Dei de ombros, pegando a taça de vinho que ela oferecia.
— Estou apenas um pouco cansada . Nada com o que me preocupar.
Nicolle suspirou, claramente não convencida, mas optou por não insistir. Ela sabia que eu falaria no meu tempo, como sempre.
Enquanto os brindes começavam, Santiago retornou ao meu lado, trazendo dois pedaços de bolo.
— Alguma aposta de quanto tempo isso vai durar? — ele sussurrou, inclinando-se para que só eu ouvisse.
Sorri, mas era um sorriso frio.
— Não faço apostas quando já sei o resultado.
Santiago riu baixo, mas seu olhar se manteve atento em mim. Ele conhecia meu humor, talvez melhor do que eu mesma, e sabia que algo estava prestes a acontecer.
Quando o jantar terminou, os convidados começaram a se dispersar. Eu observei enquanto Laura permanecia ao lado do meu pai, segurando seu braço como se ele fosse a única âncora em um mar turbulento. Ela era boa nisso. Muito boa.
Antes que pudesse me conter, minhas pernas se moveram sozinhas. Caminhei até onde ela estava, ignorando o olhar curioso do meu pai.
— Laura, será que podemos conversar? — perguntei com um tom doce que me surpreendeu.
Ela hesitou por um momento, mas o olhar do meu pai parecia pressioná-la a aceitar.
— Claro, Maju.
Nos afastamos para um canto mais reservado, onde ninguém poderia nos ouvir. Quando estávamos suficientemente longe, minha expressão mudou.
— Eu não sei quais são suas intenções com o meu pai, mas vou descobrir — comecei, minha voz baixa, mas firme. — Ele pode estar cego pelo encanto que você exerce, mas eu não estou.
Laura cruzou os braços, seu sorriso desaparecendo.
— Entendo sua preocupação, Maju. Mas você não precisa me tratar como uma inimiga. Eu amo seu pai.
Ri de leve, sem humor.
— Amar? Vocês mal se conhecem. Tenho certeza de que isso não é amor, nem paixão. É evidente que tudo se resume a dinheiro e poder, e não adianta negar.
Ela piscou algumas vezes, como se tentasse absorver o que eu havia dito.
— Sei que nossa relação começou rápido demais, e entendo que você pense assim. Mas vou provar que estou aqui pelas razões certas.
— Provar? — repeti, inclinando-me ligeiramente para frente. — Não se incomode. Eu mesma vou provar o contrário.
Antes que ela pudesse responder, me afastei. Não havia mais o que dizer naquela noite.
Enquanto caminhava em direção à saída, Santiago se aproximou novamente, sua expressão carregada de preocupação.
— Maju, você não está pensando em atrapalhar os planos do seu pai, está? Ele está apaixonado, está feliz... por favor, não se intrometa.
— Apaixonado? Planos? — rebati, esboçando um sorriso que não chegou aos meus olhos. — Eu chamo isso de loucura.
Santiago balançou a cabeça, desaprovando.
— Chame do que quiser, mas não interfira. Seu pai está apaixonado, e se você se meter, será vista como a errada.
Suspirei e me afastei, frustrada.
O que ele espera de mim? Que eu fique parada enquanto essa mulher faz o que bem entende?
Ele sabe que quando eu tomo uma decisão, não há volta.
Eu não sabia ainda o que Laura escondia, mas estava disposta a descobrir. Ela podia ter conseguido o que queria por enquanto, mas a batalha estava apenas começando.
E, diferente do meu pai, eu jogava para ganhar.
Saio da casa e caminho pelo jardim, deixando que a brisa leve me envolva. As folhas se movem suavemente, acompanhando o ritmo do vento. Esse contraste me agrada: lá dentro, o som de risadas e música clássica preenche o ambiente, enquanto aqui fora, o silêncio me acolhe, trazendo uma paz que raramente encontro.
— O que faz aqui tão sozinha, Maju? — A voz de Gabriel corta o ar, suave, mas inesperada. Me viro, encontrando seu sorriso familiar. Ele sempre parece carregar um peso de sabedoria, mas nunca me pressiona com ele.
Gabriel, meu padrinho, é alguém com quem sempre pude contar. Embora tenha a mesma idade do meu pai, seu jeito de pensar é mais livre, como se ele vivesse num tempo diferente, onde as respostas não precisam ser imediatas.
