— Doutor, ela está sentindo muita dor. Ajude-a, por favor!
— Afasto-me da minha mulher e levo as mãos à cabeça,
chorando desesperadamente ao vê-la deitada na cama hospitalar.
Ela está em trabalho de parto há muitas horas, e está sendo
difícil. Só consigo ouvir seus gemidos e seu esforço para tentar
trazer a nossa menina ao mundo.
— Tente se acalmar. Você está muito nervoso, pode ser pior
para a sua esposa — pede o médico.
Assinto, desnorteado. Depois de tantas horas sofrendo, o
médico decidiu que é melhor Camila fazer uma cesariana, uma
vez que sua pressão está alta demais.
Camila estava tendo contrações, gemia ao meu lado
enquanto vínhamos para a maternidade. Quando parei em um
semáforo no caminho, segurei a sua mão e dei um sorriso para
ela. Mesmo com um pouco de dor, ela sorriu em resposta.
Era para ser um dia feliz com a chegada da nossa pequena
Maria Alice, mas não é felicidade que estou sentindo. Não
consigo mais sorrir e dizer que tudo vai ficar bem. Estou com
medo, assombrado com a cena que presencio.
Mila e eu sempre sabíamos que a gravidez era de risco,
mesmo assim, ela optou por levar adiante, afinal, era o sonho
dela ser mãe e, claro, eu sempre quis ser pai. Mesmo com medo do que poderia acontecer, respeitei o seu desejo. Minha mulher
ficou radiante quando soube que estava grávida, no entanto,
quando o obstetra nos deu a notícia que ela tinha pressão alta,
fiquei assustado. Mas não tanto quanto descobrir que Camila
corria risco na gravidez e no parto. Perdi meu chão, mas Mila
sempre foi mais forte que eu, ela segurou as minhas mãos e foi o
meu apoio, a minha fortaleza.
— Seja forte, meu amor. — Aproximo-me dela, que joga a
cabeça para trás e choraminga.
Seguro sua mão e ela a aperta antes de me olhar por breves
segundos. Vejo em seus olhos a exaustão e o medo, que não
estavam presentes enquanto vínhamos para cá. Quando Camila
começou a sentir contrações, seu olhar era doce e otimista.
Tento ser forte, mas seus gritos e lágrimas me deixam
assustado.
— Vamos começar a cesariana — o médico diz para ela.
Camila assente e fecha os olhos. O tempo todo fico falando
com ela, dizendo o que faremos com a nossa bebê, tentando
mantê-la consciente.
Aproximo-me mais dela e beijo sua testa pálida e fria.
Agora seus lábios estão brancos, parece estar até perdendo a
consciência, me deixando mais desesperado.
— Amor, você prometeu, lembra? Você prometeu... Eu...
estou aqui, seja forte. Logo, nós três voltaremos para casa. —
Soluço e seguro a sua mão com força, precisando que ela me
garanta isso, que acredite que tudo ficará bem.
Mila abre os olhos lentamente e me dá um sorriso fraco,
tentando fazer com que eu acredite em minhas palavras, mas a
dor a impede disso e ela mostra o que escondeu nos últimos
nove meses – a sua insegurança.
— Você precisa ser forte, estamos realizando nosso sonho.
— Minha voz embarga e os meus lábios tremem ao ver que começam o trabalho de parto. — Quando nossa Maria Alice
chegar... Nós dois vamos amá-la muito. — As lágrimas rolam
pelo meu rosto e eu acaricio a sua mão que está na minha.
Vamos sair dessa, meu anjo. Você vai.
Beijo a testa suada da minha mulher e fecho os olhos,
engolindo o meu soluço. Estou tão focado em Camila que nem
me dou conta de quanto tempo se passa, mas sei que são horas
de determinação da equipe para trazer a minha filha ao mundo.
A demora é agonizante, mas me mantenho esperançoso, até que
ouço um choro fraco e o médico me mostra a minha filha. Dou
um sorriso e aperto a mão da minha esposa para ela abrir os
olhos e ver a nossa pequena. Ela é tão linda, tão minha, tão
nossa.
