"Em tudo que fizeres, lembra-te do teu fim..."
O que é o inferno?
O dicionário dirá que é um lugar onde os pecadores são punidos por toda a eternidade. Mas, para mim, o verdadeiro inferno não é um lugar físico. Ele se esconde nos cantos mais sombrios da mente, onde memórias dolorosas aguardam o momento certo para emergir e nos atormentar.
São lembranças que trocaríamos por qualquer coisa para esquecer. Instantes que jamais reviveríamos, mesmo que escapar deles custasse a própria alma. Porque, uma vez fora do inferno, não ousamos falar sobre ele. Só de pensar, o corpo se arrepia, a espinha congela e o frio toca a alma. Fugir é a única saída. Prometi a mim mesma que nunca mais me arrastaria naquele chão imundo, implorando por um milagre entre lágrimas.
— Tem certeza disso? — minha voz rompe o silêncio, baixa e rouca. Os dedos traçam o lençol amarrotado, enquanto permaneço de bruços. Sinto o peso do olhar dele sobre mim.
Braços fortes envolvem minha cintura, firmes demais para confortar, embora suaves o suficiente para me manter cativa.
— Claro que tenho, amor. "Confía en mí" — responde, sua voz melódica e quente contrastando com a frieza calculada em seus olhos.
Uma de suas mãos pousa em meu ombro, o toque gentil demais para ser verdadeiro. Mas, para mim, carrega intenções ocultas. Um suspiro escapa dos meus lábios, carregado com o peso de tudo que sei — e de tudo que ignoro.
— Eu confio em você — murmuro, tentando soar firme, ainda que não me sinta assim. — Se não confiasse, jamais aceitaria essa loucura.
O sorriso que se forma em seu rosto faz minha pele se arrepiar. Há algo de satisfeito e perigoso naquele sorriso, como se ele já tivesse vencido um jogo que mal começou.
— Não faz essa cara. É uma loucura que vai nos deixar milionários. "No lo olvides."
O tom despreocupado mascara uma faísca ardilosa no olhar.
— Ele realmente disse que vai pedir a minha mão hoje? — pergunto, mantendo a voz neutra enquanto minha mente fervilha.
— Disse. Leonardo é um tolo apaixonado, Laura. E você... você duvidava do seu charme." Nunca subestime el poder de una mujer hermosa "— acrescenta, o desprezo embebido em cada palavra, junto a algo mais escuro. Rancor, talvez. Ou ódio.
Sento-me devagar, puxando os lençóis contra o corpo, como se pudessem proteger algo além da minha pele. Ele fica ao meu lado, o olhar frio e calculista. O silêncio se estende, tenso, até que ele sorri outra vez — um sorriso duro, como uma máscara.
— Às vezes, a forma como você fala me dá arrepios — confesso, a voz quase um sussurro.
Ele ri, mas o som é seco, cortante, como vidro estilhaçado.
— Enquanto estiver do meu lado, "mi amor", não há o que temer. — Ele se inclina e traça o contorno do meu rosto com a ponta dos dedos. Instintivamente, encolho-me, um gesto mínimo, mas ele percebe. Claro que percebe. — Eu jamais te faria mal. Eu te amo. Não se esqueça disso.
Ele me beija. Um beijo possessivo, cheio de promessas nas quais não consigo acreditar.
Fecho os olhos e permito o beijo, mesmo que haja algo de vazio nele, mas um alarme silencioso ressoa dentro de mim.
Ele me tirou do inferno, mas esse é um jogo poderoso, e eu sou apenas uma peça. E, no xadrez da vida, ninguém hesita em sacrificar um peão para atingir seu objetivo.
— Por que o silêncio? — pergunta, com uma suavidade que soa quase carinhosa.
— Nada demais. Estava apenas pensando — minto, desviando o olhar para a janela.
Ele me estuda por um segundo a mais do que deveria, tentando decifrar algo. Por fim, afasta-se e começa a se vestir.
— Sabe qual é a parte que mais odeio nesse plano? — digo, tentando mudar de assunto. — Ser madrasta da Maria Júlia. Aquela garota é insuportável.
Leonardo, o nosso alvo e se tudo der certo o meu futuro noivo. É um viúvo milionário que está a frente de uma das maiores empresas do estado. É um homem carismático e seguro, mas como tudo na vida, ele também traz suas complexidades. Neste caso, elas vêm na forma de seus filhos.
São três. Nicolle e Erick, a caçula e o filho do meio, me adoram. Veem em mim a possibilidade de uma nova vida para a família, e tratam-me com carinho e admiração. Já Maria Júlia é diferente.
Maju, como todos a chamam — menos eu, porque sei o quanto ela detesta ouvir seu nome completo —, é o único obstáculo no que seria uma conveniência perfeita. Apesar de se comportar como uma criança mimada sempre que o assunto é meu relacionamento com Leonardo, a verdade é que ela tem a minha idade. E, diferente de muitas pessoas da nossa faixa etária, Maju já conquistou tudo o que outros passam a vida inteira sonhando: dinheiro, um cargo importante, influência e poder.
Eu tento me convencer do que muitos dizem sobre pessoas como ela: que só chegou onde chegou porque é filha de quem é. Mas a verdade, por mais amarga que seja, é que isso não se aplica a Maria Júlia. Se fosse verdade, Erick, o irmão dela, deveria ter metade de sua ambição ou sucesso. No entanto, ele não chega nem perto do brilho ou das conquistas da irmã.
Maria Júlia, com toda a sua arrogância e aura de superioridade, é uma mulher de caráter questionável, para dizer o mínimo.