— Às vezes, é preciso sair do barulho para ouvir o que realmente importa. — Respondo, sorrindo de leve.
Ele se aproxima, apoiando-se em uma das pilastras do jardim, os olhos perdidos nas estrelas.
— Seu pai mencionou que você fechou um contrato importante recentemente. — Ele comenta, quase casualmente.
— Ele está contente. Estamos atingindo metas significativas.
— Seu pai está contente, a empresa está indo bem... mas e você, Maju? — Ele me encara, direto, com uma expressão que é ao mesmo tempo gentil e firme. — Você está feliz?
Dou uma risada curta e coloco a mão em seu ombro.
— Me dê uma garrafa do melhor uísque e prometo que serei a pessoa mais feliz do mundo. — Brinco, mas ele balança a cabeça, sem se deixar levar.
— Estou falando sério.
— Padrinho, eu tenho tudo o que deveria me fazer feliz: um bom emprego, um relacionamento estável, uma vida confortável. Não acha que é o suficiente?
— Só você pode responder isso, Maju. — Ele diz, pensativo. — De qualquer forma, quero que venha almoçar comigo um dia desses. Quero que veja minha pesquisa e leia o esboço do meu livro.
— Adoraria, mas minha agenda está cheia. Não posso me dar o luxo de me distrair.
— Distrair? Maju, você amava essas coisas. Se não pode transformar em profissão, por que não fazer disso um hobby?
— Porque é pior. — A resposta escapa antes que eu consiga me controlar, minha voz carregando uma mistura de frustração e resignação. — É pior, padrinho, entende? Voltar a algo que um dia foi tão importante, a minha paixão... É como revisitar uma memória que, mesmo sendo feliz, ainda tem o poder de machucar. Dói. Quanto tempo eu suportaria viver esse momento antes de querer me entregar completamente a isso e deixar minhas obrigações de lado? Meu pai ficaria decepcionado. Ele faria, mais uma vez, aqueles discursos sobre como é necessário abrir mão de muitas coisas, dos próprios desejos...
Suspiro, desviando o olhar. Eu sei que também ficaria decepcionada. Seria como ficar à beira de algo que me preenche, sabendo que é impossível mergulhar. O fim sempre chega rápido demais, como um acordo silencioso que fiz comigo mesma: nunca deixar que aquilo volte à superfície.
— Você não vai saber se não tentar. — Ele insiste. Seu tom é gentil, mas firme.
Olho para o céu, buscando respostas que sei que não vou encontrar.
— Tentar não muda nada, Gabriel. O resultado seria o mesmo. Experimentar aquele instante de pertencimento só para vê-lo desaparecer de novo... Não vale a pena. É melhor evitar.
Sei exatamente o que estou dizendo. É como estar num lugar onde o tempo não existe, mas também não dura. Não é a vida, é uma pausa. Um intervalo entre quem você é e quem gostaria de ser.
— Parece que já não estamos falando sobre a mesma coisa. — Ele comenta, desconfiado.
— Talvez não. — Respondo, deixando um sorriso melancólico escapar. — Mas, no fim, ambas são impossíveis.
Ele hesita, como se quisesse insistir, mas decido encerrar a conversa.
— Preciso ir, padrinho. Quero encontrar o Santiago e ouvir sobre a viagem dele. Preciso me distrair.
— Tudo bem, Maju. Só queria dizer que estou orgulhoso por você estar se comportando. — Ele faz uma pausa, medindo as palavras. — O Leonardo comentou sobre você e a Laura...
— Está aqui para garantir que eu não cometa nenhuma loucura? Não se preocupe. O segredo é esperar o momento certo para agir. Sou mais paciente do que pareço.
Seus olhos me seguem enquanto começo a me afastar. Ele não responde, mas posso sentir sua preocupação. Eu me viro, lanço um último olhar ao jardim e volto para a casa.
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Atualizado até capítulo 90
Comments
Maria Andrade
autora já estava com saudades de suas histórias
que bom que voltou a escrever e tenho certeza que está vai ser tão boa como todas as outras
2025-01-08
6
UsuárioMengo
Quem nunca tentou fugir de algum compromisso
2025-01-23
0
UsuárioMengo
Infelizmente, isso às vezes acontece
2025-01-23
0