Sou pai. Camila e eu somos pais. Uma família completa.
— Eu disse que você conseguiria, Mila. — Aos prantos,
beijo novamente a testa, mas assim que meus lábios tocam em
sua pele, sinto algo que me deixa arrepiado.
O médico entrega a minha filha para a enfermeira e olha
para o aparelho que começou a apitar. A mão da minha esposa
fica mole e escorrega da minha. Olho para o médico querendo
saber o que está acontecendo, quando um enfermeiro se
aproxima e começa a me empurrar para fora da sala.
— Vou precisar que saia, pai, agora! — ele ordena.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, apavorado,
sabendo que algo muito grave está acontecendo com a minha
mulher.
Cumpra a sua promessa, Mila. Eu preciso das duas, vocês
são a minha única família. Por favor! Por favor!
— Tirem o pai daqui. Agora! — o médico grita.
Cada bipe alto da maldita máquina faz meu coração
diminuir o ritmo. Meus olhos ardem e os meus lábios tremem quando todos se reúnem ao redor de Camila. Tento voltar para
ela, mas o enfermeiro me empurra para fora da sala e fecha a
porta.
Sozinho no corredor, ando de um lado para outro,
preocupado, sendo psicologicamente torturado. Passo minutos
ou talvez horas me sentando, me levantando, puxando meu
cabelo e chorando.
Vai ficar tudo bem, ela prometeu. Ela sempre cumpre o que
promete.
Em breve, o médico vai sair por aquela porta e me dirá
que Mila e a minha filha estão bem.
Com o rosto banhado por lágrimas, sento-me e fecho os
olhos ao me lembrar das palavras de Camila antes de sairmos de
casa.
— Amor, não fique nervoso, vai ficar tudo bem. São só
contrações! — disse com doçura, sorrindo para mim.
— Você leva as coisas com tanta... tranquilidade, minha
linda, isso me apavora — rebati, nervoso, terminando de colocar
as sandálias em seus pés.
— Hoje, teremos a nossa pequena nos braços, Matteo.
Como não ficar tranquila quanto a isso? — Ela tocou no meu
rosto e o acariciou.
— Querida, estou com medo, eu sempre tive — confessei,
quase sussurrando, com os olhos marejados.
— Não precisa ter medo, o que tiver que ser, será — falou
tão otimista que me fez bufar.
Dei um pequeno sorriso para ela enquanto fez uma careta
antes de me dar um selinho rápido.
— Promete que vai ficar tudo bem? Promete, Mila? —
Minha voz saiu embargada.
Minha mulher assentiu, mordendo os lábios. Então as
contrações vieram mais fortes, me deixando apavorado.
— Sim... querido, vai ficar! — Seus olhos ficaram
marejados quando ela segurou as minhas mãos e me fez olhar
com atenção para ela. — Matteo, você será um ótimo pai. O
melhor do mundo!
— E você uma ótima mãe — acrescentei.
— Promete que se algo acontecer comigo, você vai cuidar
da Mali? Vai ser um bom pai, vai dar a ela muito amor, carinho,
atenção. Tudo o que eu não vou poder dar? Promete para mim?
— pediu, soluçando.
Mesmo não querendo ter essa conversa, eu concordei.
— Vamos, amor, você está com dor! — disse, atordoado.
Camila conseguiu me fazer prometer algo sem necessidade,
afinal, nós três voltaremos para casa, certo? Sim. Voltaremos.
Depois de muito tempo, o médico se aproxima, cabisbaixo.
Não vejo isso como um bom sinal, mas talvez seja coisa da
minha cabeça, ele só está cansado. Estou muito nervoso, é
normal que eu imagine coisas.
Com um sorriso frouxo, junto minhas mãos suadas e
geladas enquanto espero que o médico se manifeste, porém,
quando ele me encara, nem preciso que abra a boca para saber o
que está acontecendo. A sua postura e os seus olhos o entregam.
