"Um inimigo silencioso é como uma cobra à espreita: ataca apenas quando já é tarde demais para escapar."
Eu esperava outra reação de Maria Júlia, algo mais explosivo: que ela esperneasse, gritasse, me ofendesse ou dissesse que Leonardo havia enlouquecido de vez por querer se casar comigo. Mas isso não aconteceu, pelo menos não de imediato.
No primeiro momento, fiquei muito surpresa com a atitude dela. Ver Maria Júlia se aproximar para nos cumprimentar e parabenizar me fez até pensar, por um instante, que ela poderia estar se tornando um ser humano decente.
Mas o que ela fez foi muito pior. Reagiu bem. Demais. Óbvio que essa reação não durou muito.
Quando Maria Júlia me chamou para conversar, meu subconsciente gritava: não vá.
"Se você for, vai se arrepender", insistia aquela voz interior.
Mas, como sempre, ignorei. Fui até lá, pensando que, se ela estava cedendo, eu também podia.
Ledo engano.
Bastou ficarmos a sós para que a verdadeira Maria Júlia Torres mostrasse quem realmente era.
Ela não precisou gritar, mas lá estava, esbravejando, me acusando, ainda que sem palavras diretas, de ser uma vagabunda interesseira. Tudo bem sutil, mas tão óbvio que não havia como não perceber.
Quase sorri, satisfeita, porque era exatamente essa reação que eu esperava. Quase disse: seja bem-vinda de volta, Maju.
Mas preferi fingir. Fiz o papel da mulher apaixonada, embora fosse claro que Maju não estava disposta a ouvir.
Meus pensamentos vagavam por terrenos incertos quando fui arrancada deles pela voz suave de Leonardo.
— Querida, você está bem?
Forço um sorriso enquanto me viro para ele, escondendo qualquer traço de inquietação.
— Estou, sim. Só estou um pouco emocionada com o pedido. Você realmente conseguiu me surpreender.
Ele sorri, aquele sorriso desarmante que sempre me deixava sem palavras, e me envolve em um abraço caloroso.
— Essa era a intenção. E estava pensando... Talvez fosse uma boa ideia você vir morar aqui.
Por um momento, minha respiração falha. Tento disfarçar o impacto da proposta.
— Isso não é... um pouco precipitado? — pergunto, franzindo a testa. — As pessoas podem falar.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Meu amor, as pessoas falam de qualquer forma, do que sabem e do que não sabem, mas isso não importa. De qualquer forma, nos casaremos em breve e viveremos juntos.
Nunca, em toda a minha vida, imaginei estar nessa posição. Quando poderia sonhar que um homem como Leonardo — rico, bem-educado, com um sobrenome de peso — se interessaria por alguém como eu?
— E os seus filhos? — pergunto, hesitante.
— Tenho certeza de que eles não vão se opor. Meu maior medo era a reação da Maju, mas ela aceitou muito bem a notícia do casamento. Confesso que estava um pouco preocupado e até pedi ao Gabriel que ficasse atento, mas, felizmente, não foi necessário.
A menção a Maria Júlia faz minha pele arrepiar.
— A reação dela também me surpreendeu — falo, omitindo os detalhes sórdidos, tentando manter a voz neutra.
Nesse momento, Maria Júlia surge, aproximando-se com passos decididos. Seu rosto está sereno, mas há algo nos olhos dela que faz meu estômago revirar.
— Com licença — diz ela, educadamente, mas com uma firmeza que não passa despercebida. — Pai, vou passar a noite na casa do Santiago. Vou levar uma muda de roupa e, de lá, vou direto para a empresa. Tudo bem?
Leonardo hesita.
— Filha, estamos em um momento de comemoração. O ideal seria você ficar conosco...
Intervenho antes que ele termine a frase, sorrindo.
— Querido, acho que não tem nada de mais. Estamos apenas entre família e amigos. — Eu falo, e Maria Júlia estreita os olhos na minha direção, mas fica em silêncio apenas me analisando. — Eles ficaram afastados por um tempo. É natural que queiram aproveitar um pouco juntos, apenas os dois.
Enquanto eu falo, o rapaz se aproxima, colocando as mãos sobre o ombro de Maria Júlia, e ela sorri para ele. Parece um sorriso verdadeiro.
Leonardo pondera por um momento antes de assentir.
— Tudo bem, mas, por favor, Santiago, cuide bem da minha filha. E, Maju, não chegue tarde à empresa — recomenda Leonardo.
— Quanto a isso, não se preocupe, senhor Leonardo. Sempre cuidarei muito bem da Maju — o rapaz garante firme.
Vejo o esforço de Maria Júlia para não revirar os olhos.
— Pai, não se preocupe. Eu também sei me cuidar e estarei na empresa no mesmo horário de sempre.
Ela sorri, mas é um sorriso calculado, frio. Então, seus olhos se voltam para mim, medindo-me de cima a baixo. Lentamente, ela ergue uma sobrancelha, e sinto como se pudesse enxergar através de mim.
