Você acha que uma mãe pode vir do além para cuidar de seu filho?
Apesar do dito popular afirmar que uma mãe não tem um filho predileto, no caso de Virgo, isso definitivamente não era verdade.
Ela tinha dois meninos, mas seu coração pertencia de forma inquestionável a Calebe, o caçula.
Virgo tinha dezenove anos quando Calebe nasceu, e aos vinte e um, partira para estudar no Reino de Marlóvia. Ao longo dos anos, o amor dela por Calebe só crescia - talvez pela distância, talvez pela admiração.
Já Arturo, o filho mais velho, jamais sentiu esse afeto. Acreditava que o amor da mãe era desigualmente distribuído, e nenhum esforço parecia capaz de mudar isso. Mesmo sendo um filho dedicado, suas batalhas para conquistar o carinho materno eram como socos na água.
Calebe, em contrapartida, era o filho perfeito: notas exemplares e comportamento impecável. Era o orgulho da mãe, o filho que a sociedade aplaudia. Formou-se com louvor na academia de caçadores e logo foi estudar no exterior, no Reino de Morlóvia, aprofundando ainda mais essa distância que só servia para aumentar o amor que Virgo demonstrava. E mesmo com toda essa ausência física, Calebe ainda ocupava um pedestal inabalável na vida de Virgo, algo que Arturo jamais experimentaria.
O pai da família era um homem ausente, quase um fantasma em suas vidas. Estava constantemente viajando a trabalho e, nas raras vezes em que aparecia, mostrava-se carinhoso apenas quando Virgo não estava por perto.
Arturo lembrava-se dessas pequenas demonstrações de carinho com uma nostalgia amarga, porque, por mais breves que fossem, eram as únicas que ele recebera ao longo da vida.
Virgo, por outro lado, era uma presença constante, mas uma presença austera. Com Arturo, não havia paciência ou ternura; restavam apenas cobranças duras, punições e castigos injustificados.
Sempre à espera de um carinho que nunca vinha, Arturo passava noites chorando em silêncio, desejando que um dia o abraço da mãe o fizesse sentir amado.
Durante a noite, porém, algo inesperado começou a acontecer.
Ele sentia a presença de uma mulher vindo do além, envolvendo-o em ternos abraços. Essa mulher irradiava calor e segurança, uma versão de mãe que Arturo nunca conheceu no mundo real.
Ao longo dos sonhos, não conseguiu ver seu rosto por completo, mas distinguia marcas singulares: as sardas que a adornavam. Nos sonhos, ele se sentia finalmente amado, transportado para prados e parques encantados, onde toda a hostilidade de sua vida desaparecia.
Entretanto, os dias traziam a realidade precisa e cortante. A mãe biológica, Virgo, permanecia impiedosa. Arturo tentou compartilhar com ela suas experiências nos sonhos, contar sobre a mulher que o consolava, mas seu medo da rejeição o silenciava. Tentou manter a esperança de que, eventualmente, também conquistaria o amor de Virgo, como Calebe havia conseguido, mas essa esperança se dissipava a cada nova sabatina, a cada nova demonstração de desprezo.
Uma noite, Calebe voltou para casa acompanhado de sua namorada feiticeira, que, para alegria de Virgo, estava grávida de gêmeos.
Era o dia perfeito para todos, menos para Arturo. O jantar foi animado com histórias agradáveis, mas quando Arturo derrubou acidentalmente uma taça de vinho, tudo mudou. Virgo o fulminou com um olhar que anunciava mais tarde uma punição severa, como sempre.
Cansado dessa relação tóxica, Arturo se dirigiu ao quarto da mãe e, em um ato de desespero, buscou nos frascos de alguma erva ou mesmo poção, algo que pudesse colocá-lo para dormir - talvez para sempre.
Queria permanecer em seus sonhos, onde aquela mulher carinhosa cuidava dele. Esse desejo de escapar para um mundo mais amável tinha se tornado sua única esperança de felicidade.
Dias se passaram e Arturo acordou na cidadela verde, onde seu pai o esperava. Finalmente, em um momento de rara intimidade, o pai revelou uma verdade chocante: a mulher dos sonhos de Arturo era sua verdadeira mãe, e Virgo, a quem ele chamava de mãe, era na realidade a esposa traída de seu pai. Este segredo guardado por tanto tempo explicava a frieza de Virgo e a presença constante daquela mulher em seus sonhos.
