Habibi- Do Morro A Dubai
–Joga pra trás, encosta, encosta... Aquele pique!... Ai!
Fecho os olhos ao arrepio na espinha. Rapidamente saio de onde estou.
–Quem botou na porra do chuveiro gelado?
Eu detesto tomar banho gelado. Me admiro quando alguém fala que só toma banho frio, tenho conhecidos que falam que até em dias chuvosos tomam banho frio, creio por mim que isso só pode ser uma doença, dá mais grave que há na terra.
–Que foi Bruna? Algum problema?
–Claro, claro que tem problema. Vocês sabem que eu gosto de banho quente! Se for queimando a pele, melhor ainda! -Tento mexer na resistência. -Essa merda não está funcionando Helena!
–Deve ser porque você não pagou a conta de luz, não é mesmo Bruna? Você lembra que eu te pedi segunda feira pra passar na lotérica. Você falou que tinha passado!
Que merda! Encontrei Felipe um amigo do baile, acabamos conversando, as horas passaram. Eu precisava daquele vestido preto, super chique, de brilhantes que vi na feirinha na cidade, e caraca... ele é lindo. Eu não tinha como não comprar. Tive que usar o dinheiro da luz, mas poxa, moramos na favela, aqui nem precisa pagar luz... né?
–Relaxa Lena, eles não vão cortar a luz. -digo secando os cabelos na toalha. -Você só paga por que é toda certinha, sabe que aqui se eles cortarem, é só falar com os caras que...
–Bruna! -tomo um susto com sua voz dura. -Você não anda falando com o neném e com a turminha dele não, não é? Porque se você estiver falando, tenha certeza que vai levar a maior surra que jamais viu na vida.
–Não. -digo seco. Ela nem pode imaginar que eu estou indo nesses bailes funks da vida. Nem Helena, nem minha avó Bené sabem disso. Se soubessem, Deus me livre e guarde o que iriam fazer comigo. –Sabe que eu não falo com eles, nem gosto desse povo!
–Ah não, você acha que eu sou idiota Bruna? Vira e mexe está falando com esses bandidinhos aqui do morro. Eu já falei para você, avó bené não pode se assustar, ela tem problema do coração.
–Eu sei irmã.
–Eu sei... Mas quase toda sexta, sábado e domingo quando o baile acontece, tu chega tarde. Se orienta garota, vai caçar um trabalho, vai estudar, sei lá, mas para de ficar enfiada com gente que não presta. Nossos pais morreram Bruna, só temos nossa vó e uma a outra. Já pensou se alguma coisa acontece com ela ou comigo? Você vai ficar sozinha no mundo Bruna, com 17 anos, sem estudos porque não completou a escola, sem rumo na vida, sem um nada pra cair dura. E não é só isso, você é jovem e bonita, já pensou se alguém faz algum mal a você, como acha queneu ficaria? Já perdi os nossos pais, não posso te perder também.
//
O final da tarde já chegou. Penso em tudo que Helena disse. Ela está certa, eu sei. Mas ela também tem que entender que eu também tenho as minhas próprias escolhas, as minhas próprias vontades. Eu não tenho que pensar como ela, ser como ela, vestir seus vestidos longos, sapatos fechados e deixar meu cabelo preso. Eu não sou assim, essa não é minha essência. Respeito muito a minha avó, a minha irmã e todos os ensinamentos que elas me passaram. Não só de educação, mas de religião. Eu sou muito temente a Deus, eu o amo, mas elas querem me impor a ser como elas são, e isso eu não vou aceitar.
Hoje é dia do maior baile de todos os tempos, coincidentemente hoje também tem um evento na igreja que minha avó insistiu o ano inteiro para eu poder acompanhá-la. Coloco o meu vestido preto por baixo e o longo que minha vó me deu por cima, só uso quando vou para algum outro lugar, sem ela saber. Gosto de usá-lo, pois é muito largo, não marca nem um pouco a roupa de baixo. Uso sapatilhas, mas não esqueço dos saltos finos, coloquei dentro da bolsa.
–Você está linda minha princesa!
–Obrigada vovó!
