NovelToon NovelToon

Habibi- Do Morro A Dubai

Capítulo 1

–Joga pra trás, encosta, encosta... Aquele pique!... Ai!

Fecho os olhos ao arrepio na espinha. Rapidamente saio de onde estou.

–Quem botou na porra do chuveiro gelado?

Eu detesto tomar banho gelado. Me admiro quando alguém fala que só toma banho frio, tenho conhecidos que falam que até em dias chuvosos tomam banho frio, creio por mim que isso só pode ser uma doença, dá mais grave que há na terra.

–Que foi Bruna? Algum problema?

–Claro, claro que tem problema. Vocês sabem que eu gosto de banho quente! Se for queimando a pele, melhor ainda! -Tento mexer na resistência. -Essa merda não está funcionando Helena!

–Deve ser porque você não pagou a conta de luz, não é mesmo Bruna? Você lembra que eu te pedi segunda feira pra passar na lotérica. Você falou que tinha passado!

Que merda! Encontrei Felipe um amigo do baile, acabamos conversando, as horas passaram. Eu precisava daquele vestido preto, super chique, de brilhantes que vi na feirinha na cidade, e caraca... ele é lindo. Eu não tinha como não comprar. Tive que usar o dinheiro da luz, mas poxa, moramos na favela, aqui nem precisa pagar luz... né?

–Relaxa Lena, eles não vão cortar a luz. -digo secando os cabelos na toalha. -Você só paga por que é toda certinha, sabe que aqui se eles cortarem, é só falar com os caras que...

–Bruna! -tomo um susto com sua voz dura. -Você não anda falando com o neném e com a turminha dele não, não é? Porque se você estiver falando, tenha certeza que vai levar a maior surra que jamais viu na vida.

–Não. -digo seco. Ela nem pode imaginar que eu estou indo nesses bailes funks da vida. Nem Helena, nem minha avó Bené sabem disso. Se soubessem, Deus me livre e guarde o que iriam fazer comigo. –Sabe que eu não falo com eles, nem gosto desse povo!

–Ah não, você acha que eu sou idiota Bruna? Vira e mexe está falando com esses bandidinhos aqui do morro. Eu já falei para você, avó bené não pode se assustar, ela tem problema do coração.

–Eu sei irmã.

–Eu sei... Mas quase toda sexta, sábado e domingo quando o baile acontece, tu chega tarde. Se orienta garota, vai caçar um trabalho, vai estudar, sei lá, mas para de ficar enfiada com gente que não presta. Nossos pais morreram Bruna, só temos nossa vó e uma a outra. Já pensou se alguma coisa acontece com ela ou comigo? Você vai ficar sozinha no mundo Bruna, com 17 anos, sem estudos porque não completou a escola, sem rumo na vida, sem um nada pra cair dura. E não é só isso, você é jovem e bonita, já pensou se alguém faz algum mal a você, como acha queneu ficaria? Já perdi os nossos pais, não posso te perder também.

//

O final da tarde já chegou. Penso em tudo que Helena disse. Ela está certa, eu sei. Mas ela também tem que entender que eu também tenho as minhas próprias escolhas, as minhas próprias vontades. Eu não tenho que pensar como ela, ser como ela, vestir seus vestidos longos, sapatos fechados e deixar meu cabelo preso. Eu não sou assim, essa não é minha essência. Respeito muito a minha avó, a minha irmã e todos os ensinamentos que elas me passaram. Não só de educação, mas de religião. Eu sou muito temente a Deus, eu o amo, mas elas querem me impor a ser como elas são, e isso eu não vou aceitar.

Hoje é dia do maior baile de todos os tempos, coincidentemente hoje também tem um evento na igreja que minha avó insistiu o ano inteiro para eu poder acompanhá-la. Coloco o meu vestido preto por baixo e o longo que minha vó me deu por cima, só uso quando vou para algum outro lugar, sem ela saber. Gosto de usá-lo, pois é muito largo, não marca nem um pouco a roupa de baixo. Uso sapatilhas, mas não esqueço dos saltos finos, coloquei dentro da bolsa.

–Você está linda minha princesa!

–Obrigada vovó!

Minha irmã aparece por de trás dela, imita o que eu acabará de falar. Debochada. Espero minha avó passar e dou uma banana para ela. Da última vez que fui tentar dar o dedo, ela quase o quebrou.

–Hoje vai ser muito especial Bruna, você vai se converter! Arregalo os olhos. -Vai deixar de lado essas músicas proibidas, roupas inadequadas e más companhias.

–Mas vó, com todo respeito, não sou eu que tenho que decidir?

–Você não tem que decidir e querer nada. Eu sei o que é bom para você minha neta. Te crio desde os seus 10 anos, se eu digo que você hoje vai largar o mundo e irá se converter, assim será!

