Uma Linda Babá
— Doutor, ela está sentindo muita dor. Ajude-a, por favor!
— Afasto-me da minha mulher e levo as mãos à cabeça,
chorando desesperadamente ao vê-la deitada na cama hospitalar.
Ela está em trabalho de parto há muitas horas, e está sendo
difícil. Só consigo ouvir seus gemidos e seu esforço para tentar
trazer a nossa menina ao mundo.
— Tente se acalmar. Você está muito nervoso, pode ser pior
para a sua esposa — pede o médico.
Assinto, desnorteado. Depois de tantas horas sofrendo, o
médico decidiu que é melhor Camila fazer uma cesariana, uma
vez que sua pressão está alta demais.
Camila estava tendo contrações, gemia ao meu lado
enquanto vínhamos para a maternidade. Quando parei em um
semáforo no caminho, segurei a sua mão e dei um sorriso para
ela. Mesmo com um pouco de dor, ela sorriu em resposta.
Era para ser um dia feliz com a chegada da nossa pequena
Maria Alice, mas não é felicidade que estou sentindo. Não
consigo mais sorrir e dizer que tudo vai ficar bem. Estou com
medo, assombrado com a cena que presencio.
Mila e eu sempre sabíamos que a gravidez era de risco,
mesmo assim, ela optou por levar adiante, afinal, era o sonho
dela ser mãe e, claro, eu sempre quis ser pai. Mesmo com medo do que poderia acontecer, respeitei o seu desejo. Minha mulher
ficou radiante quando soube que estava grávida, no entanto,
quando o obstetra nos deu a notícia que ela tinha pressão alta,
fiquei assustado. Mas não tanto quanto descobrir que Camila
corria risco na gravidez e no parto. Perdi meu chão, mas Mila
sempre foi mais forte que eu, ela segurou as minhas mãos e foi o
meu apoio, a minha fortaleza.
— Seja forte, meu amor. — Aproximo-me dela, que joga a
cabeça para trás e choraminga.
Seguro sua mão e ela a aperta antes de me olhar por breves
segundos. Vejo em seus olhos a exaustão e o medo, que não
estavam presentes enquanto vínhamos para cá. Quando Camila
começou a sentir contrações, seu olhar era doce e otimista.
Tento ser forte, mas seus gritos e lágrimas me deixam
assustado.
— Vamos começar a cesariana — o médico diz para ela.
Camila assente e fecha os olhos. O tempo todo fico falando
com ela, dizendo o que faremos com a nossa bebê, tentando
mantê-la consciente.
Aproximo-me mais dela e beijo sua testa pálida e fria.
Agora seus lábios estão brancos, parece estar até perdendo a
consciência, me deixando mais desesperado.
— Amor, você prometeu, lembra? Você prometeu... Eu...
estou aqui, seja forte. Logo, nós três voltaremos para casa. —
Soluço e seguro a sua mão com força, precisando que ela me
garanta isso, que acredite que tudo ficará bem.
Mila abre os olhos lentamente e me dá um sorriso fraco,
tentando fazer com que eu acredite em minhas palavras, mas a
dor a impede disso e ela mostra o que escondeu nos últimos
nove meses – a sua insegurança.
— Você precisa ser forte, estamos realizando nosso sonho.
— Minha voz embarga e os meus lábios tremem ao ver que começam o trabalho de parto. — Quando nossa Maria Alice
chegar... Nós dois vamos amá-la muito. — As lágrimas rolam
pelo meu rosto e eu acaricio a sua mão que está na minha.
Vamos sair dessa, meu anjo. Você vai.
Beijo a testa suada da minha mulher e fecho os olhos,
engolindo o meu soluço. Estou tão focado em Camila que nem
me dou conta de quanto tempo se passa, mas sei que são horas
de determinação da equipe para trazer a minha filha ao mundo.
A demora é agonizante, mas me mantenho esperançoso, até que
ouço um choro fraco e o médico me mostra a minha filha. Dou
um sorriso e aperto a mão da minha esposa para ela abrir os
olhos e ver a nossa pequena. Ela é tão linda, tão minha, tão
nossa.
Sou pai. Camila e eu somos pais. Uma família completa.
— Eu disse que você conseguiria, Mila. — Aos prantos,
beijo novamente a testa, mas assim que meus lábios tocam em
sua pele, sinto algo que me deixa arrepiado.
O médico entrega a minha filha para a enfermeira e olha
para o aparelho que começou a apitar. A mão da minha esposa
fica mole e escorrega da minha. Olho para o médico querendo
saber o que está acontecendo, quando um enfermeiro se
aproxima e começa a me empurrar para fora da sala.
— Vou precisar que saia, pai, agora! — ele ordena.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, apavorado,
sabendo que algo muito grave está acontecendo com a minha
mulher.
Cumpra a sua promessa, Mila. Eu preciso das duas, vocês
são a minha única família. Por favor! Por favor!
— Tirem o pai daqui. Agora! — o médico grita.