Minha irmã aparece por de trás dela, imita o que eu acabará de falar. Debochada. Espero minha avó passar e dou uma banana para ela. Da última vez que fui tentar dar o dedo, ela quase o quebrou.
–Hoje vai ser muito especial Bruna, você vai se converter! Arregalo os olhos. -Vai deixar de lado essas músicas proibidas, roupas inadequadas e más companhias.
–Mas vó, com todo respeito, não sou eu que tenho que decidir?
–Você não tem que decidir e querer nada. Eu sei o que é bom para você minha neta. Te crio desde os seus 10 anos, se eu digo que você hoje vai largar o mundo e irá se converter, assim será!
Como pode nos dias de hoje um ser humano ainda achar que pode mandar no outro? No que veste, no que come, em como se comporta, em sua religião, não é possível! Quanta hipocrisia! Eu bem sei, o que nos tempos de mais nova a minha avó fazia, os seus três filhos aos 15 anos é a prova de sua sensatez.
O culto começa. Fecho os olhos ao sermão do pastor. Em silêncio, enquanto todos estão em outro assunto, eu fico aqui sozinha por dentro, pensando, orando e pedindo a Deus que possa mudar a minha vida. Sou muito feliz pelo que tenho, por ter meus amigos, pela casa que me abriga. Apesar de tudo eu gosto daqui, mas um dia eu quero sair, conhecer novos países, pessoas novas, enfim, eu quero um dia ter a liberdade financeira e emocional para eu poder fazer tudo que eu quero. Oro em silêncio.
Quase ao final do culto, recebo uma mensagem de Felipe, o baile já começou e tá lotadão. Anderson que é um jovem da igreja que vive atrás de mim, está a me olhar nesse exato momento. Dou meu melhor sorriso, já com intenções de faze-lo meu ajudante nesse plano de hoje. Ele ri com suas canjicas tortas, uma felicidade sem igual já que nunca dei bola para ele. Troco meia dúzia de palavras e peço para que leve a minha avó para casa, aceita prontamente. Invento uma desculpa qualquer para ela dizendo que uma amiga precisa da minha ajuda, ela fica feliz por eu estar ajudando ao próximo. Mal sabe o que irei fazer.
Em uma distância considerável, onde eles já não me viam, nem as pessoas da igreja, entrei em um beco qualquer, troquei a roupa a qual eu estava e fiquei com o vestido maravilhoso que estava por baixo. Troco minha sapatilha velha pelo salto fino. Logo Felipe está para me socorrer. Dou um abraço bem apertado nele, enlaço minhas mãos em sua cintura e logo estamos saindo com a moto.
//
Kevin o Chris é o som do baile. Já chego indo atrás das minhas amigas, Carolzinha, Bia e Ester. Todas as minhas amigas da infância que cresceram comigo. Damos um abraço quádruplo. Logo Carol me vem com drink maravilhoso de maçã. Ela sabe que eu amo os drinks que faz, e esse em especial, tá muito, mas muito bom!
Sem deixar derrubar nenhuma só gota, com um copo na mão, desço até o chão no ritmo envolvente de medley da gaiola. Rebolo até o chão. Rio muito, sorrio muito. Como se há muito tempo eu não tivesse vindo em uma festa. O ritmo é muito envolvente, gostoso e excitante. Passo a mão no corpo, desço e subo lentamente ao som da batida. Bebo rápido meu drink, logo em seguida já vem outro. Carolzinha cochicha algo com alguém fora da roda, não exergo de quem se trata já que estou um pouco alta com a bebida. Nem preciso falar o quanto sou fraca com álcool. É sempre meus amigos que me levam para casa. Já que estava reunida com todas elas, aproveitei para beber mais e curtir como nunca pude curtir antes, como se fosse o último dia da minha vida.
Tiros
Eu não entendi como isso aconteceu, mas muitos tiros são ouvidos. Muito zonza ando de um lado para o outro não sabendo muito bem para onde vou. Tento gritar o nome das minhas amigas, mas nenhuma consigo pronunciar. Algo estranho acontece comigo, eu não sei porque, estou me sentindo muito enjoada. Sou puxada abruptamente , caio ao chão já sentindo o joelho estalar. Deduzo ser uma delas ou Felipe para me resgatar, penso graças a Deus, alguém me salvou. Estou muito zonza e cambaleando, a pessoa me pega o colo, é um homem com certeza. A partir disso eu não lembro de mais nada.