Eu perdi uma das duas.
Ouvi o chorinho da Maria Alice quando ela nasceu. Tenho
certeza de que a minha filha está viva, meu coração diz isso.
— Sinto muito...
— Não, não diga isso, doutor — interrompo-o, chorando.
Nunca me senti tão vulnerável quanto agora.
Ele limpa a garganta e usa o seu tom mais profissional,
mesmo que também esteja tão devastado quanto eu.
— Sinto muito, senhor, mas a sua esposa acaba de falecer
— diz, destruindo o meu coração e esmagando a esperança que
um dia tive.
Tropeço nos meus próprios pés e caio na cadeira. Trêmulo,
balanço a cabeça, não querendo aceitar o que acabei de ouvir.
— Ela... ela... disse que...
— A sua filha está bem. Ela é saudável, forte, logo o
senhor poderá vê-la. Uma enfermeira virá para o acompanhar —
informa e volta para a sala, deixando-me sozinho com minha
dor.
Por meses, esperei por um final feliz, agora vejo o quanto
estive enganado. Camila quebrou a sua promessa, me deixando
sozinho com a nossa filha.
Ela me fez prometer algo que sei que serei capaz de
cumprir, mesmo diante de tanta dor. Cuidarei da nossa filha por
ela, por nós, pelo nosso amor. Mesmo que ela tenha partido,
deixou para mim um pedaço seu, nossa pequena Maria Alice.
— Pai, pai, olha! Que lindo! — Ela larga o seu copo de
suco e aponta para o céu.
Desvio a minha atenção do meu notebook e olho para a
minha filha, que parece impressionada com um arco-íris em um
dia ensolarado.
— Estou vendo, querida, é realmente encantador — falo,
olhando para ela, que continua a encarar o céu e sorrir. Volto a
minha atenção ao arquivo do meu livro revisado que chegou
ontem à noite por e-mail, mas Maria Alice me chama de novo.
— Eu gosto de todas essas cores, papai. São lindas como a
mamãe! — diz, sorrindo, toda inocente.
— Sim, é verdade. — Minha garganta arranha um pouco.
Minha princesa está crescendo tão rápido, está deixando de
ser o meu bebê a cada dia que passa. Fico surpreso com o seu
modo tão “maduro” de dialogar. Desde os seus três anos de
idade que ela sabe que a mãe foi se juntar às milhares de
estrelinhas no céu, explicar para ela dessa forma foi mais fácil
para que compreendesse que Camila não estava mais entre nós e
que não voltaria.
Após a partida da minha esposa, achei que nada mais seria
capaz de me afetar, que não poderia existir outra dor que
pudesse se comparar a da sua morte, porém, voltei a senti-la
quando chegou a hora de contar a nossa menina que sua mãe
havia falecido. Passei anos e mais anos treinando para que
quando chegasse esse dia, eu não falhasse miseravelmente. Foi
doloroso me lembrar que perdi o amor da minha vida naquela
sala de parto.
Parece que foi ontem que tive a conversa com um serzinho
inocente de três anos de idade, no sofá da sala. Ela chorava
porque tinha caído e começou a chamar por “mamãe”, e eu,
desesperado, sem saber o que fazer, comecei a chorar também,
porque desde os seus dois anos eu falava para ela sobre a mãe
para que a memória de Camila se mantivesse viva, só que nunca
cheguei a contar sobre a sua partida. Somente minutos depois
que me recompus, contei para ela sobre a mamãe ter ido embora
para o céu.
Largo o notebook e pego a minha xícara de café, tomando
um gole do líquido morno. Hoje, decidi que tomaríamos café
juntos. Há duas semanas mal vejo a minha filha, mas não é
intencional, tenho ficado muito ocupado com esse livro. Quase
não tenho vida social desde que comecei a trabalhar nele, e
ontem, mesmo receosa, Madalena me alertou que eu estava
deixando Alice de lado e que a menina sente a minha falta.