Como pode nos dias de hoje um ser humano ainda achar que pode mandar no outro? No que veste, no que come, em como se comporta, em sua religião, não é possível! Quanta hipocrisia! Eu bem sei, o que nos tempos de mais nova a minha avó fazia, os seus três filhos aos 15 anos é a prova de sua sensatez.

O culto começa. Fecho os olhos ao sermão do pastor. Em silêncio, enquanto todos estão em outro assunto, eu fico aqui sozinha por dentro, pensando, orando e pedindo a Deus que possa mudar a minha vida. Sou muito feliz pelo que tenho, por ter meus amigos, pela casa que me abriga. Apesar de tudo eu gosto daqui, mas um dia eu quero sair, conhecer novos países, pessoas novas, enfim, eu quero um dia ter a liberdade financeira e emocional para eu poder fazer tudo que eu quero. Oro em silêncio.

Quase ao final do culto, recebo uma mensagem de Felipe, o baile já começou e tá lotadão. Anderson que é um jovem da igreja que vive atrás de mim, está a me olhar nesse exato momento. Dou meu melhor sorriso, já com intenções de faze-lo meu ajudante nesse plano de hoje. Ele ri com suas canjicas tortas, uma felicidade sem igual já que nunca dei bola para ele. Troco meia dúzia de palavras e peço para que leve a minha avó para casa, aceita prontamente. Invento uma desculpa qualquer para ela dizendo que uma amiga precisa da minha ajuda, ela fica feliz por eu estar ajudando ao próximo. Mal sabe o que irei fazer.

Em uma distância considerável, onde eles já não me viam, nem as pessoas da igreja, entrei em um beco qualquer, troquei a roupa a qual eu estava e fiquei com o vestido maravilhoso que estava por baixo. Troco minha sapatilha velha pelo salto fino. Logo Felipe está para me socorrer. Dou um abraço bem apertado nele, enlaço minhas mãos em sua cintura e logo estamos saindo com a moto.

//

Kevin o Chris é o som do baile. Já chego indo atrás das minhas amigas, Carolzinha, Bia e Ester. Todas as minhas amigas da infância que cresceram comigo. Damos um abraço quádruplo. Logo Carol me vem com drink maravilhoso de maçã. Ela sabe que eu amo os drinks que faz, e esse em especial, tá muito, mas muito bom!

Sem deixar derrubar nenhuma só gota, com um copo na mão, desço até o chão no ritmo envolvente de medley da gaiola. Rebolo até o chão. Rio muito, sorrio muito. Como se há muito tempo eu não tivesse vindo em uma festa. O ritmo é muito envolvente, gostoso e excitante. Passo a mão no corpo, desço e subo lentamente ao som da batida. Bebo rápido meu drink, logo em seguida já vem outro. Carolzinha cochicha algo com alguém fora da roda, não exergo de quem se trata já que estou um pouco alta com a bebida. Nem preciso falar o quanto sou fraca com álcool. É sempre meus amigos que me levam para casa. Já que estava reunida com todas elas, aproveitei para beber mais e curtir como nunca pude curtir antes, como se fosse o último dia da minha vida.

Tiros

Eu não entendi como isso aconteceu, mas muitos tiros são ouvidos. Muito zonza ando de um lado para o outro não sabendo muito bem para onde vou. Tento gritar o nome das minhas amigas, mas nenhuma consigo pronunciar. Algo estranho acontece comigo, eu não sei porque, estou me sentindo muito enjoada. Sou puxada abruptamente , caio ao chão já sentindo o joelho estalar. Deduzo ser uma delas ou Felipe para me resgatar, penso graças a Deus, alguém me salvou. Estou muito zonza e cambaleando, a pessoa me pega o colo, é um homem com certeza. A partir disso eu não lembro de mais nada.

//

Sinto um líquido gelado, o qual me faz acordar. Arfo. Respiro forte tentando retomar a consciência. Logo percebo que estou sentada com mãos e pés amarrados, e o líquido inodoro, era um balde de água que jogaram em mim. Tento me soltar, prenderam tão forte que está arranhando como se sentisse meus ossos. Mas que porra tá acontecendo!

–A princesa acordou!

Forço a vista para enxergar quem é o autor da voz. Tomo um susto quando vejo que se trata do Dono do Morro, fico sem palavras. Eu já o enxerguei algumas vezes andando de moto para lá e para cá, mas nunca que eu me atreveria a conversar com ele. De alguma forma, sempre morri de medo de sua fama e todas as coisas ruins que trás.

–Porque você me prendeu, e o que você quer comigo? -não espero muito para perguntar a ansiedade não é minha aliada.

–Oi boa noite, tudo bem com o senhor? Não é assim que fala não. Tem que falar direito!

