Capítulo 2

Ihab

Estico meu pescoço enquanto sopro uma lufa de ar. Estou cheio de pendências para resolver mas aquela menina de olhos achocolatados não sai da minha cabeça. A foto que eles me mandaram, mesmo dela desacordada, inconsciente, me deixou mais ansioso para vê-lá. Em minha mesa já tem algumas fotos suas espalhadas em retratos.

Penso em quando a escolhi para ser minha esposa. Dentre muitas fotos que recebi daquela quadrilha brasileira, somente ela fez com que eu me interessasse. Havia loira, morena, ruiva, todos os tipo de mulheres, mas aquela beleza, era algo surreal, não sei o que me intrigou exatamente. Seu olhar tem algo de misterioso que automaticamente me leva a pensar em o que esse olhar esconde.

Abro novamente seu relatório.

//

"Moradora do Morro da Telha, localizado ao leste do Rio de Janeiro. Aos 10 anos viu seus pais serem assassinados na chacina do morro do Leandro, a qual foi a única sobrevivente. Desde então mora com sua vó Benedita Silva Castro e sua irmã Helena Silva de Moraes. Instrutora de dança, ministra aulas gratuitas para crianças carentes. Aos 16 anos largou a escola para ajudar sua avó na venda de marmitas"

Nome: Bruna Silva de Moraes

Idade: 17 anos

Escolaridade: 2º grau incompleto

Nacionalidade: Brasileira

Gostos: Bebidas alcoólicas e fast foods.

Comida preferida: Bife c/batatas fritas.

Saídas: Bailes denominados "funks"e shopping.

Hobbes: Dança, costura e artesanato.

O que é esse tal de funks?

//

—Senhor Ihab.

Ligo para Faruk, meu chefe da segurança.

—Preciso de mais informações, o que vocês descobriram é muito pouco.

—Essas foram todas as informações que conseguimos tirar em pouco tempo senhor. Até obtvemos mais algumas, porém eram informações irrelevantes.

—Tanto faz. -desligo.

Cansado, dedilho a mesa. Pelo horário habibi já deve ter chego em casa. Pedi para Nádia preparar uma comida menos árabe. Ela diz não saber cozinhar nada menos árabe, porém, insisti e ela cedeu, irá tentar preparar um bife com batatas, como Bruna gosta.

Nádia é uma mulher de meia idade muito simpática, de cabelo já brancos, sorriso amarelado, de altura mediana. Foi trabalhar em casa primeiramente para servir meu pai, após sua morte, continuou a nos servir. É uma mulher muito repeitosa e o mais importante, fiel a mim.

Tomo meu uísque, balanço a cabeça afim de irradiar a tensão em meu corpo. Muitos problemas, muitas papeladas a se resolver. Administrar toda uma região não é uma tarefa fácil, exige muito de mim, e apesar de estar ainda com meus 30 anos às vezes sinto viver a responsabilidade de um homem mais velho, isso me cansa aos poucos. Nunca gostei de sair muito, sou um homem sério, um tanto frio e calculista. Sou organizado com as minhas coisas, gosto que tudo saia em perfeito estado, gosto de manter aparências e causar uma boa impressão por onde passo. Por isso, escolhi Bruna para ser minha esposa temporária. Eu precisava de uma mulher pobre, necessitada de ajuda, e moradora de uma comunidade carente. Todas as características ao meu ver de uma pessoa que aceitaria tudo por uma bela quantia de grana.

Não poderia ser alguém daqui, todas que conheço são gananciosas e espetaculosas, não aceitariam de bom grado assinar um contrato de casório temporário. Iriam querer casar, e após um bom tempo sugar meu dinheiro como cobras venenosas que são. Mas habibi será diferente, tenho certeza. Vai ser muito fácil convencê-la a assinar o contrato, mantermos as aparências por alguns meses, e logo depois ela poderá voltar para a casa de sua avó, para sua comunidade, e ainda com o bolso farto de dinheiro. Não vejo problemas nem brecha alguma em meu contrato.

//

Estaciono. Com a pasta em mãos, desço do carro, aceno para Abdul, um dos seguranças da casa. O cheiro de comida diferente invade, não sei se é algo bom ou não. Jamais comi algo que não fosse do meu país. Aliás, jamais comi algo que não fosse preparado por Nádia.

-Senhor, como foi o dia?