Sentindo-me culpado, pensei em suas palavras e percebi que
poderia dividir minhas horas com a minha garotinha. Decidi que
mesmo que eu esteja tão atarefado, preciso estar mais presente
para a minha filha, eu sempre estive e não será agora que farei
diferente.
— Um dia, a mamãe vai voltar para nós, papai?
Minha bile sobe com a sua pergunta, não esperava por isso.
— Filha, infelizmente, quem vira estrelinha no céu não
volta mais — respondo, depois de um silêncio desconfortável
que faz com que meu peito fique apertado.
— Se ela voltasse, eu seria muito feliz... — Ela parece
murchar diante dos meus olhos.
— E comigo você não é? — murmuro, vendo seus olhos se
encherem de lágrimas.
— Sou, papai, mas eu gostaria de ter uma mamãe. A
Isabela e a Luísa têm uma mãe, só eu que não. — Seu tom
baixinho é embargado ao mencionar as netas da minha
governanta.
— E quem disse que você não tem? Ela só não está aqui. —
Minha garganta queima.
— Eu sei, pai. — Ameaça chorar, então afasto o notebook,
vou até ela e me ajoelho à sua frente, tocando em seu rostinho
em seguida.
— Maria Alice, a sua mãe pode não estar aqui conosco,
mas ela vive dentro de nós. — Toco em seu peito e depois no
meu, deixando-a atenta aos meus movimentos. — O importante é
que sabemos que, de onde ela estiver, está cuidando de nós. —
Beijo a sua testa e ela agarra meu pescoço, fungando. — Agora
pare de chorar, senão a Madalena não vai trazer as netas dela
para brincar com você, no sábado — proponho, querendo
compensá-la.
Seus olhinhos brilham de contentamento.
— Tá bom, papai! — Se afasta de mim e me dá o sorriso
mais puro de todo o universo.
— Boa menina. Agora termine o seu café — digo,
respirando aliviado por ela ter aceitado. Sinto falta de quando
ela era um bebê e não me fazia perguntas difíceis.
Confiro as horas no relógio em meu pulso e me lembro que
daqui a alguns minutos terei que entrevistar a sexta candidata à
babá para Maria Alice, que desta vez é uma recomendação da
minha fiel governanta e eu não pude negar esse pedido.
Confesso que estou sem paciência alguma para aturar mais
uma amadora. Estou desde segunda-feira entrevistando as
candidatas que a Daniele, prima da minha esposa e minha amiga,
tem me enviado da agência de uma colega dela. Mas as cinco
“profissionais” que entrevistei não eram adequadas para cuidar
da minha filha, e eu não enfio qualquer um dentro da minha
casa. Não mesmo.
— Matteo, a Brenda já chegou para a entrevista. —
Madalena surge no jardim depois de alguns minutos.
— Madalena, leve a Alice para o quarto. Vou para o
escritório e em cinco minutos leve a Brenda — aviso, olhando
para a mulher baixinha de cabelo grisalho.
Fixo meus olhos em Maria Alice e noto que ela terminou
de tomar café, seus olhos estão menos tristes depois da nossa
conversa. Por mais que minha esposa tenha falecido no parto há
seis anos, e desde então venho criando minha filha sozinho,
olhar para Maria Alice é como uma ferida aberta que talvez
nunca vá cicatrizar.
Mila fez a sua escolha, ela quis deixar nossa filha para
mim, mas sei que se fosse eu no lugar dela, teria feito o mesmo.
Pensativo, observo Alice se levantar da sua cadeira e
seguir Madalena para dentro da casa, então faço o mesmo,
caminhando para o meu escritório.
Depois de cinco minutos, ouço batidas na minha porta e
reconheço a voz de Madalena, avisando que está com Brenda.
Ajeito-me na cadeira e peço para que entrem.
— Senhor, aqui está a Brenda — minha governanta fala
assim que entram na sala.
Levo meus olhos para as duas mulheres, notando que a
candidata à babá é bem jovem, bonita e muito atraente.