Engulo a seco, nada respondo. O arrepio está presente, mesmo assim não quero mostrar medo.

–Vai me responder não, caralho!

Não seguro a língua e acabo respondendo.

–Foi você que me prendeu e me trouxe até aqui. Então meu filho, fale você o que quer comigo.

–Fala direito com o chefe porra! - um tapa estalado é dado em minha face, rolo com a cadeira com tudo caindo ao chão. Arfo com a dor, ponho a mão no rosto, cretino! É como se meu rosto inteiro estivesse pinicando. Como um despertador, algo incomoda o meu consciente, a voz desse homem.

–Tá doente caralho! Eu falei que o cara não quer a menina com um trisco no corpo, e você dá um tapão na cara dela! Perdeu a noção malandro!

–Foi mal chefe.

–Foi mal é a puta da sua mãe, Felipe! - tensiono o corpo, minha boca abre e fecha diversas vezes. Eu não acredito que é Felipe, meu melhor amigo é que deu esse tapa no rosto. Não, não... Não meu Deus, eu não acredito que seja ele.

Sou levantada do chão pelo dono do Morro.

–Felipe...

–Bruna...

–Vocês já se conhecem é? Então não é flor que se cheire, menina. Quem se mistura com porco, farelo come.

–Porque Felipe?

A voz arrastada mostra minha indignação. Ele sempre foi dessa vida, mas há pouco tempo, minha avó Bené o convenceu a sair do crime, a arrumar um emprego decente, a se dedicar ao estudo. Sempre ao 12:00 ela levava comida pra ele, pois dizia que não dava tempo por conta do trabalho pesado. Ele nos disse que havia saído... A gente acreditou nele.

–Já sabia que eu não valia muita coisa, que eu era do crime. Surgiu essa oportunidade aí e eu quis entrar. Propus pra aquela sua amiga Carol, e ela aceitou manipular sua bebida. Foi mal pelo tapa novinha. Usei uma paradas aí, fiquei nervoso.

Penso em Carol e como eles nunca foram meus amigos. Se realmente fossem, jamais aceitariam algo assim. Se sujar para fazer sei lá o quê comigo, sujar a nossa amizade de anos, de infância.

–O que vão fazer comigo?

Uma lágrima escorre do meu rosto, tento não aparentar fraqueza, como minha vó me ensinou, como aprendi desde cedo ao perder meus pais. Mas isso se torna impossível, estou com medo, triste e me sentindo traída. Com medo do que vai acontecer comigo. Eu só peço a Deus que me ajude e me proteja

–Uma vida nova te aguarda.

Uma mão pesada tapa meu nariz, um cheiro forte exala por minhas narinas, por segundos eu me mantenho consciente, logo recaio.

Capítulo 2

Ihab

Estico meu pescoço enquanto sopro uma lufa de ar. Estou cheio de pendências para resolver mas aquela menina de olhos achocolatados não sai da minha cabeça. A foto que eles me mandaram, mesmo dela desacordada, inconsciente, me deixou mais ansioso para vê-lá. Em minha mesa já tem algumas fotos suas espalhadas em retratos.

Penso em quando a escolhi para ser minha esposa. Dentre muitas fotos que recebi daquela quadrilha brasileira, somente ela fez com que eu me interessasse. Havia loira, morena, ruiva, todos os tipo de mulheres, mas aquela beleza, era algo surreal, não sei o que me intrigou exatamente. Seu olhar tem algo de misterioso que automaticamente me leva a pensar em o que esse olhar esconde.

Abro novamente seu relatório.

//

"Moradora do Morro da Telha, localizado ao leste do Rio de Janeiro. Aos 10 anos viu seus pais serem assassinados na chacina do morro do Leandro, a qual foi a única sobrevivente. Desde então mora com sua vó Benedita Silva Castro e sua irmã Helena Silva de Moraes. Instrutora de dança, ministra aulas gratuitas para crianças carentes. Aos 16 anos largou a escola para ajudar sua avó na venda de marmitas"

Nome: Bruna Silva de Moraes

Idade: 17 anos

Escolaridade: 2º grau incompleto

Nacionalidade: Brasileira

Gostos: Bebidas alcoólicas e fast foods.

Comida preferida: Bife c/batatas fritas.

Saídas: Bailes denominados "funks"e shopping.

Hobbes: Dança, costura e artesanato.

O que é esse tal de funks?

//

—Senhor Ihab.

Ligo para Faruk, meu chefe da segurança.

—Preciso de mais informações, o que vocês descobriram é muito pouco.

—Essas foram todas as informações que conseguimos tirar em pouco tempo senhor. Até obtvemos mais algumas, porém eram informações irrelevantes.

—Tanto faz. -desligo.