//
Sinto um líquido gelado, o qual me faz acordar. Arfo. Respiro forte tentando retomar a consciência. Logo percebo que estou sentada com mãos e pés amarrados, e o líquido inodoro, era um balde de água que jogaram em mim. Tento me soltar, prenderam tão forte que está arranhando como se sentisse meus ossos. Mas que porra tá acontecendo!
–A princesa acordou!
Forço a vista para enxergar quem é o autor da voz. Tomo um susto quando vejo que se trata do Dono do Morro, fico sem palavras. Eu já o enxerguei algumas vezes andando de moto para lá e para cá, mas nunca que eu me atreveria a conversar com ele. De alguma forma, sempre morri de medo de sua fama e todas as coisas ruins que trás.
–Porque você me prendeu, e o que você quer comigo? -não espero muito para perguntar a ansiedade não é minha aliada.
–Oi boa noite, tudo bem com o senhor? Não é assim que fala não. Tem que falar direito!
Engulo a seco, nada respondo. O arrepio está presente, mesmo assim não quero mostrar medo.
–Vai me responder não, caralho!
Não seguro a língua e acabo respondendo.
–Foi você que me prendeu e me trouxe até aqui. Então meu filho, fale você o que quer comigo.
–Fala direito com o chefe porra! - um tapa estalado é dado em minha face, rolo com a cadeira com tudo caindo ao chão. Arfo com a dor, ponho a mão no rosto, cretino! É como se meu rosto inteiro estivesse pinicando. Como um despertador, algo incomoda o meu consciente, a voz desse homem.
–Tá doente caralho! Eu falei que o cara não quer a menina com um trisco no corpo, e você dá um tapão na cara dela! Perdeu a noção malandro!
–Foi mal chefe.
–Foi mal é a puta da sua mãe, Felipe! - tensiono o corpo, minha boca abre e fecha diversas vezes. Eu não acredito que é Felipe, meu melhor amigo é que deu esse tapa no rosto. Não, não... Não meu Deus, eu não acredito que seja ele.
Sou levantada do chão pelo dono do Morro.
–Felipe...
–Bruna...
–Vocês já se conhecem é? Então não é flor que se cheire, menina. Quem se mistura com porco, farelo come.
–Porque Felipe?
A voz arrastada mostra minha indignação. Ele sempre foi dessa vida, mas há pouco tempo, minha avó Bené o convenceu a sair do crime, a arrumar um emprego decente, a se dedicar ao estudo. Sempre ao 12:00 ela levava comida pra ele, pois dizia que não dava tempo por conta do trabalho pesado. Ele nos disse que havia saído... A gente acreditou nele.
–Já sabia que eu não valia muita coisa, que eu era do crime. Surgiu essa oportunidade aí e eu quis entrar. Propus pra aquela sua amiga Carol, e ela aceitou manipular sua bebida. Foi mal pelo tapa novinha. Usei uma paradas aí, fiquei nervoso.
Penso em Carol e como eles nunca foram meus amigos. Se realmente fossem, jamais aceitariam algo assim. Se sujar para fazer sei lá o quê comigo, sujar a nossa amizade de anos, de infância.
–O que vão fazer comigo?
Uma lágrima escorre do meu rosto, tento não aparentar fraqueza, como minha vó me ensinou, como aprendi desde cedo ao perder meus pais. Mas isso se torna impossível, estou com medo, triste e me sentindo traída. Com medo do que vai acontecer comigo. Eu só peço a Deus que me ajude e me proteja
–Uma vida nova te aguarda.
Uma mão pesada tapa meu nariz, um cheiro forte exala por minhas narinas, por segundos eu me mantenho consciente, logo recaio.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Liliana Silva
começando agora 21/10 as 21:35 hs ko estou gostando
2024-10-22
0
Elis Alves
E tu acredita em papai Noel, menina burra
2024-10-22
1
Elis Alves
Quase uma vida real esse parágrafo, triste fim de muitas meninas 😕
2024-10-22
1