Lentamente, acabo reparando nela mais do que o necessário. O
seu cabelo castanho-claro está solto e bate na altura dos ombros,
ela não usa nenhum tipo de maquiagem, exceto um gloss rosa,
que mesmo que esteja a alguns metros de distância de mim,
consigo sentir o cheiro de melancia. A sua postura ereta e a
cabeça baixa não me impedem de perceber as curvas nos lugares
certos em seu corpo magro, que está coberto por um vestido
preto.
Acho que a candidata ainda não se deu conta de quem está
diante dela, porque não me olhou diretamente no rosto. Ela
parece um pouco aflita. Seus olhos claros fixam na prateleira de
livros, em qualquer coisa, menos em mim, é evidente o seu
nervosismo.
— Obrigado, Madalena, pode se retirar — agradeço-a.
Antes de sair, Madalena sussurra algo no ouvido da jovem,
que somente acena e agradece.
— Boa sorte, Brenda — deseja minha governanta,
dirigindo-se a ela com um certo grau de intimidade. — Com
licença, senhor.
Limpo a garganta para chamar a atenção da candidata à
vaga, e ela, por fim, ergue o rosto. Assim que olha para mim,
seu semblante muda para pura surpresa.
Ela não esperava que fosse eu. Normalmente, quando vou
fazer as entrevistas, deixo que as candidatas descubram quem
sou eu quando chegam à minha casa, e dessa vez, mesmo que
fosse uma recomendação da pessoa que mais confio nessa vida,
não agi de modo diferente. Comecei a fazer esse tipo de coisa
após receber várias vezes jornalistas intrometidas disfarçadas de
babás para coletar informações sobre a minha vida pessoal, para
expor em revistas. E eu sou um homem muito reservado, não
gosto que invadam a minha privacidade. Se antes de perder a
minha esposa já era assim, depois que ela se foi eu me fechei
muito mais. Dificilmente cedo a entrevistas, desde o nascimento
de Maria Alice e a perda de Camila, fiz com que a minha
agenciadora e a assessora fizessem de tudo para que eu seguisse
minha carreira sem causar muito alarde.
Ter me tornado viúvo tão cedo me obrigou a fazer algumas
escolhas em meu ramo profissional. Uma delas foi proteger a
imagem da minha garotinha desse mundo perverso, onde as
pessoas não se importam em respeitar a sua vontade, só as delas.
E, com certeza, não mediriam esforços para usar imagens da
minha filha em manchetes sensacionalistas.
— Sente-se, srta. Correia — peço, apontando para a
cadeira. A moça rapidamente se senta. — Você sabe por que está
na minha casa? — É a primeira pergunta que faço, o seu rosto é
repleto de confusão com o meu questionamento.
— Sei sim, sr. Bianco. — A mulher assente, desconcertada
por eu manter o nosso contato visual. — É para a vaga de babá.
Eu trouxe o meu currículo para que possa analisar, e tenho três
cartas de recomendação. — Tenta esconder o nervosismo das
palavras, mas é nítida a sua postura apreensiva ao se comunicar
comigo.
— Não me baseio em currículos, muito menos em
recomendação de ex-empregador para contratar alguém para
cuidar da minha filha. Ser babá de uma criança vai além dessas
coisas, é algo muito íntimo, requer cuidado, e muitas vezes nem
sempre o que está escrito é verdade. Qualquer um pode
conseguir uma carta de recomendação falsa, ou até mesmo
montar um currículo listando várias qualidades inexistentes.
Resumindo, srta. Brenda, eu entrevisto as babás da Maria Alice
porque sinto a necessidade de avaliar a pessoa de perto, então
sugiro que esqueça a ideia de me mostrar esses papéis.
A mulher arregala os olhos esverdeados como duas
esmeraldas preciosas antes de os semicerrar levemente, mas
tenta disfarçar com um leve e falso sorriso.
— Claro, senhor, entendo. É só me dizer o que precisa para
que possamos começar a entrevista. Estou aberta a qualquer tipo
de pergunta que queira fazer, inteiramente a sua disposição —
diz, por fim, com a voz firme.