Cansado, dedilho a mesa. Pelo horário habibi já deve ter chego em casa. Pedi para Nádia preparar uma comida menos árabe. Ela diz não saber cozinhar nada menos árabe, porém, insisti e ela cedeu, irá tentar preparar um bife com batatas, como Bruna gosta.

Nádia é uma mulher de meia idade muito simpática, de cabelo já brancos, sorriso amarelado, de altura mediana. Foi trabalhar em casa primeiramente para servir meu pai, após sua morte, continuou a nos servir. É uma mulher muito repeitosa e o mais importante, fiel a mim.

Tomo meu uísque, balanço a cabeça afim de irradiar a tensão em meu corpo. Muitos problemas, muitas papeladas a se resolver. Administrar toda uma região não é uma tarefa fácil, exige muito de mim, e apesar de estar ainda com meus 30 anos às vezes sinto viver a responsabilidade de um homem mais velho, isso me cansa aos poucos. Nunca gostei de sair muito, sou um homem sério, um tanto frio e calculista. Sou organizado com as minhas coisas, gosto que tudo saia em perfeito estado, gosto de manter aparências e causar uma boa impressão por onde passo. Por isso, escolhi Bruna para ser minha esposa temporária. Eu precisava de uma mulher pobre, necessitada de ajuda, e moradora de uma comunidade carente. Todas as características ao meu ver de uma pessoa que aceitaria tudo por uma bela quantia de grana.

Não poderia ser alguém daqui, todas que conheço são gananciosas e espetaculosas, não aceitariam de bom grado assinar um contrato de casório temporário. Iriam querer casar, e após um bom tempo sugar meu dinheiro como cobras venenosas que são. Mas habibi será diferente, tenho certeza. Vai ser muito fácil convencê-la a assinar o contrato, mantermos as aparências por alguns meses, e logo depois ela poderá voltar para a casa de sua avó, para sua comunidade, e ainda com o bolso farto de dinheiro. Não vejo problemas nem brecha alguma em meu contrato.

//

Estaciono. Com a pasta em mãos, desço do carro, aceno para Abdul, um dos seguranças da casa. O cheiro de comida diferente invade, não sei se é algo bom ou não. Jamais comi algo que não fosse do meu país. Aliás, jamais comi algo que não fosse preparado por Nádia.

-Senhor, como foi o dia?

Zaya, uma das empregadas, a mais folgada eu diria, desce meu paletó afim de retira-lo.

—Foi bom. O jantar está pronto?

—Sim, está. -Nádia entra a sala. Joga um olhar nada agradável para Zaya que devolve com a mesma intensidade. Não gostei disso. —Eu fiz o que o senhor mandou. Aliás, tem nossa comida tradicional e da estrangeira.

—Me sirva as duas por favor.

—Vai comer aquela comida da estrangeira senhor? Não parece nada agradável. -a intragável de Zaya diz entortando a face, como se estivesse enojada.

—Não vejo problema. Você vê algum problema eu experimenta-lá Nádia? -balança a cabeça em negativo. —Ela nao vê, eu não vejo. Você vê algum problema Zaya?

—Não senhor.

—Então saia daqui, você não foi convidada para jantar.

//

Acabo de comer. Realmente tenho que admitir que a comida preferida da menina é gostosa. Aqui em Dubai há muitos estrangeiros, a culinária é bem diversificada. Dentre peixes, carnes, e vegetais. Sou adepto a culinária emirate tradicional da nossa região, então é muito atípico experimentar outros sabores. Mas uma coisa é certa, o que não poderei experimentar em hipótese alguma é a carne de porco, pois é proibido em nossa religião, um verdadeiro haram, um pecado.

—Nádia.

—Senhor.

—A menina já comeu?

—Não senhor.

Sopro um ar cansado. Não estou preocupado em saber se ela comeu por querer saber se está bem. O que me deixa furioso é ter mobilizado toda minha casa para que trabalhassem em prol de sua comida preferida, em ter buscado os temperos, para que chegasse ao mínimo possível do gosto de sua região.

—Você ao menos conseguiu vê-la?

—Não senhor.

Aperto os olhos, não estou nem um pouco com paciência hoje. A passos pesados caminho até o quarto de hóspedes no segundo andar, ao lado do meu. Bato três vezes a porta, ninguém atende. Bato novamente.

—Abra a porta! -nada é ouvido. —Estrangeira, abra essa porta!

Nádia aparece apressada.

—Senhor não adianta, já tentei falar na língua dela, mas não abre, ela não entende!

—Não adianta? Essa mulher está na minha casa e vai ter que abrir essa porta, quer queira ou não!

Dou dois passos pra trás, com toda força chuto a porta. O barulho é estridente.

Ela está deitada na cama, envolta de um lençol branco, espremida para que eu não possa vê-la. Gemidos são ouvidos, não sei se é choro, ou uma reza forte, mas também não quero saber.

