Passaram exatamente dois dias da ida de Ihab. Pensei e pensei o que eu poderia fazer, qual seria o melhor plano, a melhor estratégia de fuga, sem falhas. Eu não tenho celular, não posso sair perguntando onde ficaria o consulado brasileiro, sem dúvidas, eu não poderia fazer isso. Ontem ouvi uma conversa de Nádia ao telefone sobre alguns pertences meus que trouxeram, eu espero que tenha algo que possa me ajudar. Deitada na cama penso se vale a pena me arriscar, conclúo que sim, não tenho nada a perder.
Entro no quarto de Ihab que é do lado do meu, fecho a porta bem devagar, a fim de que ninguém me escute. Acordei bem cedo a fim de realizar meu plano, não deve ser nem 4 da manhã. Sempre tive o costume de acordar cedo, eu pegava na escola às 7 horas, tinha que locomover-me em duas conduções, então para mim isso nunca foi um problema.
O cheiro de perfume masculino invade minhas narinas. É gostoso, é forte, do jeito que gosto de sentir em um homem. A imagem de Ihab me olhando através do espelho esquenta algo em mim. Aquela boca pequena em tom cereja, corpo musculoso saltando abaixo da camiseta, aqueles cabelos negros e a pele morena do sol de Dubai. Ah Bruna, Bruna! Reviro os olhos. Reprendo o pensamento.
A poucos passos adentro, fico a analisar o ambiente, nunca vi um quarto desses na minha vida. É surpreendente, abro um perfeito O a boca. A decoração é como se fosse toda a ouro, passo a mão por cima de uma poltrona perto da cama, meu Deus, é como uma moeda novinha saindo do banco. Lustres de cristais, objetos típicos do país em tom dourado, tapete branco de mais de 2 metros, cortinas enormes, ouro, muito ouro. É rico esse quarto, nunca vi algo igual.
Começo a vasculhar o quarto. Olho em tudo mas o que mais me chama atenção é uma escrivaninha, porém as gavetas estão fechadas ao cadeado. Droga. Posso tentar arrombar, mas é impossível, a fechadura é boa. Estou quase a desistir quando observo em um quadro, uma bela pintura de um camelo no deserto árabe. É lindo, dou um meio sorriso, toco as pontas dos dedos na imagem, eu nem acredito que estou nesse lugar. Lembro-me de assistir novelas sobre Dubai, nunca pensei que um dia pudesse pisar num lugar desses, pena que foi porque fui sequestrada. Sem querer, com todo o desastre que possuo, deixo o quadro cair e se espatifar ao chão. Coloco as mãos na boca, que merda que eu fiz. Tomara que ninguém tenha escutado. Junto as sobrancelhas ao ver um bolo de papel que estava dentro do quadro. O que será?
Agacho-me para pegar já desesperançosa que possa ser algo para mim, afinal, isso deve ser alguma coisa escrita em árabe e não sei nada dessa língua. Desdobro com rapidez, mas outra coisa cai através dele. Por Deus, é o meu passaporte. Sem acreditar o pego em mãos, arregalo um sorriso nunca visto antes. Algo me passa pela mente: De que vai servir esse passaporte se não tenho um real para comprar passagem? Vou guardar comigo, pelo menos eu posso mostrar para alguém que possa me ajudar a voltar para o Brasil.
Logo dou um jeitinho de limpar a bagunça do quarto, jogo o vidro dentro do saco do banheiro. Volto para meu quarto. O meu plano é fugir enquanto eu estiver na rua com Nádia, ela disse que sairíamos logo cedo. Decido tirar uma pequena soneca antes de sairmos, preciso descansar o corpo, não sei o que enfrentarei depois da fuga.
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—Menina pare de dar atenção a eles! Vão encher nossa sacola de produtos!
—O que eu posso fazer Nádia, se eles jogam tudo em cima de mim? Parece que querem me forçar a comprar! Dou de ombros, acabo comprando uma bijuteria linda. —O dinheiro não é meu mesmo, vou é torrar tudo.
Sorri.
—Do que está rindo?
—Você é engraçada, tem um humor maravilhoso. Ihab tem muito dinheiro, nem se você tentasse conseguiria torrar o dinheiro dele. -balança a cabeça. —Se quer jóias, deveria ir a joalheria.