E isso faz com que ganhe um ponto comigo, ela não recua e
escolhe bem as palavras.
Passamos um bom tempo conversando, então consigo
analisar o interesse dela na vaga. Faço perguntas sobre a idade
das últimas crianças que cuidou, o motivo de ter saído do último
emprego e embora saiba que ela tem formação em pedagogia e
os professores devem ser capacitados em primeiros-socorros,
gosto de reforçar a informação. Suas respostas e seu
posicionamento são convincentes o suficiente para que eu tenha
certeza de que ela merece uma oportunidade de provar que é
merecedora da minha confiança.
— Preciso saber se você tem disponibilidade para morar
nas minhas dependências. Embora a minha profissão me permita
trabalhar em casa, passo muitas horas ocupado, e por mais que
eu tente dar atenção a minha filha, às vezes nem sempre consigo
estar com ela. Eu preciso de alguém de confiança para isso, que
cuide da Maria Alice quando eu preciso — termino de narrar,
percebendo que a candidata está bem atenta.
— Eu preciso de uma pessoa que esteja disponível para a
minha filha vinte e quatro horas, e que ela se sinta confortável
enquanto eu não estiver. — Brenda balança a cabeça,
concordando. — A Madalena começa o seu turno às sete da
manhã e larga às dezessete, e as outras funcionárias não foram
contratadas para cuidar da minha filha, não posso jogar para elas
uma responsabilidade que não é delas.
— Sim, entendo. Caso eu seja contratada, terei que morar
aqui... sr. Bianco? — gagueja, meio nervosa.
— Sim, senhorita. Mas não será a semana toda. Eu preciso
do seu serviço de segunda a sábado. E talvez um domingo ou
outro — explico, deixando-a um pouco mais aliviada, isso fica
nítido em sua expressão.
Ainda em silêncio e atenta às minhas palavras, Brenda
assente algumas vezes e diz “compreendo, senhor”. Falo a ela o
que Maria Alice pode e não pode comer, sobre a sua rotina e o
que não permito que faça dentro da minha casa. Também aviso
sobre a restrição à piscina, que Maria Alice não pode, de
maneira alguma, ter acesso. Deixo bem claro que minha filha é
uma criança muito persistente e quase sempre consegue dobrar
qualquer um com aquele sorrisinho meigo dela. Esclareço que,
mesmo que seja difícil, o não deve ser dito quando necessário.
— Além da restrição à piscina, não permito que use o seu
celular para capturar fotos da Maria Alice ou da minha casa, em
hipótese alguma. Eu preciso de alguém de confiança, e se
expuser a minha filha de alguma maneira, você será demitida. —
O rosto dela empalidece com o meu tom quase grosseiro.
Talvez ela ache que estou sendo paranoico, mas é o certo a
se fazer, qualquer pai que ama e preserva o seu filho faria o
mesmo. Ser uma pessoa pública não é fácil, e eu aprendi isso da
pior maneira possível quando aquela maternidade encheu de
repórteres e eu tive que sair com a minha filha pelos fundos, por
não saber lidar com tantas perguntas de uns filhos da puta que
nem respeitaram a minha dor naquele momento.
Foi a partir dali que me tornei um homem mais recluso.
— O.k. Entendido, senhor. — Brenda fica com a pele
branca ainda mais pálida.
— Ótimo.
— Estamos quase nos entendendo, Brenda. Posso te chamar
assim, certo? — Assente e sorri, parece contente. — Só preciso
saber de mais uma coisa para ter certeza de que você é realmente
qualificada para preencher essa vaga. Preciso saber se não há
nada que a impeça de dar toda a atenção que a minha filha
requer. É casada? Tem filhos? — Passo a mão na barba. Um
marido perturbando na porta da minha casa, ou um filho que
precisa da atenção da mãe em horários inoportunos é o que
menos quero no momento.