Rapidamente estou à beira da cama. Com toda força puxo o lençol.

Paraliso com a cena que vejo. Pisco alumas vezes. É uma bela mulher negra de cabelos lindos, porém bagunçados, tapando sua face por conta de sua esteria. Uma beleza nada comum de encontrar por essas terras, apesar do movimento de turistas constantes.

—'iizalat alyadayn. - esqueço-me de sua nacionalidade e acabo falando em árabe. Corrijo-me. —Retire as mãos do rosto.

Para minha surpresa ela retira na mesma hora. Seus olhos estão inchados, a face completamente inchada, soluça como uma criança que acabara de ser descoberta. Seus olhos nada diferem de suas fotos. São da cor castanho escuro, chocolates, mas além de sua coloração, posso ver muita dor em seu olhar.

—Quem é você, o que você quer comigo?

—Sou Ihab.

—Te conheço como ninguém.

Em um pulo está presa em meus braços. Olho severo, aperto com força seus braços com toda raiva estancada em mim.

—Olha como fala comigo menina!

Não abaixa a guarda.

—Olha você como fala comigo.

Aperto meus dedos mais ainda. Ela não é nem um pouco a mulher que pensei que seria, maldita seja. A jogo na cama novamente. Converso em minha língua com Nádia, rapidamente ela faz o que mando, sobe com prato feito e o entrega em minhas mãos.

—Mandei fazer sua comida brasileira preferida. -jogo o prato na cama. —Aí está, coma.

—Não vou comer isso.

—Como é?

Pego em minhas mãos uma porção de batatas.

—Vai comer a força então. - pego em seu pulso a puxando para perto, ela se debate em meus braços, seguro forte suas bochechas a forçando abrir a boca, enfio as batatas dentro dela.

Consegue se soltar, cospe as batatas. Sem esperar, sinto um cuspe em minha cara. Fecho os olhos. A raiva que sobe é tamanha, ninguém nunca ousou em fazer isso e nunca ousaria pois com toda certeza perderia a cabeça.

—kalbatun! -cadela.

Furioso, ergo minha mão esquerda. Ela se retrai mo mesmo instante. Por muito pouco já perdi os limites com muitas outras mulheres. Em frações de segundos mudo de ideia, abaixo as mãos.

—Não irei sujar minhas mãos em você. -limpo o cuspe. —Que Ala diminua seus dias.

//

Bruna

Solto um grito preso na garganta, repuxo o lençol com toda a força que habita em mim. Quem esse homem pensa que é para me tratar desse jeito? Para falar assim comigo? Nunca na minha vida deixei alguém me desrespeitar dessa maneira, isso nao vai acontecer agora.

—Filho da puta! -grito em protesto.

—Menina, olhe a boca. -a mulher de meia idade fala corrigindo-me. —Fale baixo, ele entende cinco línguas diferentes e o português é uma delas.

—Eu não quero saber, eu só quero sair daqui. -balanço a cabeça. —Eu não entendo, não entendo como dentre tantas mulheres no mundo ele foi logo me sequestrar. -umedeço os lábios. —Eu não tô entendendo nada.

—Na vida, às vezes a gente não entende nada, não entende o porquê das coisas, mas saiba que tudo tem um propósito para Ala debaixo dos céus.

—Mas eu tenho certeza que Deus não quer ver seus filhos sofrerem.

—Sim menina. -joga um olhar conformista, com toda pena que pudesse existir.

Ela foi a primeira pessoa que me recebeu na casa, apesar de toda a turbulência e toda a tempestade que fiz, afim de saber o que estava acontecendo comigo, ela foi a única que me acalmou, que me deu um copo d'água e um remédio para dor de cabeça. Parece ser uma boa pessoa. Nádia é chamada por alguém. Assim que virou, eu a chamei de volta para que me respondesse apenas duas perguntas, já que nenhuma as quais fiz mais cedo quis me informar, ou nao poderia, não sei.

—Nádia.

—Sim.

—Quero te perguntar somente duas coisas.

—Sabe que não posso te falar nada menina. ‐dou um meio sorriso para a mulher vestida com vários panos estranhos de cor terrosa.

—Pode me chamar de Bruna. -limpo as lágrimas ao rosto. —Ou Bruninha se preferir.

—Gosto de Bruna.

Sorrio.

—Pode falar. -retribui.

—Primeiro, quem é a moça que trabalha aqui também? A tal de Maya.

—Uma mulher bastante ardilosa, que faria qualquer coisa para subir na vida, inclusive, já tentou por diversas formas subir na vida, mas ela nunca sai do lugar, porque é uma cobra paralítica, e de verdade Bruna, não confie nunca nela, é muito perigosa.

Assinto.

—E Ihab?