Mas não posso negar o óbvio: ela é brilhante. Inteligente de um jeito quase irritante, do tipo que parece estar sempre um passo à frente de todos na sala. Ela é o tipo de pessoa que incomoda porque desafia, que provoca porque sabe que pode.
E, no fundo, sei que Maju não é apenas uma pedra no caminho. Ela é um lembrete cruel de que nem tudo será fácil. Talvez, por isso mesmo, minha vontade de vencê-la cresça a cada dia.
— Cariño mío, dizem que é melhor um inimigo declarado do que um falso amigo — ele diz, abotoando a camisa. — Pelo menos você sabe de onde vêm os tiros.
Levanto-me e encaro meu reflexo no espelho. Meus olhos, por mais maquiados que estejam, não escondem a incerteza.
— Já vai?
— Sim. Preciso dar apoio moral ao nosso querido Leonardo. — Ele sorri, satisfeito. — Por favor, vista-se bem e tente não cair nas provocações da Maju.
— Não se preocupe. Se Leonardo me pedir em casamento, a garota vai ficar tão atordoada que nem terá forças para me provocar.
— Esse é o espírito — ele diz, antes de sair.
O silêncio que fica é sufocante. Respiro fundo, mas o ar pesa no peito. Olho-me mais uma vez no espelho e me pergunto: a que distância estou realmente do inferno? Porque, às vezes, mesmo ao fugir dele, carregamos suas chamas dentro de nós.
Escolhi meu melhor vestido, caprichei na maquiagem e finalizei com um sorriso confiante no rosto.
— A noite promete — murmurei para o espelho, rindo de leve, um eco de animação misturado à ansiedade.
Não demorei a chegar à mansão da família Torres. O segurança me deixou entrar com um leve aceno, mas, por mais que tentasse parecer descontraída, aquela casa era deslumbrante e intimidante. O jardim vasto e adornado, a área externa luxuosa, a piscina reluzente como um espelho que refletia as estrelas... Eu não estava apenas em uma festa; eu estava em um universo que parecia estar a anos-luz de distância do meu cotidiano.
Assim que passei pelas portas grandiosas, fui recebida por Lúcia, a empregada que parecia conhecer cada canto daquela casa. O carinho que a família Torres tinha por ela era palpável. Eu sabia que conquistar sua simpatia poderia ser um passo inteligente.
— Boa noite, Lúcia — disse, segurando suas mãos por um momento, notando o brilho de seu olhar. Desde o início, percebera que ela gostava de conversar, então investia nesse contato como uma forma de me inserir nesse mundo tão diferente. — Sua filha conseguiu vir visitá-la neste fim de semana?
— Infelizmente, não. O meu genro teve um problema no trabalho, mas ela me garantiu que virá em outra oportunidade.
— Que pena. Eu gostaria muito de conhecê-la, mas acredito que não faltarão chances.
— Certamente. O senhor Leonardo está na sala com alguns convidados. — Ela disse, começando a me guiar pela casa, cada passo me levando a um mundo que sentia ser desafiador.
— Espero não estar muito atrasada — murmurei, tentando deixar transparecer leveza, embora meu coração acelerasse.
— Não se preocupe. A senhora não é a última a chegar. A Maju ainda não chegou.
— Por favor, não me chame de senhora. — A leveza no meu tom contrastava com a seriedade que transparecia em seu rosto. — E que alívio saber que não sou a última, não gostaria de atrair toda a atenção para mim.
Ao entrar na sala, um caloroso fluxo de vozes me envolveu. Reconheci alguns rostos, mas, entre todos, um em especial me chamou a atenção. Um homem de expressão descontraída me ofereceu um leve sorriso encorajador, como se dissesse: "Relaxe e não faça besteiras". Meu coração se aqueceu.
— Meu amor, que bom que você chegou — Leonardo disse, vindo em minha direção antes que eu pudesse processar. Ele me abraçou com ternura, os lábios se encontrando levemente, e eu fui envolvida por uma segurança momentânea.
— Me desculpe pelo atraso. Você sabe como sou distraída e acabo perdendo a noção do horário.
— Não se preocupe, Laura. Esta festa é em sua homenagem, e ela só começa com você aqui.
— Festa? Você disse que seria apenas um jantar em família. — Eu o olhei com uma sobrancelha levantada, mas a expressão dele me disse que estava satisfeito com o que havia feito.
— Eu sei, amor, mas tomei a liberdade de convidar alguns amigos próximos. São pessoas que você já conhece. Tenho certeza de que você ficará confortável. Só estamos esperando a Maju chegar.
— Falando nisso, onde ela está?
— Está resolvendo algo na empresa e provavelmente perdeu a hora, mas mandei o Santiago buscá-la.
— Santiago?
— Santiago Reis, namorado da Maju. É um jornalista excelente. Você ainda não o conheceu porque ele estava fora em uma reportagem.
Fingi interesse, mas minha mente começou a evocar uma série de pensamentos. Então, Maju tem um namorado. Pobre rapaz, pensei, enquanto mal podia imaginar o que ele tinha pela frente.
— Laura, você está linda! — Nicolle e Erick se aproximaram, trazendo um frescor à conversa.
— Obrigada. Vocês também estão maravilhosos.
— A ocasião merece — Erick comentou, batendo no ombro de Leonardo e piscando para mim.
— Que ocasião? — perguntei, com uma precipitação leve, fingindo surpresa.
— Logo você saberá, querida. Venha, vou apresentá-la aos meus amigos. — Leonardo me puxou com uma gentileza protetora, como se quisesse me resguardar do desconhecido.
— Laura, este é o Garro, meu braço direito na empresa. Você já o conhece, mas agora é diferente. — Ele sorriu. — E este é Gabriel, meu grande amigo. O considero como um irmão.