Ela parece ficar sem jeito por eu ter sido tão direto com as
minhas perguntas, mas elas são cruciais para a sua contratação.
— Não, eu não tenho filhos, muito menos sou casada —
responde, gentilmente.
— Então é isso, Brenda, vamos tentar. — Pego uma folha
com o valor do salário padrão que mostro para todas as
candidatas e empurro para que veja quanto vai receber se for
contratada. — Esse será o seu salário e mais um bônus. Com
todos os direitos trabalhistas assegurados. Mas eu preciso que
você sempre esteja disponível para a Maria Alice. Minha filha
tem apenas seis anos e precisa de muita atenção, é uma garota
muito inteligente e sensível.
— Obrigada, senhor, não irá se arrepender. E quando
começo? — Passa as mãos no tecido do vestido preto, como se
estivesse ansiosa.
— Assim espero. Pode começar amanhã. E preciso que
traga todos os seus documentos. Às sete, meu motorista irá
buscá-la em seu endereço, para que às sete e meia já esteja
iniciando o trabalho — falo enquanto a encaro com seriedade. —
Seja bem-vinda à minha casa, você está contratada. — Me
levanto e ela faz o mesmo.
— Tudo bem. Agradeço por ter me dado essa oportunidade.
— Dá um pequeno sorriso, demonstrando estar menos tensa.
— Até amanhã, Brenda. — Estendo minha mão para nos
despedirmos.
— Até, senhor. Tenha um ótimo dia. Com licença. — Se
despede e sai da sala.
Pensativo, descanso minhas costas na cadeira e fecho os
olhos.
Afastando os pensamentos, retorno para o notebook com a
intenção de terminar a tempo alguns capítulos da primeira
leitura, para ter uma conversa com a minha filha antes do jantar.
Exausto por ter passado tantas horas trancafiado no
escritório lendo meu arquivo e corrigindo algumas lacunas que
encontrei, estou pronto para tomar um banho e depois ir até o
quarto de Maria Alice, mas eu a encontro sentada no sofá, com o
seu livrinho infantil, o primeiro que comprei para ela para que já
criasse o hábito da leitura desde pequena. Mesmo que ainda
esteja aprendendo a ler, é curiosa o suficiente para tentar.
Sorrindo, vendo-a distraída com a perninha em cima da
outra e o livro em seu colo, aproximo-me dela e beijo o alto da
sua cabeça, sentindo o cheiro do xampu de melancia entre os
seus fios loiros iguais os da mãe.
— Hm, minha filha está cheirosa. A Lena já te deu banho?
— Sorrio, sentando-me seu lado. Ela ergue o rostinho para me
encarar com aquele sorriso que é a razão da minha felicidade
todos os dias.
— Sim, papai! Não tá vendo que estou usando o meu
vestido novo? — questiona-me, colocando a mão na cintura
como se fosse gente grande. Só então reparo na sua roupa, que
comprei na viagem que fizemos para a Itália quando fomos
visitar a minha nonna, no ano passado.
— Verdade, filha, só reparei agora. — A serelepe dá uma
risadinha.
Perdi meus pais muito cedo. Na época eu estava na
faculdade, faltava somente um mês para a minha formatura em
economia, quando eles sofreram um acidente de gôndola em
Veneza e morreram afogados. O único sobrevivente foi o
barqueiro. O meu pai tentou salvar a minha mãe, mas no
processo, acabou se afogando também, foi assim que perdi as
duas pessoas que eu mais amava no mesmo dia, doze anos atrás.
E anos depois, a história quase se repetiu, por pouco não perdi
minhas duas garotas.
Às vezes, me pergunto se estou fadado a perder as pessoas
que amo sempre nos momentos que deveriam ser os mais felizes
da minha vida. Depois da Camila, comecei até temer a tal
felicidade, aprendi que posso me decepcionar no momento em
que menos espero.
Após ter pedido meus pais, quem deu continuidade a minha
criação, mesmo eu já sendo um homem formado, foi a minha
avó, minha única família viva. Meu pai era filho único, assim
como eu sou.