—Ele não é ruim Bruna, não se assuste com ele. É um homem muito importante, nasceu de uma família muito rica e poderosa, possui bastante propriedade e também muita responsabilidade em suas mãos. Vou ser bem sincera, há muito tempo eu não o via com uma mulher dentro de casa. Não sei o que ele pretende fazer com você, ainda não contou, pelo menos não para os funcionário, mas saiba, eu acho que ele não te mataria.

—Você acha...

—Para alguém que cuspiu em sua cara e ele não fez absolutamente nada, não acho que lhe pegou para fazer algum mal, de algum modo você é muito importante para ele, mas só o futuro dirá o porquê.

Mais uma vez ela é chamada. Fico sozinha pensando em tudo que está acontecendo e tentando buscar um plano para que eu possa me safar dessa. Mas como saber? Se nem ao menos eu sei o porquê dele ter me trago. Mas uma coisa é certa, eu não deixarei que me diminua e não baixarei a guarda.

Ele verá quem sou eu.

Vote!

Capítulo 3

Brasil 🇧🇷

Helena

Eu não sei quantos dias ou horas já se passaram que estou parada, sentada no sofá ao meio da sala esperando alguma notícia se quer de Bruna. As lágrimas secaram, junto com o meu coração que está em pedaços, mal o sinto, as batidas já não importam mais. Abaixo a cabeça. Só de lembrar do sorriso dela, do jeito alegre de ser, de suas palhaçadas... Eu não consigo. Eu não consigo continuar sem minha irmã.

Não foi fácil quando perdi meus pais. Eu era um pouco mais velha que Bruna e me vi numa situação que quase paralisei. Uma depressão imensa invadiu meu peito, ansiedade, angústia, não sabia como eu conseguiria cuidar da minha irmã sem eles, sem a nossa base, sempre foram tudo pra mim. Nossa avó Bené nos pegou para criar. A vida não foi fácil com ela. Uma senhora muito trabalhadora, muito esforçada mas extremamente rígida. Isso também ajudou ainda mais os meus medos e anseios evoluírem. Ela nunca soube ser de outro modo, mas a amo assim mesmo. Ela é nossa referência de mulher forte. Perder a filha assassinada não foi fácil, e agora a neta desaparecida. Está seguindo a base de remédios fortes. Continua trabalhando, continua seguindo sua rotina, só que sem o brilho de antes, está apática, apagada. Eu juro por Deus que eu faria de tudo para resolver isso e vê-la feliz novamente.

A campainha toca. Limpo meu nariz na roupa mesmo, seco as lágrimas e logo estou a abrir a porta.

—Lena, você está horrível!

Bia, uma das amigas de infância de Bruna entra sem ser convidada. Eu sei que estou horrível, com meu cabelo preso ao coque frouxo, não preciso que ninguém me fale isso.

—Quem você pensa que é para sair entrando na minha casa? -bato a porta. —Foi por causa de você e dessas suas amiguinhas que a minha irmã sumiu, ela estava com vocês naquela noite.

—Lena... calma. -arqueia os braços.

—Não me mande ter calma!

—Helena!

Vó Bené aparece a porta. Olho desconfiada. Ainda agora eu tinha lhe dado um remédio para dormir.

—Vó nao era para levantar, tem que esperar o remédio fazer efeito.

—Eu não tomei aquele caralho que você me deu. ‐balanço a cabeça em negação. —Não vou ficar dormindo esperando sua irmã aparecer.

—Foi você que chamou ela?

—Sim.

Faço um chiado a boca.

—Vou ir para meu plantão. -viro as costas.

—Espera Helena! -fecho os olhos. —Beatriz sabe que errou, que não deveria estar meia noite, aos 16 anos, num baile funk, bebendo, fumando, usando droga. Mas ela se arrependeu! -fala rígida. Olho para Bia que abaixa a cabeça. —Ela sabe que não foi certo, mas isso ela resolve com os pais dela. Quem não tem pai e mãe para resolver, é você e sua irmã, e eu sou responsável por Bruna. -suspiro fundo. —Ela tem informações sérias, que vão nos ajudar a saber o que aconteceu naquela noite, então cala essa boca e senta. As duas.

Solto outro suspiro. Vó Bené me olha séria. Não posso deixar de me irritar estando ao lado de uma das pessoas que sumiu com minha irmã.

—Eu não ajudei a sumir com sua irmã, se é isso que tá pensando Lena.

—O que houve naquele dia então Beatriz? -abro os braços. —O que você tem para nos contar?