— É um prazer revê-los. Espero que possamos nos dar bem, já que são tão importantes para o Leonardo. — Cumprimentei-os, transmitindo uma simpatia que sinceramente não sentia.
— Não se preocupe. Desde que cuide bem do meu amigo, não teremos problemas — brincou Gabriel, seu sorriso um conforto momentâneo.
— Digo o mesmo — acrescentou Garro, enquanto Leonardo os abraçava num laço de camaradagem.
A atmosfera leve foi interrompida com a entrada de Maju. Sua presença parecia engole-la toda, e quando ela olhou em nossa direção, senti um frio na barriga. Olhando-me de cima a baixo, a expressão de desprezo sutil estava ali, cravada em seu olhar como uma adaga: ela me olhava como se eu fosse apenas um adereço na festa, algo quase irrelevante.
— Finalmente, filha. Só faltava você — disse Leonardo, a animação em sua voz contrastando com o ar apático de Maju.
— Percebi, papai. Desculpe, acabei me esquecendo do jantar. Não sei por que não dei importância a um compromisso tão… singelo. — Ela sorriu de um jeito que não chegava aos olhos, e a expressão sarcástica pairou ali antes de ela se desviar.
— Não se preocupe, filha. No momento certo, todos saberão. — Ele se afastou, já perdido em outra conversa, completamente alheio ao clima de desdém que Maju exalava.
— Quanto mistério, não é? — Maju comentou, seu olhar cravado em mim, como se estivesse esperando qualquer deslize, qualquer fraqueza que pudesse explorar.
— Também acho tudo muito misterioso. Mas, não se preocupe, Maria Júlia. Tenho certeza de que será algo que você vai adorar. — O sorriso de Maju desapareceu num instante, e eu a vi revirar os olhos ao ouvir seu nome completo. O desprezo dela era como um golpe, tão claramente expresso que minha empolgação vacilou.
— Não estou tão certa disso. Da última vez que meu pai disse que tinha uma surpresa, ele apareceu com uma secretária e declarou que era o amor da sua vida. — O tom de Maju, quase sussurrante, esbanjava sarcasmo enquanto ela se afastava, deixando Santiago para trás. Senti um desconforto crescente com a troca de olhares entre eles, como se eu fosse a intrusa em um momento privado.
— Me desculpe por isso. Às vezes, Maju não mede as palavras — disse Santiago, visivelmente constrangido. Seus olhos se fixaram em mim com uma compreensão que me fez sentir um pouco melhor.
— Não precisa se desculpar. Ainda tenho esperança de que possamos nos entender. — Fiz uma pausa, tentando transmitir confiança, mas no fundo, a insegurança ainda me consumia.
— Assim espero. A propósito, sou Santiago, namorado da Maju. — Ele estendeu a mão, um gesto que eu reconheci como uma tentativa sincera de aproximação.
— Prazer, eu sou Laura. — Nosso aperto de mãos foi firme, e percebi como Santiago possuía uma aura de compreensão. Ele parecia ser um bom sujeito, alguém que poderia realmente fazer a diferença.
Conforme a conversa avançava, notei como Santiago se mostrava educado, inteligente e tranquilo. Era tão diferente de Maju, e não pude evitar a curiosidade sobre o que alguém tão amável estaria fazendo com uma mulher como ela. Com um pensamento quase automático, me peguei lamentando: ele certamente merece alguém melhor.
Mas, nesse momento de contemplação, fui interrompida pelo avançar de Maju. Ela se aproximou com uma postura que exigia atenção, seu olhar superior quase palpável. A arrogância transparecia em cada movimento seu.
— Desculpe interromper. Parece que o papo está bom, mas preciso pegar o Santiago emprestado por um momento. Espero que você não se importe — disse Maju com um sorriso educado, mas havia um brilho de desdém em seus olhos enquanto me avaliava, como se eu fosse apenas uma inconveniente.
— Claro, sem problemas. — Minha resposta saiu mais rápida do que eu gostaria, mas o desconforto crescia em mim. À medida que me afastava, deixando os dois sozinhos, não pude evitar sentir a verdadeira natureza de Maju e sua falta de consideração pelos outros. E eu estava ansiosa para ver sua decepção ao saber o motivo por trás daquele jantar.
Jamais pensei que minha casa pudesse, um dia, se tornar um dos lugares onde eu menos gostaria de estar.
Desde o momento em que meu pai anunciou o jantar, minha mente se ocupou apenas em bolar uma forma de escapar desse compromisso indesejado. O plano era perfeito: ficaria na empresa até tarde, trabalharia nos novos contratos, procurando brechas para aumentar os lucros, e, em seguida, sairia para beber em boa companhia.
Mas como tudo na minha vida ultimamente, as coisas não saíram como planejado. Santiago apareceu, praticamente me arrastou até aqui e destruiu qualquer esperança de uma noite tranquila. É nisso que penso enquanto observo, entediada, o líquido âmbar girando em minha taça.
— Sinceramente, não sei por que você implica tanto com ela — Santiago interrompe meu devaneio, iniciando mais um monólogo que não poderia me interessar menos.
Ele segue elogiando Laura desde o momento em que o arrastei para longe dela. Aparentemente, todos caem no encanto dessa mulher, menos eu.
— Façamos o seguinte, Santiago — digo, esvaziando minha taça e deixando-a sobre a mesa mais próxima. — Chega de falar dessa mulher. Eu estou exausta e tudo o que quero é ouvir qualquer bobagem que meu pai tem para propor. Depois, vou dormir. E dependendo do meu humor, decido se você pode ou não se juntar a mim. Estamos entendidos?
— Perfeitamente. A senhora é quem manda — ele responde, fazendo uma continência exagerada, e, contra a minha vontade, um sorriso escapa.