—Não quero, para mim, já me satisfaço com essas mais simples.
Sorri novamente, só que dessa vez com um brilho diferente no olhar. Como se tivesse um certo orgulho misturado com admiração por minha última fala. Dou de ombros.
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Aqui é muito bonito, é muita cor, muitos objetos, muita vida. As mulheres usam aqueles trajes longo cobrindo quase o corpo todo, como algumas mulheres da igreja da minha vó, só que essas cobrem até os cabelos. Poucas estão sem o véu, como eu, creio que sejam turistas.
—Qual a razão de usarem véu?
—Tem relação com a devoção e a observância dos códigos morais. Toda a mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta, desonra a sua própria cabeça.
—Eu sempre orei sem.
—Temos costumes diferentes aqui, nossas religiões são diferentes mas todos vivemos por um só ser, que é Ala, que significa Deus na língua de vocês.
—Eu sempre falo isso para minha vó. Eu sei que apesar dos meus defeitos, Deus me ama do jeito que sou, eu vivo por ele, pois ele deu a vida por mim.
—Lindas palavras.
Agradeço.
—Quais são os pontos turísticos que para alguém como eu, que não conhece a cultura, seria bom para conhecer a cidade?
—O Deserto de Dubai, mercado de ouro, mercado de especiarias, são os pontos típicos, lugares interessantes também é em Jumeirah e Dubai Marina. A região costeira de Dubai, é perfeita para passeios de românticos. -cutuca meu braço, torço a boca. —Há praia, orla com uma bela visão para admirar, é linda aliás. Restaurantes e tudo mais, tenho certeza que se pedir para o senhor ele irá leva-la.
–É óbvio que eu não vou pedir pra aquele encosto.
Alarga minimamente os lábios.
—Essa loja, você vai gostar, é do centro, é nova aqui na cidade, mas já muito bem falada.
Olho pela vitrine.
—Realmente, as roupas são muito bonitas, vamos entrar para perguntar.
—Salaam Aleikum!
—Alaikum As-Salaam!
—Salamaleico pra vocês também! - acabo por falar para não ficar sem graça. A moça dá um sorriso bem discreto e nos convida para entrar. É uma loja maior do que eu imaginei vendo por fora. Roupas elegantérrimas, algo que nem nos meus melhores sonhos poderia imaginar, primeiro em pisar numa loja dessas, segundo em usar roupas assim.
—'Ant fatat jamilatan. Ana sahib almutajari. sa'atlub min mandub mabieat likhidmatika.
—Ela disse que é a dona da loja, que vai chamar uma vendedora, e disse que você é muito linda.
—Ah. -colocando uma mecha por trás da orelha, sorrio sem graça.
Afasto-me por meros segundos, vejo uma saia longa lindíssima, coloco a mão por cima do pano, nossa, é muito macia e delicada, a costura é muito bem feita, de uma qualidade sem igual, e imaginar que aprendi a fazer costuras como essas, graças a minha avó. Minha mão é abruptamente retirada por uma mulher. Ela fala algo que não entendo, pois é em árabe. Rapidamente Nádia começa a bater boca com ela, por algum motivo me sinto mal. O olhar que essa mulher mostra ao encarar-me é de nojo, como se eu fosse algo sem valor.
—Vamos embora daqui.
—O que ela falou?
Nada responde.
–O que ela falou? -Insisto.
—Por Ala, vamos embora daqui agora Bruna! -fala em um tom ríspido, retraio-me e obedeço, obedeço como se Nádia fosse minha mãe, e talvez essa fosse a reação que minha mãe teria se estivesse aqui.
A passos fundos acompanho seu andar. A ventania é forte, meus cabelos voam tapando minha face. Passamos em outras lojas, olhava de soslaio, me interessava por algo, ao final quem escolhia e finalizava a compra era ela. Minha mente ficou muito zoada e martelando em saber o que aquela mulher estava gritando em minha direção. Ah, é muito ruim não entender a língua do outro, mas creio em mim que a língua que ela falava eu já ouvi muitas vezes nessa vida, a do preconceito.
Paramos em um restaurante, almoçamos, ela foi me explicando quais coisas eu estava comendo, me esforçava para compreender. Sei que havia cordeiro e tabule, gostei de experimentar.