//

Bruna

O sol invade as janelas sem pena. O clima aqui é bem quente por sinal, parecido com o Brasil só que mais seco. Não sei muito ainda, não tive a oportunidade de andar por aqui. Reviro os olhos com o pensamento. Para que eu estou pensando nisso, se a única coisa que eu quero é ir embora desse lugar. Com toda a tensão de ontem, mal consegui analisar o quarto que estou. As paredes são de cor bege e azul, com os desenhos tradicionais na cor branca. Móveis rústicos, tapete vermelho com pinturas, e uma pequena divisão como se fosse um biombo no meio do quarto separando a cama do banheiro privado. Os lençóis, meu Deus. O que dizer desses lençóis? Nunca vi algo tão macio na minha vida, é como deitar literalmente em pelos de cordeiro.

Espreguiço-me. Estou a vestir uma espécie de túnica branca que eu detestei. Nunca que na minha vida iria usar isso, só estou a usar pois a minha roupa estava fedorenta de bebida e de algum produto que eu não soube identificar o que. Caminho até o banheiro que aliás é muito chique, bem maior do que todo cômodo do meu barraco. Escovo os dentes com o dedo mesmo, pois não há nenhuma escova nova a vista. Gargarejo e logo estou ao quarto novamente.

Há muitos cômodos e gavetas aparentemente "velhas" aqui, decido vasculha-las. Há muitos papéis, coisas escritas em árabe que não entendo uma palha. Encontro uma agenda marrom, trancada com cadeado. Hmm,  deve ser importante. Passo levemente as mãos sobre a capa dura, há desenhos que não consigo identificar, são como listras grossas. Deixo de lado.

Em meio a minha expedição, encontro uma tesoura de aço, franzo o cenho. Olho para minha túnica. Isso daria um belo vestido. Retiro o traje que estou a usar. Dou graças por sempre ter me interessado pela costura, amo recriar peças novas em cima de outras. Faz alguns anos que minha avó tinha me colocado no curso de corte e costura, mas nunca pensei em tornar isso algo profissional, é como passar tempo, eu me sinto bem.

Estico o tecido na cama. Começo a cortar os braços arrancando as mangas, deixando como se fosse uma regata. Na gola, corto em um decote, o deixando em tamanho mediano, gosto de ressaltar meu colo, meus seios não são tão grandes, mas tem um belo tamanho. Na barra do vestido deixo em um comprimento de cinco dedos acima do joelho. O levanto.

Está perfeito!

//

Decido ir tomar banho. A ducha é muito boa, grande e forte. Ain. O chuveiro é quentinho. A água escorre por meu corpo, com ele, lavo junto toda a angústia de ontem, todo o medo. É difícil, eu ainda não sei bem com quem eu estou lhe dando. Um assassino? Um psicopata? Na minha mente só passa as piores coisas. Balanço a cabeça, é melhor eu esquecer isso e tentar ver o melhor plano para que eu possa me livrar dessa. Estou nua e sem roupas literalmente. Nao tenho nada, o vestido da festa está podre e a única lingerie era a que eu usava, obviamente não colocarei novamente.

Ainda no banheiro, penteio meus cabelos, eu os amo, são muito bem cuidados. A escova cai ao chão, reviro os olhos, sou muito desastrada mesmo, na minha vida inteira fui assim. A pego descendo o corpo minimamente. Quando levanto, solto um grito arranhando a garganta. Ihab me olha fixamente. Tento me cobrir colocando as mãos aos seios e na parte íntima. Ele fala algo em árabe que obviamente não entendo, fecha a porta imediatamente.

Arfo, com a mão ao peito suspiro pesado. Como esse infeliz entrou em meu quarto e nem ao menos percebi? A quanto tempo estava aqui...

//

Desço apressada, estou morrendo de fome. Logo vejo os funcionários posicionados ao pé da mesa, incluindo dois homens que não vi quando cheguei. Tenho o desprazer de ver Ihab sentado, pensei que já pudesse ter saído para sei lá onde, ainda estou constrangida em ter o pego me vigiando. Aceno para Nádia que retribui um tanto desconfortável, não entendo o porquê. Sento-me a mesa.

—Mas que palhaçada é essa! -em um pulo levanto ao estrondo que Ihab faz a mesa. Todos se assustam. Café, bandeijas, sucos caem todos ao solo. —Que porcaria está usando?

—Minha roupa?

—Esse pedaço de pano ridículo! -levanta alterado.

—Ah! -reviro os olhos. —O que tem de errado?

—Não tem vergonha! -rapidamente ele tira seu terno e o joga por cima de mim. —Não tem modos, não me respeita, não respeita minha casa! Mas agora você vai aprender a me respeitar então!

Fico sem entender nada até que reparo que meus seios estavam super a mostra no tecido transparente, não tinha visto isso. Solto um grito, meu corpo é levantado, estou por cima de Ihab. Sinto minha bunda aparecer, grunho quando recebo um belo tapa.

—Ihab!

Com toda velocidade sobe as escadas, em um estrondo abre a porta de meu quarto. Joga-me a cama sem nenhuma delicadeza.