Zaya, uma das empregadas, a mais folgada eu diria, desce meu paletó afim de retira-lo.

—Foi bom. O jantar está pronto?

—Sim, está. -Nádia entra a sala. Joga um olhar nada agradável para Zaya que devolve com a mesma intensidade. Não gostei disso. —Eu fiz o que o senhor mandou. Aliás, tem nossa comida tradicional e da estrangeira.

—Me sirva as duas por favor.

—Vai comer aquela comida da estrangeira senhor? Não parece nada agradável. -a intragável de Zaya diz entortando a face, como se estivesse enojada.

—Não vejo problema. Você vê algum problema eu experimenta-lá Nádia? -balança a cabeça em negativo. —Ela nao vê, eu não vejo. Você vê algum problema Zaya?

—Não senhor.

—Então saia daqui, você não foi convidada para jantar.

//

Acabo de comer. Realmente tenho que admitir que a comida preferida da menina é gostosa. Aqui em Dubai há muitos estrangeiros, a culinária é bem diversificada. Dentre peixes, carnes, e vegetais. Sou adepto a culinária emirate tradicional da nossa região, então é muito atípico experimentar outros sabores. Mas uma coisa é certa, o que não poderei experimentar em hipótese alguma é a carne de porco, pois é proibido em nossa religião, um verdadeiro haram, um pecado.

—Nádia.

—Senhor.

—A menina já comeu?

—Não senhor.

Sopro um ar cansado. Não estou preocupado em saber se ela comeu por querer saber se está bem. O que me deixa furioso é ter mobilizado toda minha casa para que trabalhassem em prol de sua comida preferida, em ter buscado os temperos, para que chegasse ao mínimo possível do gosto de sua região.

—Você ao menos conseguiu vê-la?

—Não senhor.

Aperto os olhos, não estou nem um pouco com paciência hoje. A passos pesados caminho até o quarto de hóspedes no segundo andar, ao lado do meu. Bato três vezes a porta, ninguém atende. Bato novamente.

—Abra a porta! -nada é ouvido. —Estrangeira, abra essa porta!

Nádia aparece apressada.

—Senhor não adianta, já tentei falar na língua dela, mas não abre, ela não entende!

—Não adianta? Essa mulher está na minha casa e vai ter que abrir essa porta, quer queira ou não!

Dou dois passos pra trás, com toda força chuto a porta. O barulho é estridente.

Ela está deitada na cama, envolta de um lençol branco, espremida para que eu não possa vê-la. Gemidos são ouvidos, não sei se é choro, ou uma reza forte, mas também não quero saber.

Rapidamente estou à beira da cama. Com toda força puxo o lençol.

Paraliso com a cena que vejo. Pisco alumas vezes. É uma bela mulher negra de cabelos lindos, porém bagunçados, tapando sua face por conta de sua esteria. Uma beleza nada comum de encontrar por essas terras, apesar do movimento de turistas constantes.

—'iizalat alyadayn. - esqueço-me de sua nacionalidade e acabo falando em árabe. Corrijo-me. —Retire as mãos do rosto.

Para minha surpresa ela retira na mesma hora. Seus olhos estão inchados, a face completamente inchada, soluça como uma criança que acabara de ser descoberta. Seus olhos nada diferem de suas fotos. São da cor castanho escuro, chocolates, mas além de sua coloração, posso ver muita dor em seu olhar.

—Quem é você, o que você quer comigo?

—Sou Ihab.

—Te conheço como ninguém.

Em um pulo está presa em meus braços. Olho severo, aperto com força seus braços com toda raiva estancada em mim.

—Olha como fala comigo menina!

Não abaixa a guarda.

—Olha você como fala comigo.

Aperto meus dedos mais ainda. Ela não é nem um pouco a mulher que pensei que seria, maldita seja. A jogo na cama novamente. Converso em minha língua com Nádia, rapidamente ela faz o que mando, sobe com prato feito e o entrega em minhas mãos.

—Mandei fazer sua comida brasileira preferida. -jogo o prato na cama. —Aí está, coma.

—Não vou comer isso.

—Como é?

Pego em minhas mãos uma porção de batatas.

—Vai comer a força então. - pego em seu pulso a puxando para perto, ela se debate em meus braços, seguro forte suas bochechas a forçando abrir a boca, enfio as batatas dentro dela.