O tilintar de uma colher contra uma taça me traz de volta à realidade. A voz feliz do meu pai preenche o ambiente, atraindo a atenção de todos.
— Por favor, um minuto da atenção de vocês — ele pede, sorrindo com o ar satisfeito que só ele consegue exibir. — Reuni todos aqui hoje porque, de uma forma ou de outra, vocês são as pessoas mais importantes da minha vida. Afinal, quem mais estaria presente nos melhores momentos senão aqueles que mais importam?
Sinto um toque leve no braço e vejo Nicolle entrelaçá-lo com o dela. Ela me oferece um sorriso sincero, que retribuo com um movimento discreto.
Meu pai continua, fazendo seus discursos habituais sobre amigos leais, colaboradores exemplares e, inevitavelmente, sobre seus filhos.
— Maju, estou muito orgulhoso de você, minha filha. Você tem feito um trabalho excelente. — Ele sorri para mim com um orgulho visível, como se meu esforço fosse a maior de suas realizações.
Retribuo com um sorriso educado, enviando-lhe um beijo no ar, mas suas palavras ecoam de forma diferente em minha mente. "Estou orgulhoso." É isso que o deixa feliz? O meu desempenho na empresa?
Esse é o único motivo pelo qual sou a "filha favorita". Quando falam isso, esquecem de mencionar que sou apenas uma peça importante do maquinário que mantém tudo funcionando. Não há amor incondicional. Não há afeto genuíno. Apenas resultados.
— E por falar em família… — Meu pai continua, sua voz carregada de emoção. — Eu havia perdido a esperança no amor. Achava que esse sentimento era coisa de jovens, que para mim já não fazia mais sentido. Felizmente, estava enganado. Desde que você entrou na minha vida, Laura, meus dias se tornaram melhores.
Minha atenção se volta para ele no instante em que vejo Laura ganhar destaque em seu discurso. Meu coração aperta de uma forma que não sei explicar, mas disfarço perfeitamente.
— Não quero perder mais tempo — ele prossegue, tirando uma pequena caixa do bolso do paletó. — Laura Fernandez, você aceita se casar comigo?
O salão fica em silêncio por um momento antes de explodir em aplausos e suspiros emocionados. Laura leva as mãos ao rosto, claramente em lágrimas. Com voz trêmula, ela diz "sim". Meu pai a beija e coloca o anel em seu dedo.
A reação ao redor é quase unânime: todos se reúnem ao redor deles, sorrindo, cumprimentando e celebrando. Erick e Nicolle também se afastam para parabenizar os noivos.
Eu permaneço onde estou, imóvel, com Santiago ao meu lado. Ele parece cauteloso ao me observar, esperando uma explosão.
Mas não vou dar esse gostinho. Não para Laura.
— Vamos cumprimentar ou vamos ficar plantados aqui? — Santiago pergunta, tentando medir minha reação.
— Adivinha — respondo, puxando sua mão e caminhando até onde meu pai e Laura estão.
Ela me olha, como se esperasse um ataque. Vejo um brilho de expectativa mal disfarçada em seus olhos, mas não vou me dar ao trabalho.
— Papai, parabéns — digo, abraçando-o. Sinto-o hesitar, talvez surpreso com minha postura, mas ele me abraça de volta.
— Obrigado, filha. Fico feliz que esteja aceitando bem essa novidade.
"Não se iluda, papai", penso, mantendo o sorriso no rosto.
— Parabéns, Laura — digo, abraçando-a também. Ela retribui com certo desconforto. — Parece que você conseguiu o que tanto queria — sussurro em seu ouvido, suficientemente baixo para que apenas ela ouça.
Ela se encolhe por um breve segundo, mas logo recupera a pose e sorri, confiante.
— Não sabe o quanto estou feliz — responde com doçura fingida. — Vamos nos dar muito bem, você vai ver.
"Veremos", penso, afastando-me.
O jantar prossegue como se nada tivesse acontecido. Participo das conversas, sorrio e ouço atentamente o projeto do meu padrinho, Gabriel, um historiador apaixonado que está desenvolvendo um novo livro. O tema desperta meu interesse, mas tento não demonstrar empolgação. Sei que meu pai não aprova distrações como essa.
Enquanto os outros celebram o que acreditam ser um recomeço feliz para o meu pai, eu observo tudo com a calma de quem aguarda o momento certo. Laura pode achar que venceu uma batalha, mas a guerra está longe de acabar.
Eu não confio nela. E, a partir de agora, vou estar mais atenta do que nunca.
O jantar continuou como se nada tivesse acontecido, mas o gosto amargo do momento anterior ainda pairava em minha boca. A noiva do meu pai estava agora cercada pelos convidados, distribuindo sorrisos como se fossem brindes em uma festa qualquer. Todos a adoravam. Todos, menos eu.
Enquanto observava Laura interagir, minha mente trabalhava incessantemente. Não era apenas ciúme ou orgulho ferido. Era algo mais profundo. Havia algo em Laura que não se encaixava, como uma peça errada em um quebra-cabeça. E eu não descansaria até descobrir o que era.
— Está tudo bem? — Nicolle perguntou, voltando ao meu lado com duas taças de vinho.
— Claro — respondi com um sorriso automático. — Por que não estaria?
Ela arqueou a sobrancelha, me lançando aquele olhar de “não me engane” que já conhecia tão bem.
— Você não consegue disfarçar quando algo te incomoda, Maju. Fala logo.
Dei de ombros, pegando a taça de vinho que ela oferecia.
— Estou apenas um pouco cansada . Nada com o que me preocupar.
Nicolle suspirou, claramente não convencida, mas optou por não insistir. Ela sabia que eu falaria no meu tempo, como sempre.