—Aqui não é bagunça igual seu país! laenat aimra'atin. -maldita mulher!

—Eu não fiz porcaria nenhuma!

—Me humilhou na frente dos meus funcionários, você acha pouco? Ontem não fiz nada, mas hoje não... Hoje você vai sentir o peso da minha mão!

Senta a cama, puxa meus pés e envolve meu corpo ao seu. Arregalo os olhos quando vira minha bunda, e começa a estapeá-la.

—Ihab, não!

Grito tentando sair de seu aperto. Quanto mais tento, mais ele bate forte. Não consigo. Dói, dói muito. Ah! Expremo os olhos. O som de meus gritos ecoam por toda a casa, não há outro barulho, todos então quietos.

–P-para.

As primeiras lágrimas caem aos olhos, cansada rendo meu corpo, ele insiste nas batidas, meu choro é de soluçar, pesado, arrastado. A dor só não é maior do que a sentida em meu peito. Ser sequestrada, maltratada, humilhada sem ao menos saber o porquê. Não entra na minha cabeça nenhum motivo disso estar acontecendo comigo.

Após incansáveis minutos ele para. Jogo-me ao lado. Nunca me senti tão humilhada na minha vida. Retraio o corpo, dobro, como se fosse um neném a encolher-se. Os soluços continuam fortes, ardentes. Não tenho coragem de olhar em seu rosto. Sei que está a me encarar. Não acredito que teve coragem de me bater. Além da minha avó, das vezes que mereci, ninguém nunca ousou em me bater, nunca deixei, sempre fui do confronto, mas perto dele eu sou uma nanica indefesa.

Por alguns segundos, permanece ali mas sai logo em seguida.

Meu Deus por que eu vim parar aqui? Quando que esse pesadelo vai acabar? Eu não mereço ser maltratada. Com pensamentos turbulentos, chorando e debruçada, adormeço a cama.

//

—Bruna. Ao susto levanto com Nádia me chamando. — Desculpe te acordar, mas precisa comer alguma coisa, já está anoitecendo e você nem tomou o café da manhã.

—Eu não quero Nádia. Você ouviu a surra que ele me deu. ‐com o olhar pesado, assente. —Todos ouviram, e você ainda me diz para não ter medo dele.

—Menina, sei que o que ele fez não tem justificativa, mas entenda, ele ficou furioso quando te viu quase nua. Seus dois seguranças estavam também, claro que olharam pra você, os homens são muito ciumentos aqui.

—Não interessa, não justifica.

—Eu sei que não. -arfa.

Coloca a bandeja de comida na escrivaninha. Olho de soslaio. Há frutas, pães, e um prato feito da janta.

—O que é isso? -pergunto olhando por cima dos ombros.

—Ah, você vai gostar, é uma façulia, feijão branco com especiarias e carne, é muito saboroso, vai se deliciar.

—Parece bom.

—Foi o senhor que mandou prepará-lo, ele achou que poderia chegar ao paladar brasileiro.

—Pode levar. Não quero.

—Mm não seja assim. Tem que comer. Sei que está brava com as palmadas, porém, se não comer, vai cair dura! Por agora você poderá dormir tranquila, o senhor Ihab viajou, só volta daqui há 3 dias.

Arregalo os olhos. Tenho 3 dias para fugir.

—Veja a bandeija, tem outra coisa para você.

Olho imaginando o que poderia ser, se fosse a cabeça de Ihab em vez da refeição, seria muito bom. Espero alguns segundos, até que ela dá as costas e vou correndo devorar a comida, estou morrendo de fome. Hmmm. Delicioso esse feijão. Muito temperado, muito bom. Como as frutas, estão frescas e muito gostosas. Acabo com tudo.

Não percebi, mas ao final vejo um papel dobrado ao canto da bandeija. Desdobro e começo a ler.

"Bruna, não sou de me descontrolar como fiz hoje, na hora da raiva acabei descontando o cuspe que me deu ontem e a falta de respeito por ter aparecido nua na frente dos meus funcionários. Uma coisa que não admito é que mulher minha faça isso!

Quem falou que sou dele?

Ficarei fora por três dias para resolver alguns assuntos de trabalho, não apronte nada na minha ausência, terei pessoas a vigiando o tempo todo, e tenha certeza que posso mobilizar uma cidade ao meu favor. Deixei meu cartão com Nádia, faça algumas compras, se destraia, compre tudo que possa cobrir seu corpo!

Ihab!

Amasso o papel e jogo ao chão. A única coisa que me interessa é saber que ficará 3 dias fora, tempo suficiente para criar um plano de fuga. Eu vou conseguir me livrar desse maldito e voltar para o Brasil.

Eu vou fugir.

Para mais, baixe o APP de MangaToon!

novel PDF download
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!