Segundo Encontro

Clara narrando

O dia foi longo, eu me esforçando ao máximo para me concentrar em todas as demandas do meu dia. Aquilo estava me sufocando, e eu precisava falar. Precisava conversar com alguem, e na hora do almoço contei para uma jovem amiga. Garanti naquele momento que tudo ia passar, que era somente uma brincadeira no trânsito. Mas dentro de mim, um furacão estava se formando. Uma vontade imensa de dizer que eu queria mais, que queria testar meus limites, mesmo não sabendo onde isso poderia me levar. Mesmo consciente de todas as consequências.

Karen: Toma cuidado, pode ser um louco, um maníaco, não é normal uma pessoa fazer uma coisa dessas, e além de tudo você realmente poderia ter batido o carro e se machucado.

Clara: Ele não me parece ser um maníaco, na verdade ele é um gato, cheiroso, muito bem alinhado, que nem combina comigo, porque ele é muita areia para o meu caminhão velho. Ele não tinha me visto de perto ainda, com certeza vai desistir. Vai atras de mocinha nova, cheia de vida e desimpedida, não uma velha casada. – risos

Karen: Não sei não. Se o cara teve a capacidade de provocar um acidente, demonstra que ele estava desesperado para te conhecer. Melhor ficar alerta.

Clara: Vamos almoçar e deixar isso quieto. Vamos ver no que vai dar.

O dia passou. A noite chegou, e tudo segue seu caminho normal. Casa, janta, filhos, problemas do lar, curso a noite. E despenco na cama cansada, mas de madrugada vem a insônia, e ficou ali, pensando...

Eu não consigo parar de pensar nele, que vi apenas uma vez. Foi tão rápido, mas o suficiente para me tirar o equilíbrio. Meu coração disparou, minhas pernas vacilaram, e foi como se o mundo ao redor tivesse parado por um instante. Eu digo a mim mesma que não quero admitir, que não quero parecer vulnerável ao confessar o quanto desejo vê-lo novamente... mas, no fundo, tudo o que eu mais quero é ter outra chance de cruzar aquele olhar e sentir aquela boca me tocando. Aquele olhar me queimando.

E foi mais uma noite em claro.

Pela manhã, faço minha higiene matinal, me arrumo além do normal, faço maquiagem, resolvo algumas coisas em casa, e vou para meu trabalho. Na última hora, mudo o caminho. Um medo me domina! Sei que não vou conseguir falar não de novo, hoje não vou conseguir, melhor me afastar disso.

No dia seguinte a mesma rotina. Mas foi outra noite em claro, pensando naqueles olhos, naquele cabelo, naquela boca. Não sou de fugir dos meus medos. Nem de uma boa guerra. Entao, fiz o mesmo caminho. No mesmo horario. Muita atenta a tudo. E nada.

Logo meus pensamentos ficam pesados e negativos, diferente da pessoa que sou, sempre sorridente e entusiasta. Mas não deixo de pensar: ele viu que era uma velha, não uma mocinha e além de tudo casada... e tratou logo de correr. Está certíssimo, eu faria o mesmo.

Mas meu coração está apertado, me empolgo até em dizer que está doendo. Meu coração é como um passarinho preso em uma gaiola pequena demais, batendo as asas com força, buscando espaço para voar. Ele está tão cheio de emoção que parece apertado, como se cada batida fosse um suspiro profundo de saudade. Me pego dizendo, com um sorriso meio perdido, que tudo está resolvido, foi apenas um engano do destino.

O dia se arrasta, meu humor não está dos melhores, simplesmente me fecho para digerir aquela suposta rejeição que criei na minha cabeça.

São muitas reuniões no decorrer do dia, muitas decisões a serem tomadas, e três vidas para cuidar fora dali que dependem de mim. Focar nisso, senao vou enlouquecer.

A noite em casa, ao deitar, com minha companheira insônia, fico a pensar no meu casamento. Sou tratada feito uma princesa pelo meu marido. Ele faz tudo para mim, até comida no prato ele coloca, mas já tem meses que a gente não transa. Minha filha mais nova dorme no meio, e sempre reclamei disso, mas ele é muito paizão, e as filhas sempre em primeiro lugar. E é um simples hoje não da, hoje também não, até que um dia eu deixei de lado e ficou assim, quando der, deu. Mas eu queria mais, sinto falta de me sentir desejada, de não ser tratada somente como boneca de porcelana, e com tudo isso que aconteceu, eu me senti mais rejeitada. Coisas de mulher eu acho.

Sexta feira, levanto sem ter dormido quase nada, me sentindo uma velha sem graça. Faço minha higiene, coloco um jeans, uma blusa qualquer, arrumo meu cabelo, um detalhe que sempre está limpo e cheiroso, levo as meninas para a escola e vou para o trabalho.

De repente, um carro na minha frente, começa freiar e acende o pisca alerta. E vem na minha direção. Ele estava perfeito, calça jeans, camisa branca dobrada no braço, um sorriso e um olhar de tirar o folego de qualquer mortal. Eu simplesmente hipnotizada. Meu mundo parou no instante em que o carro à minha frente estacionou. O tempo parecia desacelerar enquanto ele descia, trazendo flores e uma caixa de presente nas mãos. Cada passo que dava em minha direção fazia meu coração disparar como se fosse uma melodia acelerada Ele estava perfeito, como se tivesse saído de um sonho, e naquele momento, tudo ao redor distante. Era como se a vida tivesse preparado uma cena só para nós dois, cheio de magia e encanto. Paixão que parecia maior do que tudo ao redor.