Enquanto os brindes começavam, Santiago retornou ao meu lado, trazendo dois pedaços de bolo.
— Alguma aposta de quanto tempo isso vai durar? — ele sussurrou, inclinando-se para que só eu ouvisse.
Sorri, mas era um sorriso frio.
— Não faço apostas quando já sei o resultado.
Santiago riu baixo, mas seu olhar se manteve atento em mim. Ele conhecia meu humor, talvez melhor do que eu mesma, e sabia que algo estava prestes a acontecer.
Quando o jantar terminou, os convidados começaram a se dispersar. Eu observei enquanto Laura permanecia ao lado do meu pai, segurando seu braço como se ele fosse a única âncora em um mar turbulento. Ela era boa nisso. Muito boa.
Antes que pudesse me conter, minhas pernas se moveram sozinhas. Caminhei até onde ela estava, ignorando o olhar curioso do meu pai.
— Laura, será que podemos conversar? — perguntei com um tom doce que me surpreendeu.
Ela hesitou por um momento, mas o olhar do meu pai parecia pressioná-la a aceitar.
— Claro, Maju.
Nos afastamos para um canto mais reservado, onde ninguém poderia nos ouvir. Quando estávamos suficientemente longe, minha expressão mudou.
— Eu não sei quais são suas intenções com o meu pai, mas vou descobrir — comecei, minha voz baixa, mas firme. — Ele pode estar cego pelo encanto que você exerce, mas eu não estou.
Laura cruzou os braços, seu sorriso desaparecendo.
— Entendo sua preocupação, Maju. Mas você não precisa me tratar como uma inimiga. Eu amo seu pai.
Ri de leve, sem humor.
— Amar? Vocês mal se conhecem. Tenho certeza de que isso não é amor, nem paixão. É evidente que tudo se resume a dinheiro e poder, e não adianta negar.
Ela piscou algumas vezes, como se tentasse absorver o que eu havia dito.
— Sei que nossa relação começou rápido demais, e entendo que você pense assim. Mas vou provar que estou aqui pelas razões certas.
— Provar? — repeti, inclinando-me ligeiramente para frente. — Não se incomode. Eu mesma vou provar o contrário.
Antes que ela pudesse responder, me afastei. Não havia mais o que dizer naquela noite.
Enquanto caminhava em direção à saída, Santiago se aproximou novamente, sua expressão carregada de preocupação.
— Maju, você não está pensando em atrapalhar os planos do seu pai, está? Ele está apaixonado, está feliz... por favor, não se intrometa.
— Apaixonado? Planos? — rebati, esboçando um sorriso que não chegou aos meus olhos. — Eu chamo isso de loucura.
Santiago balançou a cabeça, desaprovando.
— Chame do que quiser, mas não interfira. Seu pai está apaixonado, e se você se meter, será vista como a errada.
Suspirei e me afastei, frustrada.
O que ele espera de mim? Que eu fique parada enquanto essa mulher faz o que bem entende?
Ele sabe que quando eu tomo uma decisão, não há volta.
Eu não sabia ainda o que Laura escondia, mas estava disposta a descobrir. Ela podia ter conseguido o que queria por enquanto, mas a batalha estava apenas começando.
E, diferente do meu pai, eu jogava para ganhar.
Saio da casa e caminho pelo jardim, deixando que a brisa leve me envolva. As folhas se movem suavemente, acompanhando o ritmo do vento. Esse contraste me agrada: lá dentro, o som de risadas e música clássica preenche o ambiente, enquanto aqui fora, o silêncio me acolhe, trazendo uma paz que raramente encontro.
— O que faz aqui tão sozinha, Maju? — A voz de Gabriel corta o ar, suave, mas inesperada. Me viro, encontrando seu sorriso familiar. Ele sempre parece carregar um peso de sabedoria, mas nunca me pressiona com ele.
Gabriel, meu padrinho, é alguém com quem sempre pude contar. Embora tenha a mesma idade do meu pai, seu jeito de pensar é mais livre, como se ele vivesse num tempo diferente, onde as respostas não precisam ser imediatas.
— Às vezes, é preciso sair do barulho para ouvir o que realmente importa. — Respondo, sorrindo de leve.
Ele se aproxima, apoiando-se em uma das pilastras do jardim, os olhos perdidos nas estrelas.
— Seu pai mencionou que você fechou um contrato importante recentemente. — Ele comenta, quase casualmente.
— Ele está contente. Estamos atingindo metas significativas.
— Seu pai está contente, a empresa está indo bem... mas e você, Maju? — Ele me encara, direto, com uma expressão que é ao mesmo tempo gentil e firme. — Você está feliz?
Dou uma risada curta e coloco a mão em seu ombro.
— Me dê uma garrafa do melhor uísque e prometo que serei a pessoa mais feliz do mundo. — Brinco, mas ele balança a cabeça, sem se deixar levar.
— Estou falando sério.
— Padrinho, eu tenho tudo o que deveria me fazer feliz: um bom emprego, um relacionamento estável, uma vida confortável. Não acha que é o suficiente?
— Só você pode responder isso, Maju. — Ele diz, pensativo. — De qualquer forma, quero que venha almoçar comigo um dia desses. Quero que veja minha pesquisa e leia o esboço do meu livro.
— Adoraria, mas minha agenda está cheia. Não posso me dar o luxo de me distrair.
— Distrair? Maju, você amava essas coisas. Se não pode transformar em profissão, por que não fazer disso um hobby?