O reencontro com sua mãe verdadeira no além tornou-se a grande libertação para Arturo.
Ao lado dela e de sua avó, ele finalmente encontrou o carinho e o amor perdidos em vida.
Contudo, mesmo após sua morte, o ressentimento de Virgo, agora voltado para seus netos, parecia carregar uma dívida.
Amor não correspondido, punição por erros alheios... estas correntes emocionais permaneciam cirurgicamente entrelaçadas.
Dias depois, pareceu que a "dívida" se ajustara, pois Arturo viu sua mãe e avó trazendo consigo dois bebês.
Era estranho, mas de uma forma quase sobrenatural, ele sabia que a história ainda não havia terminado. Afinal de contas, uma mãe pode surgir até mesmo do além para ajustar contas que restaram pendentes entre o amor e o desprezo.
O mundo sobrenatural junto ao destino iriam reorganizar as peças e, dessa vez, Arturo seria amado de verdade.
A história de Arturo, que começou marcada pelo desprezo e incompreensão, estava longe de ser um mero acaso. Desde o início, havia uma força maior agindo, tecendo o fio do destino, esperando o momento certo para ajustar os erros cometidos na vida.
O desprezo de Virgo, a frieza dos dias vividos sem amor, todos esses elementos foram como peças de um quebra-cabeça que, ao final, encontrariam seu verdadeiro lugar no quadro maior do universo.
A revelação de que Virgo não era sua mãe biológica foi um choque, mas também uma liberação.
Por toda a sua infância, Arturo culpou a si mesmo pelos abusos, acreditando que algo estava errado com ele, que não merecia o amor.
Mas descobrir que aquela mulher, tão cheia de ódio, não era sua verdadeira mãe, trouxe uma reviravolta em sua percepção do mundo e, especialmente, de si mesmo: ele finalmente entendia que o problema nunca fora por sua culpa.
Ele era apenas um filhote, vítima de circunstâncias cruéis.
No entanto, o mundo espiritual, muito além do material, parecia observar de perto o sofrimento de Arturo.
Sua mãe verdadeira, agora uma presença protetora do outro lado do véu, sempre esteve vigiando seus passos, aguardando o momento certo para reivindicar seu direito de amar o filho.
Junto de sua própria mãe, a avó de Arturo, elas estavam organizando um novo caminho para ele.
Aquele abraço caloroso que ele sentia em seus sonhos, os toques silenciosos de afeto e consolo, eram provas de que, mesmo além da vida, elas buscavam compensar o amor que Arturo tanto merecia.
O destino, em sua leve dança entre o acaso e a inevitabilidade, traçou uma rota onde tudo seria reorganizado. Arturo, finalmente, descansava em braços amorosos, acolhido por sua verdadeira mãe e avó.
E a ausência de carinho do passado foi preenchida por um afeto profundo e imortal.
No além, ele encontrou o que passou a vida inteira buscando: um lar de verdade, um espaço onde não precisaria mais carregar o fardo da rejeição.
Enquanto isso, no mundo dos vivos, as peças continuavam a se movimentar.
Virgo, que acreditava ter vencido suas batalhas internas com a morte de Arturo, aguardava seus netos com ansiedade. Mal sabia ela que o destino não esquece, e o mundo sobrenatural não perdoa com tanta facilidade.
O débito emocional estava prestes a ser quitado, mas não da forma que ela havia previsto.
Arturo, agora em paz no além, estaria sempre ali, velando tanto por seu próprio destino quanto pelos das próximas gerações, aguardando o ajuste final.
Porque, no fim, o amor verdadeiro sempre encontra uma maneira de prevalecer, mesmo que precise atravessar o véu do tempo, da vida e da morte.
Agora, no mundo sobrenatural, Arturo tinha a certeza de que, desta vez, seria amado de verdade, e aqueles que um dia o fizeram sofrer poderiam, eventualmente, enfrentar suas próprias consequências. Afinal, o destino sempre reorganiza as peças - e isso, Arturo sabia bem.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 55
Comments