Consegue se soltar, cospe as batatas. Sem esperar, sinto um cuspe em minha cara. Fecho os olhos. A raiva que sobe é tamanha, ninguém nunca ousou em fazer isso e nunca ousaria pois com toda certeza perderia a cabeça.

—kalbatun! -cadela.

Furioso, ergo minha mão esquerda. Ela se retrai mo mesmo instante. Por muito pouco já perdi os limites com muitas outras mulheres. Em frações de segundos mudo de ideia, abaixo as mãos.

—Não irei sujar minhas mãos em você. -limpo o cuspe. —Que Ala diminua seus dias.

//

Bruna

Solto um grito preso na garganta, repuxo o lençol com toda a força que habita em mim. Quem esse homem pensa que é para me tratar desse jeito? Para falar assim comigo? Nunca na minha vida deixei alguém me desrespeitar dessa maneira, isso nao vai acontecer agora.

—Filho da puta! -grito em protesto.

—Menina, olhe a boca. -a mulher de meia idade fala corrigindo-me. —Fale baixo, ele entende cinco línguas diferentes e o português é uma delas.

—Eu não quero saber, eu só quero sair daqui. -balanço a cabeça. —Eu não entendo, não entendo como dentre tantas mulheres no mundo ele foi logo me sequestrar. -umedeço os lábios. —Eu não tô entendendo nada.

—Na vida, às vezes a gente não entende nada, não entende o porquê das coisas, mas saiba que tudo tem um propósito para Ala debaixo dos céus.

—Mas eu tenho certeza que Deus não quer ver seus filhos sofrerem.

—Sim menina. -joga um olhar conformista, com toda pena que pudesse existir.

Ela foi a primeira pessoa que me recebeu na casa, apesar de toda a turbulência e toda a tempestade que fiz, afim de saber o que estava acontecendo comigo, ela foi a única que me acalmou, que me deu um copo d'água e um remédio para dor de cabeça. Parece ser uma boa pessoa. Nádia é chamada por alguém. Assim que virou, eu a chamei de volta para que me respondesse apenas duas perguntas, já que nenhuma as quais fiz mais cedo quis me informar, ou nao poderia, não sei.

—Nádia.

—Sim.

—Quero te perguntar somente duas coisas.

—Sabe que não posso te falar nada menina. ‐dou um meio sorriso para a mulher vestida com vários panos estranhos de cor terrosa.

—Pode me chamar de Bruna. -limpo as lágrimas ao rosto. —Ou Bruninha se preferir.

—Gosto de Bruna.

Sorrio.

—Pode falar. -retribui.

—Primeiro, quem é a moça que trabalha aqui também? A tal de Maya.

—Uma mulher bastante ardilosa, que faria qualquer coisa para subir na vida, inclusive, já tentou por diversas formas subir na vida, mas ela nunca sai do lugar, porque é uma cobra paralítica, e de verdade Bruna, não confie nunca nela, é muito perigosa.

Assinto.

—E Ihab?

—Ele não é ruim Bruna, não se assuste com ele. É um homem muito importante, nasceu de uma família muito rica e poderosa, possui bastante propriedade e também muita responsabilidade em suas mãos. Vou ser bem sincera, há muito tempo eu não o via com uma mulher dentro de casa. Não sei o que ele pretende fazer com você, ainda não contou, pelo menos não para os funcionário, mas saiba, eu acho que ele não te mataria.

—Você acha...

—Para alguém que cuspiu em sua cara e ele não fez absolutamente nada, não acho que lhe pegou para fazer algum mal, de algum modo você é muito importante para ele, mas só o futuro dirá o porquê.

Mais uma vez ela é chamada. Fico sozinha pensando em tudo que está acontecendo e tentando buscar um plano para que eu possa me safar dessa. Mas como saber? Se nem ao menos eu sei o porquê dele ter me trago. Mas uma coisa é certa, eu não deixarei que me diminua e não baixarei a guarda.

Ele verá quem sou eu.

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Comments

Fatima Leal Oliveira

Fatima Leal Oliveira

Gosto quando a protagonista é negra.Posta fotos por favor

2025-05-29

0

Dalva Lahm

Dalva Lahm

autora:foto dos personagens ...pelo menos dos protagonistas

2024-09-21

1

Juliana Vicentina Da Vo

Juliana Vicentina Da Vo

Gostando muito da história.

2024-09-12

1

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