— Porque é pior. — A resposta escapa antes que eu consiga me controlar, minha voz carregando uma mistura de frustração e resignação. — É pior, padrinho, entende? Voltar a algo que um dia foi tão importante, a minha paixão... É como revisitar uma memória que, mesmo sendo feliz, ainda tem o poder de machucar. Dói. Quanto tempo eu suportaria viver esse momento antes de querer me entregar completamente a isso e deixar minhas obrigações de lado? Meu pai ficaria decepcionado. Ele faria, mais uma vez, aqueles discursos sobre como é necessário abrir mão de muitas coisas, dos próprios desejos...
Suspiro, desviando o olhar. Eu sei que também ficaria decepcionada. Seria como ficar à beira de algo que me preenche, sabendo que é impossível mergulhar. O fim sempre chega rápido demais, como um acordo silencioso que fiz comigo mesma: nunca deixar que aquilo volte à superfície.
— Você não vai saber se não tentar. — Ele insiste. Seu tom é gentil, mas firme.
Olho para o céu, buscando respostas que sei que não vou encontrar.
— Tentar não muda nada, Gabriel. O resultado seria o mesmo. Experimentar aquele instante de pertencimento só para vê-lo desaparecer de novo... Não vale a pena. É melhor evitar.
Sei exatamente o que estou dizendo. É como estar num lugar onde o tempo não existe, mas também não dura. Não é a vida, é uma pausa. Um intervalo entre quem você é e quem gostaria de ser.
— Parece que já não estamos falando sobre a mesma coisa. — Ele comenta, desconfiado.
— Talvez não. — Respondo, deixando um sorriso melancólico escapar. — Mas, no fim, ambas são impossíveis.
Ele hesita, como se quisesse insistir, mas decido encerrar a conversa.
— Preciso ir, padrinho. Quero encontrar o Santiago e ouvir sobre a viagem dele. Preciso me distrair.
— Tudo bem, Maju. Só queria dizer que estou orgulhoso por você estar se comportando. — Ele faz uma pausa, medindo as palavras. — O Leonardo comentou sobre você e a Laura...
— Está aqui para garantir que eu não cometa nenhuma loucura? Não se preocupe. O segredo é esperar o momento certo para agir. Sou mais paciente do que pareço.
Seus olhos me seguem enquanto começo a me afastar. Ele não responde, mas posso sentir sua preocupação. Eu me viro, lanço um último olhar ao jardim e volto para a casa.
"Um inimigo silencioso é como uma cobra à espreita: ataca apenas quando já é tarde demais para escapar."
Eu esperava outra reação de Maria Júlia, algo mais explosivo: que ela esperneasse, gritasse, me ofendesse ou dissesse que Leonardo havia enlouquecido de vez por querer se casar comigo. Mas isso não aconteceu, pelo menos não de imediato.
No primeiro momento, fiquei muito surpresa com a atitude dela. Ver Maria Júlia se aproximar para nos cumprimentar e parabenizar me fez até pensar, por um instante, que ela poderia estar se tornando um ser humano decente.
Mas o que ela fez foi muito pior. Reagiu bem. Demais. Óbvio que essa reação não durou muito.
Quando Maria Júlia me chamou para conversar, meu subconsciente gritava: não vá.
"Se você for, vai se arrepender", insistia aquela voz interior.
Mas, como sempre, ignorei. Fui até lá, pensando que, se ela estava cedendo, eu também podia.
Ledo engano.
Bastou ficarmos a sós para que a verdadeira Maria Júlia Torres mostrasse quem realmente era.
Ela não precisou gritar, mas lá estava, esbravejando, me acusando, ainda que sem palavras diretas, de ser uma vagabunda interesseira. Tudo bem sutil, mas tão óbvio que não havia como não perceber.
Quase sorri, satisfeita, porque era exatamente essa reação que eu esperava. Quase disse: seja bem-vinda de volta, Maju.
Mas preferi fingir. Fiz o papel da mulher apaixonada, embora fosse claro que Maju não estava disposta a ouvir.
Meus pensamentos vagavam por terrenos incertos quando fui arrancada deles pela voz suave de Leonardo.
— Querida, você está bem?
Forço um sorriso enquanto me viro para ele, escondendo qualquer traço de inquietação.
— Estou, sim. Só estou um pouco emocionada com o pedido. Você realmente conseguiu me surpreender.
Ele sorri, aquele sorriso desarmante que sempre me deixava sem palavras, e me envolve em um abraço caloroso.
— Essa era a intenção. E estava pensando... Talvez fosse uma boa ideia você vir morar aqui.
Por um momento, minha respiração falha. Tento disfarçar o impacto da proposta.
— Isso não é... um pouco precipitado? — pergunto, franzindo a testa. — As pessoas podem falar.
Ele ri baixinho, balançando a cabeça.
— Meu amor, as pessoas falam de qualquer forma, do que sabem e do que não sabem, mas isso não importa. De qualquer forma, nos casaremos em breve e viveremos juntos.
Nunca, em toda a minha vida, imaginei estar nessa posição. Quando poderia sonhar que um homem como Leonardo — rico, bem-educado, com um sobrenome de peso — se interessaria por alguém como eu?
— E os seus filhos? — pergunto, hesitante.
— Tenho certeza de que eles não vão se opor. Meu maior medo era a reação da Maju, mas ela aceitou muito bem a notícia do casamento. Confesso que estava um pouco preocupado e até pedi ao Gabriel que ficasse atento, mas, felizmente, não foi necessário.
A menção a Maria Júlia faz minha pele arrepiar.
— A reação dela também me surpreendeu — falo, omitindo os detalhes sórdidos, tentando manter a voz neutra.
Nesse momento, Maria Júlia surge, aproximando-se com passos decididos. Seu rosto está sereno, mas há algo nos olhos dela que faz meu estômago revirar.