— Obrigada pela ajuda, Laura — diz, com uma falsa doçura que me faz estremecer. — Então, já estamos indo. Parabéns pela decisão, pai. Tenho certeza de que poderia ter escolhido melhor, mas enfim...
Ela se afasta, deixando o ambiente carregado.
E ali estava ela novamente: a cobra à espreita.
— Maria Júlia... — Leonardo a chama, firme, mas ela, de longe, apenas acena um breve tchau e desaparece do nosso campo de visão.
— Me desculpe por isso, Laura. Vou ter uma conversa séria com ela. Leonardo se lamenta, e eu apenas bebo mais um pouco do líquido em minha taça. Não tem jeito, nós dois sabemos que essa garota é uma chata que nunca vai mudar.
— Eu vou falar com ela. O tal Santiago diz e sai correndo como um cachorrinho abanando o rabinho atrás de sua dona.
— O que houve? Nicolle questiona, se juntando a nós.
— Maria Júlia. Leonardo diz simplesmente.
— Como sempre. Ela não se cansa, hein? Erick diz, com um tom de humor na voz.
— Sinceramente, eu esperava ter mais dificuldade com vocês dois do que com a Maria Júlia. Era para ela ser uma mulher adulta e madura, mas vocês dois lidaram muito melhor com esse assunto do que ela. Leonardo diz, e Erick ri.
— Pois é, papai, quem diria que a sua predileta lhe causaria tanto desgosto? Erick acusa, risonho, e eu acredito que ele já tenha bebido demais.
— Pelo amor de Deus, Erick, não começa você também. Leonardo diz, olhando firme para o filho, que encolhe os ombros.
— Estou apenas comentando. Não há motivos para estresse. Ele diz, pegando mais uma taça e saindo cambaleando um pouco.
— Acho melhor eu ir com ele. Nicolle diz, olhando para o pai e depois para mim. — Estou muito feliz por você e pelo papai, Laura. Não dê ouvidos ao que a Maju diz, não é nada pessoal. Esse é o jeito dela. Acho que ela é o karma de todos nessa família, e, bom, você meio que já é parte da nossa família. Ela diz, e eu acabo sorrindo.
— Acho que não conseguimos escapar do nosso karma, então. Digo, com humor, e Nicolle me abraça antes de sair para ir cuidar do irmão.
Seria tão bom se a Maria Júlia fosse assim atenciosa, carinhosa e, principalmente, que não me enchesse a paciência. Mas isso seria pedir muito dela.
O celular de Leonardo toca, e eu o encaro. Ele fica com os olhos fixos no aparelho.
— Me desculpe, querida, preciso atender. Ele diz com um semblante sério, mas parece ressentido por ter de sair assim.
— Não se preocupe, meu amor, estarei bem aqui quando você voltar. Eu digo, e ele sorri satisfeito e caminha rápido em direção ao seu escritório.
Me sirvo de mais uma taça de champanhe e me sento no sofá, apreciando o sabor da minha bebida.
— Posso me sentar aqui? A voz levemente rouca pergunta. Eu apenas concordo.
— Claro.
— Você não deveria exagerar na bebida. Lembre-se de que você não pode se dar ao luxo de se embriagar.
De novo isso, sempre a mesma coisa.
Deixo minha bebida de lado e o encaro com frustração.
— Eu não sou nenhuma estúpida. Eu sei reconhecer os meus limites, e não serão três ou quatro taças que irão me embriagar. Digo entre dentes, mas baixo o suficiente para que ninguém escute ou pense que estamos tendo uma discussão.
— Não estou dizendo isso, mas eu escutei o Leonardo te chamando para dormir aqui, então o ideal seria que você não bebesse tanto, para estar no controle da situação. Eu estou apenas preocupado com você. ¿Ya no puedo preocuparme por tu bienestar? Ele questiona, e eu apenas nego com a cabeça.
— Não precisa se preocupar com o meu bem-estar. Esse homem me adora, e convenhamos, não é a primeira vez que eu vou dormir com ele. Falo, e ele revira os olhos.
— Não precisa esfregar esse detalhe na minha cara. Vou esperar seu noivo voltar, e então irei me despedir e ir embora. Ele diz e se afasta de mim.
Olho para minha taça novamente e pondero entre pegar ou não, mas acabo optando por deixá-la de lado.
Após alguns minutos, Leonardo retorna e não me diz sobre o que era a ligação. Eu também não questiono; sei que, mais tarde, quando estivermos a sós, e se for algo importante, ele me contará.
— Com licença, Leonardo, Laura, parabéns mais uma vez pelo noivado. O jantar estava ótimo, mas eu já vou indo. Gabriel diz, estendendo a mão para Leonardo, que simplesmente o puxa para um abraço.
— Agradeço por ter vindo, meu amigo, e por favor, vê se não some. Ele diz com um sorriso.
— Não se preocupe quanto a isso. Gabriel garante com um sorriso.
— Também estou de saída. Garro anuncia.
— Mas ainda é cedo.
— Realmente, preciso ir. Nos vemos amanhã na empresa. Boa noite, senhorita Laura. Garro diz, me estendendo a mão, e eu aceito.