Cada bipe alto da maldita máquina faz meu coração
diminuir o ritmo. Meus olhos ardem e os meus lábios tremem quando todos se reúnem ao redor de Camila. Tento voltar para
ela, mas o enfermeiro me empurra para fora da sala e fecha a
porta.
Sozinho no corredor, ando de um lado para outro,
preocupado, sendo psicologicamente torturado. Passo minutos
ou talvez horas me sentando, me levantando, puxando meu
cabelo e chorando.
Vai ficar tudo bem, ela prometeu. Ela sempre cumpre o que
promete.
Em breve, o médico vai sair por aquela porta e me dirá
que Mila e a minha filha estão bem.
Com o rosto banhado por lágrimas, sento-me e fecho os
olhos ao me lembrar das palavras de Camila antes de sairmos de
casa.
— Amor, não fique nervoso, vai ficar tudo bem. São só
contrações! — disse com doçura, sorrindo para mim.
— Você leva as coisas com tanta... tranquilidade, minha
linda, isso me apavora — rebati, nervoso, terminando de colocar
as sandálias em seus pés.
— Hoje, teremos a nossa pequena nos braços, Matteo.
Como não ficar tranquila quanto a isso? — Ela tocou no meu
rosto e o acariciou.
— Querida, estou com medo, eu sempre tive — confessei,
quase sussurrando, com os olhos marejados.
— Não precisa ter medo, o que tiver que ser, será — falou
tão otimista que me fez bufar.
Dei um pequeno sorriso para ela enquanto fez uma careta
antes de me dar um selinho rápido.
— Promete que vai ficar tudo bem? Promete, Mila? —
Minha voz saiu embargada.
Minha mulher assentiu, mordendo os lábios. Então as
contrações vieram mais fortes, me deixando apavorado.
— Sim... querido, vai ficar! — Seus olhos ficaram
marejados quando ela segurou as minhas mãos e me fez olhar
com atenção para ela. — Matteo, você será um ótimo pai. O
melhor do mundo!
— E você uma ótima mãe — acrescentei.
— Promete que se algo acontecer comigo, você vai cuidar
da Mali? Vai ser um bom pai, vai dar a ela muito amor, carinho,
atenção. Tudo o que eu não vou poder dar? Promete para mim?
— pediu, soluçando.
Mesmo não querendo ter essa conversa, eu concordei.
— Vamos, amor, você está com dor! — disse, atordoado.
Camila conseguiu me fazer prometer algo sem necessidade,
afinal, nós três voltaremos para casa, certo? Sim. Voltaremos.
Depois de muito tempo, o médico se aproxima, cabisbaixo.
Não vejo isso como um bom sinal, mas talvez seja coisa da
minha cabeça, ele só está cansado. Estou muito nervoso, é
normal que eu imagine coisas.
Com um sorriso frouxo, junto minhas mãos suadas e
geladas enquanto espero que o médico se manifeste, porém,
quando ele me encara, nem preciso que abra a boca para saber o
que está acontecendo. A sua postura e os seus olhos o entregam.
Eu perdi uma das duas.
Ouvi o chorinho da Maria Alice quando ela nasceu. Tenho
certeza de que a minha filha está viva, meu coração diz isso.
— Sinto muito...
— Não, não diga isso, doutor — interrompo-o, chorando.
Nunca me senti tão vulnerável quanto agora.
Ele limpa a garganta e usa o seu tom mais profissional,
mesmo que também esteja tão devastado quanto eu.
— Sinto muito, senhor, mas a sua esposa acaba de falecer
— diz, destruindo o meu coração e esmagando a esperança que
um dia tive.
Tropeço nos meus próprios pés e caio na cadeira. Trêmulo,
balanço a cabeça, não querendo aceitar o que acabei de ouvir.
— Ela... ela... disse que...
— A sua filha está bem. Ela é saudável, forte, logo o
senhor poderá vê-la. Uma enfermeira virá para o acompanhar —
informa e volta para a sala, deixando-me sozinho com minha
dor.
Por meses, esperei por um final feliz, agora vejo o quanto
estive enganado. Camila quebrou a sua promessa, me deixando
sozinho com a nossa filha.
Ela me fez prometer algo que sei que serei capaz de
cumprir, mesmo diante de tanta dor. Cuidarei da nossa filha por
ela, por nós, pelo nosso amor. Mesmo que ela tenha partido,
deixou para mim um pedaço seu, nossa pequena Maria Alice.
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Comments
Aparecida de Oliveira
Nossa começando hoje
2024-07-25
1
Jaine Sousa
que irresponsabilidade desse médico dela, sabia que a mesma tinha pressão alta e não fez uma cesariana antes dela entrar em trabalho de parto, e ainda deixou ela sofrendo horas pra até então tomar uma atitude
2024-03-18
3
Elemaria Conceiçaõde Carvalho
quando perdemos alguém que amamos, a dor não passa ,com o tempo parece aumentar
2024-03-17
1