— Com licença — diz ela, educadamente, mas com uma firmeza que não passa despercebida. — Pai, vou passar a noite na casa do Santiago. Vou levar uma muda de roupa e, de lá, vou direto para a empresa. Tudo bem?
Leonardo hesita.
— Filha, estamos em um momento de comemoração. O ideal seria você ficar conosco...
Intervenho antes que ele termine a frase, sorrindo.
— Querido, acho que não tem nada de mais. Estamos apenas entre família e amigos. — Eu falo, e Maria Júlia estreita os olhos na minha direção, mas fica em silêncio apenas me analisando. — Eles ficaram afastados por um tempo. É natural que queiram aproveitar um pouco juntos, apenas os dois.
Enquanto eu falo, o rapaz se aproxima, colocando as mãos sobre o ombro de Maria Júlia, e ela sorri para ele. Parece um sorriso verdadeiro.
Leonardo pondera por um momento antes de assentir.
— Tudo bem, mas, por favor, Santiago, cuide bem da minha filha. E, Maju, não chegue tarde à empresa — recomenda Leonardo.
— Quanto a isso, não se preocupe, senhor Leonardo. Sempre cuidarei muito bem da Maju — o rapaz garante firme.
Vejo o esforço de Maria Júlia para não revirar os olhos.
— Pai, não se preocupe. Eu também sei me cuidar e estarei na empresa no mesmo horário de sempre.
Ela sorri, mas é um sorriso calculado, frio. Então, seus olhos se voltam para mim, medindo-me de cima a baixo. Lentamente, ela ergue uma sobrancelha, e sinto como se pudesse enxergar através de mim.
— Obrigada pela ajuda, Laura — diz, com uma falsa doçura que me faz estremecer. — Então, já estamos indo. Parabéns pela decisão, pai. Tenho certeza de que poderia ter escolhido melhor, mas enfim...
Ela se afasta, deixando o ambiente carregado.
E ali estava ela novamente: a cobra à espreita.
— Maria Júlia... — Leonardo a chama, firme, mas ela, de longe, apenas acena um breve tchau e desaparece do nosso campo de visão.
— Me desculpe por isso, Laura. Vou ter uma conversa séria com ela. Leonardo se lamenta, e eu apenas bebo mais um pouco do líquido em minha taça. Não tem jeito, nós dois sabemos que essa garota é uma chata que nunca vai mudar.
— Eu vou falar com ela. O tal Santiago diz e sai correndo como um cachorrinho abanando o rabinho atrás de sua dona.
— O que houve? Nicolle questiona, se juntando a nós.
— Maria Júlia. Leonardo diz simplesmente.
— Como sempre. Ela não se cansa, hein? Erick diz, com um tom de humor na voz.
— Sinceramente, eu esperava ter mais dificuldade com vocês dois do que com a Maria Júlia. Era para ela ser uma mulher adulta e madura, mas vocês dois lidaram muito melhor com esse assunto do que ela. Leonardo diz, e Erick ri.
— Pois é, papai, quem diria que a sua predileta lhe causaria tanto desgosto? Erick acusa, risonho, e eu acredito que ele já tenha bebido demais.
— Pelo amor de Deus, Erick, não começa você também. Leonardo diz, olhando firme para o filho, que encolhe os ombros.
— Estou apenas comentando. Não há motivos para estresse. Ele diz, pegando mais uma taça e saindo cambaleando um pouco.
— Acho melhor eu ir com ele. Nicolle diz, olhando para o pai e depois para mim. — Estou muito feliz por você e pelo papai, Laura. Não dê ouvidos ao que a Maju diz, não é nada pessoal. Esse é o jeito dela. Acho que ela é o karma de todos nessa família, e, bom, você meio que já é parte da nossa família. Ela diz, e eu acabo sorrindo.
— Acho que não conseguimos escapar do nosso karma, então. Digo, com humor, e Nicolle me abraça antes de sair para ir cuidar do irmão.
Seria tão bom se a Maria Júlia fosse assim atenciosa, carinhosa e, principalmente, que não me enchesse a paciência. Mas isso seria pedir muito dela.
O celular de Leonardo toca, e eu o encaro. Ele fica com os olhos fixos no aparelho.
— Me desculpe, querida, preciso atender. Ele diz com um semblante sério, mas parece ressentido por ter de sair assim.
— Não se preocupe, meu amor, estarei bem aqui quando você voltar. Eu digo, e ele sorri satisfeito e caminha rápido em direção ao seu escritório.
Me sirvo de mais uma taça de champanhe e me sento no sofá, apreciando o sabor da minha bebida.
— Posso me sentar aqui? A voz levemente rouca pergunta. Eu apenas concordo.
— Claro.
— Você não deveria exagerar na bebida. Lembre-se de que você não pode se dar ao luxo de se embriagar.
De novo isso, sempre a mesma coisa.
Deixo minha bebida de lado e o encaro com frustração.
— Eu não sou nenhuma estúpida. Eu sei reconhecer os meus limites, e não serão três ou quatro taças que irão me embriagar. Digo entre dentes, mas baixo o suficiente para que ninguém escute ou pense que estamos tendo uma discussão.
— Não estou dizendo isso, mas eu escutei o Leonardo te chamando para dormir aqui, então o ideal seria que você não bebesse tanto, para estar no controle da situação. Eu estou apenas preocupado com você. ¿Ya no puedo preocuparme por tu bienestar? Ele questiona, e eu apenas nego com a cabeça.
— Não precisa se preocupar com o meu bem-estar. Esse homem me adora, e convenhamos, não é a primeira vez que eu vou dormir com ele. Falo, e ele revira os olhos.
— Não precisa esfregar esse detalhe na minha cara. Vou esperar seu noivo voltar, e então irei me despedir e ir embora. Ele diz e se afasta de mim.