— Bom, já que é assim, então eu acompanho os dois até a porta. Leonardo diz, e os dois homens o acompanham. Eles saem conversando e rindo.
— Laura, você pode me ajudar com o Erick? Nicolle se aproxima, afobada.
— O que houve? Questiono, preocupada.
— Ele bebeu demais e eu preciso de ajuda para levá-lo até o quarto. Se o papai ver ele nesse estado, certamente vai ter briga.
— Tudo bem, então vamos logo — digo, acompanhando a garota até onde Erick está.
Depois de muito esforço, conseguimos levar o rapaz para o quarto.
Nicolle arranca os sapatos do irmão, tira a gravata e, depois, o cobre com o lençol.
— Obrigada, Laura, e desculpe por isso.
— Não se preocupe, Nicolle. Sempre que você precisar de ajuda com qualquer coisa, pode me pedir, está bem?
— Obrigada — ela diz, um pouco tímida, e eu beijo seu rosto. É muito fácil demonstrar carinho por Nicolle; essa é uma das poucas coisas que não preciso fingir, porque, de fato, sinto muito carinho por ela.
— Acho que ele só acorda amanhã. Melhor irmos; você também precisa descansar, e o Leonardo não demora a me procurar — falo, abraçando-a de lado enquanto caminhamos.
Assim que paramos na porta do quarto de Nicolle, ela me abraça novamente.
— Boa noite, querida, tenha bons sonhos.
— Boa noite, Laura — ela diz, entrando no quarto.
Quando me viro para ir até o quarto do Leonardo, vejo-o no início do corredor, me observando, e levo um susto.
— O que está fazendo?
— Estava te procurando. Todos os convidados já foram e, pelo jeito, você já colocou os meus filhos na cama.
— O Erick já deve estar no terceiro sono, e a Nicolle já foi para o quarto.
— Sim, eu vi vocês duas juntas. Ela te adora.
— E eu também gosto muito dela. Na verdade, gosto de todos os seus filhos. Se a Maria Júlia me desse apenas uma oportunidade, tenho certeza de que eu conseguiria conquistá-la — falo, fazendo uma brincadeira, e o Leonardo ri.
— Não se preocupe com isso, meu amor. Dê tempo ao tempo, e tudo vai se resolver. Agora vamos descansar— ele diz, e eu sorrio, o acompanhando para o quarto.
O quarto era vasto e impecável, com paredes de um cinza sóbrio que refletiam a frieza de seu ambiente. O teto alto parecia ampliar ainda mais o espaço vazio, onde poucos objetos pessoais quebravam a monotonia. No centro, repousava uma imensa cama de casal, perfeitamente arrumada, com lençóis brancos de algodão egípcio e almofadas em tons neutros, como se ninguém realmente a usasse.
À frente da cama, uma televisão enorme ocupava quase toda a largura da parede, conectada a um sistema de som discreto. O chão de madeira escura, quase gélido ao toque, estava livre de tapetes, reforçando a atmosfera impessoal. Ao lado, um closet de portas espelhadas estendia-se por uma parede inteira, escondendo seu conteúdo, mas sugerindo organização e uma preocupação meticulosa com a aparência.
Sobre o criado-mudo de vidro minimalista, repousavam apenas um relógio analógico caro, um livro de capa dura sem sinais de uso e uma pequena luminária com design moderno. Havia apenas dois quadros modernistas. Não havia fotografias ou qualquer outra coisa que denunciasse traços pessoais ou emoções.
O ar estava frio, cortado pelo leve zumbido de um ar-condicionado, e o cheiro era sutil, de um perfume amadeirado caro que se dissipava rapidamente. Esse quarto, assim como toda a casa, deixava claro que Leonardo valorizava conforto e estética, mas parecia muito mais algo feito por terceiros do que algo escolhido e pensado passo a passo por ele.
— Já coloquei a banheira para encher. Me acompanha no banho? — ele pede.
— Claro que sim, meu amor.
É estranho, sabe? Fazer algo tão íntimo com alguém com quem você não tem tanta intimidade. É difícil manter isso, ter que sempre tomar cuidado para não revelar demais, deixar saber apenas o que convém. E, quando deito na cama para ter intimidade, sei que, enquanto ele faz amor, eu faço apenas sexo, como um meio para chegar a um fim. E, por mais incrível que esse homem possa ser, por mais apaixonado que ele demonstre estar, eu não posso me sentir da mesma forma.
Ele ama alguém que não existe. Ele ama aquilo que eu inventei, porque, se eu tirar a máscara e permitir que vejam as minhas partes escuras, feias e quebradas, ninguém ficaria. Ninguém se interessa e tem paciência para brincar de quebra-cabeça. As pessoas gostam de amores tranquilos; o complicado assusta.
O complexo afasta.
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Atualizado até capítulo 90
Comments
A.Maysa
mais nem sempre amores tranquilo são bons porque não se sabe, se realmente á amor...quando a amor de verdade até suas parte mais escuras e o seu verdadeiro eu não irá importar porque será amada e aceita da mesma maneira ou até melhor, só se poder deixar amar por quem você é de verdade.
2025-01-09
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