Roberto: Oi, eu precisava te ver de novo, ouvir sua voz, olhar seus olhos. E confesso não sabia como fazer isso, entao encarnei o adolescente doido, e estou aqui, sem muita originalidade, com flores e bombom. Um dos dois você deve gostar, ou quem sabe os dois. Nem sei o que estou falando...

Nesse momento o povo começa a buzinar, os carros simplesmente parados, uma loucura total. E eis que sai apenas uma coisa da minha boca: Vamos sair daqui, encostar o carro ali na lateral?

Roberto: Vamos. – E me deu as flores e o bombom.

Eu: Não posso aceitar, vamos conversar ali.

Ele vai para o carro dele, e eu em seguida também saio com o meu dali. Encostamos o carro numa rua lateral, e descemos para conversar.

Roberto: Eu precisava te ver de novo. Não consigo parar de pensar em você, nos seus olhos, na sua boca. – Nisso ele chega bem perto de mim, e com o polegar toca meus lábios. Naquele momento, eu pensei que fosse desmaiar. Não sentia minhas pernas, meus braços, e nem me importava com nada ao meu redor.

Eu: Roberto eu sou casada, você deveria estar atras de uma novinha, desimpedida, com o corpinho todo lindo, e não atras de mim, uma jovem senhora de 45 anos, casada com duas filhas. Minha vida estava em paz até você cruzar o meu caminho.

Roberto: Mas eu não quero nenhuma novinha. Eu quero você, uma jovem senhora de sorriso encantador e de uma alegria matinal que me deixa louco. Só você. Me fala seu nome?

Eu: Você criou algo na sua cabeça, você nem me conhece – dou risada de nervoso. Ele chega mais próximo de mim. - Melhor você nem saber meu nome.

Roberto: Quero ouvir você falando seu nome para mim CLARA.

Eu: Como você sabe meu nome? – ele apenas sorri e vai ate seu carro, abre a porta, e pega as flores e a caixa de bombom. Nisso vejo no console do carro um crachá da empresa onde vejo ele entrando sempre.

Roberto: Quero saber mais de você. Eu quero tudo de você.

Eu: Não posso aceitar as flores, não posso aceitar nada. Eu preciso ir embora.

Roberto: Toma um chopp comigo hoje, fim do dia?

Eu: Não posso.

Roberto: Ou não quer?

Eu: Não posso.

Roberto: Aceita meu presente.

Eu: Não posso. – Eu estava a ponto de chorar. Eu só queria dizer sim, me leva daqui pra qualquer lugar. Mas tem tanta coisa envolvida nisso tudo. E sempre na minha vida fui regida pela razão. E nem sei de onde tirei forças para dizer esse NÃO.

Roberto: Mas seus olhos dizem outra coisa.

Ele chega bem perto de mim, joga as flores e o bombom dentro do carro dele... Me pressiona contra o carro, pega no meu cabelo e diz: Olha no meu olho e diz que você não quer! Aí eu vou sumir, e nunca mais te procuro.

Engasguei, não conseguia soltar uma palavra... Eu mal escutava o que ele estava me falando. Eu só sentia aquele peso de homem me pressionando contra o carro. E que peso, e que perfume, eu totalmente desarmada. Fechei os olhos e só senti uma boca encostando na minha. Me assustei e falei: Não posso, não aqui, não agora. Me soltei dele, entrei no carro, ele veio na minha porta e falou: Te entendo e te admiro ainda mais, mas eu quero você.

Sai dali com as pernas bambas, arrependida de não ter beijado, mas totalmente lucida e agradecida por ter dito não. Eu fiz o certo.

Foi uma sexta feira diferente, eu estava nas nuvens e ao mesmo tempo cheia de sentimentos controversos. Ao menos eu teria um fim de semana inteiro para pensar, colocar minha cabeça e meu juízo no lugar.

Roberto Narrando

Pensei em tantas formas de abordá-la e nada na minha cabeça fazia muito sentido. Entao parti para a mesma loucura, parar o carro dela de alguma forma.

Eu sabia que eu precisava vê-la novamente. Meu coração estava inquieto.

Quando a vi, meu coração disparou. Ela estava linda, como sempre, mas também hesitante. As palavras saíram atropeladas de mim: 'Eu precisava te ver, Clara. Não consigo parar de pensar em você.' Ela tentou me afastar com argumentos sobre sua vida, sua família, mas eu já tinha certeza: não queria ninguém mais além dela.

Cada vez que ela dizia 'não', eu via nos olhos dela um 'sim' escondido, sufocado por medo e razão. Quando a pressionei contra o carro, pedi que olhasse nos meus olhos e dissesse que não me queria, mas ela não conseguiu. Sua hesitação me disse tudo, e aquele momento entre nós foi de pura conexão, um silêncio que dizia mais do que qualquer palavra poderia.

Mesmo quando ela se afastou, entristecida e confusa, e entrou no carro para ir embora, eu sabia que a história não terminava ali. Havia algo maior nos ligando, algo que nem o tempo, nem a distância, nem as explicações poderiam encontrar. Eu apenas observei enquanto ela partia, com um pedaço do meu coração que eu já sabia que estava destruído. Sai, levando comigo as flores e os bombons que ela não aceitou.

No fundo, eu tinha certeza de que aquele 'não' era apenas o começo de um caminho que ainda cruzaria nossas vidas novamente. E eu estava disposto a esperar, a lutar, porque por ela, cada instante de espera valeria a pena.

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