Olho para minha taça novamente e pondero entre pegar ou não, mas acabo optando por deixá-la de lado.
Após alguns minutos, Leonardo retorna e não me diz sobre o que era a ligação. Eu também não questiono; sei que, mais tarde, quando estivermos a sós, e se for algo importante, ele me contará.
— Com licença, Leonardo, Laura, parabéns mais uma vez pelo noivado. O jantar estava ótimo, mas eu já vou indo. Gabriel diz, estendendo a mão para Leonardo, que simplesmente o puxa para um abraço.
— Agradeço por ter vindo, meu amigo, e por favor, vê se não some. Ele diz com um sorriso.
— Não se preocupe quanto a isso. Gabriel garante com um sorriso.
— Também estou de saída. Garro anuncia.
— Mas ainda é cedo.
— Realmente, preciso ir. Nos vemos amanhã na empresa. Boa noite, senhorita Laura. Garro diz, me estendendo a mão, e eu aceito.
— Bom, já que é assim, então eu acompanho os dois até a porta. Leonardo diz, e os dois homens o acompanham. Eles saem conversando e rindo.
— Laura, você pode me ajudar com o Erick? Nicolle se aproxima, afobada.
— O que houve? Questiono, preocupada.
— Ele bebeu demais e eu preciso de ajuda para levá-lo até o quarto. Se o papai ver ele nesse estado, certamente vai ter briga.
— Tudo bem, então vamos logo — digo, acompanhando a garota até onde Erick está.
Depois de muito esforço, conseguimos levar o rapaz para o quarto.
Nicolle arranca os sapatos do irmão, tira a gravata e, depois, o cobre com o lençol.
— Obrigada, Laura, e desculpe por isso.
— Não se preocupe, Nicolle. Sempre que você precisar de ajuda com qualquer coisa, pode me pedir, está bem?
— Obrigada — ela diz, um pouco tímida, e eu beijo seu rosto. É muito fácil demonstrar carinho por Nicolle; essa é uma das poucas coisas que não preciso fingir, porque, de fato, sinto muito carinho por ela.
— Acho que ele só acorda amanhã. Melhor irmos; você também precisa descansar, e o Leonardo não demora a me procurar — falo, abraçando-a de lado enquanto caminhamos.
Assim que paramos na porta do quarto de Nicolle, ela me abraça novamente.
— Boa noite, querida, tenha bons sonhos.
— Boa noite, Laura — ela diz, entrando no quarto.
Quando me viro para ir até o quarto do Leonardo, vejo-o no início do corredor, me observando, e levo um susto.
— O que está fazendo?
— Estava te procurando. Todos os convidados já foram e, pelo jeito, você já colocou os meus filhos na cama.
— O Erick já deve estar no terceiro sono, e a Nicolle já foi para o quarto.
— Sim, eu vi vocês duas juntas. Ela te adora.
— E eu também gosto muito dela. Na verdade, gosto de todos os seus filhos. Se a Maria Júlia me desse apenas uma oportunidade, tenho certeza de que eu conseguiria conquistá-la — falo, fazendo uma brincadeira, e o Leonardo ri.
— Não se preocupe com isso, meu amor. Dê tempo ao tempo, e tudo vai se resolver. Agora vamos descansar— ele diz, e eu sorrio, o acompanhando para o quarto.
O quarto era vasto e impecável, com paredes de um cinza sóbrio que refletiam a frieza de seu ambiente. O teto alto parecia ampliar ainda mais o espaço vazio, onde poucos objetos pessoais quebravam a monotonia. No centro, repousava uma imensa cama de casal, perfeitamente arrumada, com lençóis brancos de algodão egípcio e almofadas em tons neutros, como se ninguém realmente a usasse.
À frente da cama, uma televisão enorme ocupava quase toda a largura da parede, conectada a um sistema de som discreto. O chão de madeira escura, quase gélido ao toque, estava livre de tapetes, reforçando a atmosfera impessoal. Ao lado, um closet de portas espelhadas estendia-se por uma parede inteira, escondendo seu conteúdo, mas sugerindo organização e uma preocupação meticulosa com a aparência.
Sobre o criado-mudo de vidro minimalista, repousavam apenas um relógio analógico caro, um livro de capa dura sem sinais de uso e uma pequena luminária com design moderno. Havia apenas dois quadros modernistas. Não havia fotografias ou qualquer outra coisa que denunciasse traços pessoais ou emoções.
O ar estava frio, cortado pelo leve zumbido de um ar-condicionado, e o cheiro era sutil, de um perfume amadeirado caro que se dissipava rapidamente. Esse quarto, assim como toda a casa, deixava claro que Leonardo valorizava conforto e estética, mas parecia muito mais algo feito por terceiros do que algo escolhido e pensado passo a passo por ele.
— Já coloquei a banheira para encher. Me acompanha no banho? — ele pede.
— Claro que sim, meu amor.
É estranho, sabe? Fazer algo tão íntimo com alguém com quem você não tem tanta intimidade. É difícil manter isso, ter que sempre tomar cuidado para não revelar demais, deixar saber apenas o que convém. E, quando deito na cama para ter intimidade, sei que, enquanto ele faz amor, eu faço apenas sexo, como um meio para chegar a um fim. E, por mais incrível que esse homem possa ser, por mais apaixonado que ele demonstre estar, eu não posso me sentir da mesma forma.
Ele ama alguém que não existe. Ele ama aquilo que eu inventei, porque, se eu tirar a máscara e permitir que vejam as minhas partes escuras, feias e quebradas, ninguém ficaria. Ninguém se interessa e tem paciência para brincar de quebra-cabeça. As pessoas gostam de amores tranquilos; o complicado assusta.
O complexo afasta.
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