—Nádia, não me enrole, o que aquela mulher disse para mim?
—Você não vai esquecer, não é?
—Não.
—Ela foi racista. ‐dou um breve sorriso debochado ao fincar minhas suspeitas. —Não é do nosso costume ser assim. Ela com certeza é uma desviada, que não sabe ainda qual o caminho da paz.
—O que ela disse? -torce os lábios, abaixa a cabeça, evitando a fala. —Por favor, fale. Eu moro no Brasil. Já ouvi ofensas demais de pessoas desconhecidas e inclusive de muito próximas. Infelizmente eu me acostumei a lidar com esse tipo de gente.
—Não quero falar.
—Por favor fale. -Insisto.
—Ela disse para você retirar as mãos do pano pois iria sujá-lo com a sua cor. -balanço a cabeça inconformada, como existem várias pessoas assim em todos os lugares do mundo. —Eu nem sei como consegui repetir essas falas.
Coloca a mão ao rosto.
—Nádia. Olha. -busco sua mão. Encara-me de um jeito assustado, seu olhar está triste. —Não fique assim.
—Não consigo compreender esse tipo de coisa.
—Relaxa. Isso já não dói mas para mim. Esse tipo de atitude só demonstra total falta de caráter e amor pelo ser humano que uma pessoa pode ter. Isso diz a respeito a ela, do caráter dela e não do meu. Com a vida, com o passar dos anos, eu consegui blindar-me com esse tipo de pessoa. Sempre sofri racismo na escola, pela textura do meu cabelo, pela cor da minha pele, pela minha boca carnuda. Mas nenhuma das falas mais grossas que ouvi em minha vida me diminuíram, sabe por quê? Porque eu sei o meu valor, eu sei que eu sou bonita para caralho, que o que falam de mim ou deixam de falar não importa, a opinião de quem é racista, é como lixo para mim, não serve de nada. Ninguém pode dizer ou afirmar se estou em algum padrão aceitável, quem faz o meu padrão sou eu mesma.
—Você é tão jovem mas ja fala tão bem.
—É difícil viver no brasil. Matamos um leão por dia, não só pelo fato do racismo, tambem por sermos mulheres. Enfrentamos muitas batalhas difíceis, que muitas pessoas nem se quer sonham em passar. Somos fortes pra cassete, eu me orgulho de ter nascido mulher, me orgulho de quem eu sou.
—Lindas palavras. Parabéns por lutar e não desistir. ‐dou um breve sorriso. —Já vamos ir, só vou ir no banheiro rapidinho.
—Tudo bem. -dou meu melhor sorriso.
Espero até ela fechar a porta do reservado, levanto calmamente da mesa, vou andando confiante para que ninguém desconfie de nada. Algumas pessoas passavam por mim, jogava um breve sorriso com um misto de nervosismo, estou em um país desconhecido, sem parente, sem ninguém que eu possa recorrer. Essa pode ser minha única chance de fugir. Sei que Ihab é conhecido, mas eu não sou, então para todos aqui sou uma estrangeira qualquer.
O lenço que Nádia me deu o qual envolvi ao meu pescoço, agora está aos cabelos, me sinto segura um pouco disfarçada. Estou a caminhar quando percebo que estou sendo seguida. Apresso meus passos, ando mais rápido, olho para trás. Corro, minhas suspeitas se confirmam quando o homem atrás de mim começa a correr também. Corro como nunca antes, não consigo nem ao menos olhar para trás, o nervosismo é tamanho, as pernas tremem as mãos gelam, o suor eriça a minha testa. Corro mais. A noite cai, trazendo com ela o medo latente em meu peito. Minha mente grita, corra mais Bruna, corra, mas minhas pernas não obedecem, estou a enfraquecer. Busco ar, não o encontro, entro em um beco, não há saída. Coloco as mãos a cabeça, que burrice entrar aqui, estou ferrada. Passos pesados param por detrás de mim, gelo meu corpo por completo. Puta merda, ele me alcançou.
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Atualizado até capítulo 49
Comments
Juliana Vicentina Da Vo
Ela nem sabe pra onde ir.🤭
2024-09-12
2
jeovana❤
o que sera que vai acontecer com ela?
2024-07-01
3
Cristiane Silva
o que vai acontecer
2024-06-26
0