Como único herdeiro, a editora Bianbooks ficou para mim,
porém, ao perder meus pais não fazia mais sentido continuar
vivendo na Itália. Decidi vir morar no Brasil para reconstruir a
minha vida.
E foi assim que conheci Camila. No aeroporto trombei com
uma brasileira língua-afiada que só faltou me bater quando
quase a derrubei no chão e estraguei a surpresa que ela tinha
feito para a sua mãe, que estava voltando de uma viagem
internacional. Foi amor à primeira vista, eu a amei primeiro e
depois ela me amou mais do que eu mesmo me amava, porque
foi capaz de dar a sua vida para que a nossa filha viesse ao
mundo.
Vim para o Brasil achando que iria reconstruir a minha
vida. Teria finalmente o meu tão sonhado felizes para sempre ao
lado das pessoas que eu amava, como eu costumava a colocar em
meus livros.
Mas quem disse que tudo é como queremos ou sonhamos?
Anos depois, vivendo em plenitude com a minha esposa e à
espera da nossa filha, recebo o segundo maior tombo; estava
perdendo novamente alguém que amava para a maldita morte.
— Pai, quando eu for dormir, pode contar uma historinha
para mim? — pede, com os olhinhos brilhando, me tirando dos
devaneios.
— Conto, sim, princesa. — Deposito outro beijo em sua
cabeça. — Mas agora o papai quer ter uma conversa séria com
você. — Fito-a, que me encara curiosa.
— Mas o senhor disse que crianças não têm conversa séria!
— Se recorda e eu jogo a cabeça para trás, gargalhando.
— Garotinha esperta! — Faço cócegas nela, que começa a
rir. — Eu consegui uma nova babá, Maria Alice, ela vai começar
amanhã. Quero que se comporte e seja uma boa menina, tá bom?
— digo, depois de ela parar de rir.
— Mas eu sou, papai! — Cruza os braços, sorridente.
— Eu sei disso, só estou te lembrando, o.k.? — Passo a
mão em seu cabelo, que está com maria-chiquinha.
— E se ela for má igual àquela da última vez? Eu ainda
tenho que ser boa com ela? — Faz um biquinho.
— Não vai ser, prometo. — Eu a puxaria para um abraço,
mas preciso de um banho.
A última babá foi um desastre total. Quando descobriu
quem eu era, ficou tão eufórica com a minha presença na casa,
que deixava os seus afazeres de lado, principalmente a minha
filha, para estar no mesmo ambiente que eu. A maior patifaria
foi quando a mulher teve o atrevimento de ficar tirando fotos
minhas e de Maria Alice, sendo que desde o início eu já tinha
avisado sobre o uso de câmeras. No mesmo dia eu disse que ela
podia arrumar suas coisas, pois estava demitida.
— Eu queria a Renata de volta, papai, ela era boa comigo.
— Faz biquinho novamente.
— Filha, você sabe que ela estava esperando um bebê e não
poderia mais ficar aqui. — A Renata foi uma excelente babá
para a Maria Alice por três anos, só que depois que engravidou,
ela tomou a decisão de focar exclusivamente em sua gravidez e
na família.
— O senhor deveria ter deixado ela trazer o bebê, eu
ajudaria a cuidar.
Minha filha me faz gargalhar com as suas palavras.
— Mali, bebês não são como as suas bonequinhas, são
delicados e precisam de mais atenção — explico a ela, que dá
um sorriso travesso.
— Então eu sou o seu bebê, não é, papai?
— Sim, é o meu.
— Qual o nome da moça que vai cuidar de mim? —
inquire, curiosa.
— Brenda — murmuro, pensando na candidata.
Ela é a mais jovem e a mais bonita que já pisou nessa casa
para querer cuidar de Maria Alice. Posso afirmar que será um
perigo constante para mim –reparei demais nela e a achei uma
gracinha –, mas não passará disso, não me envolvo com
funcionários. Muito menos com as mulheres que cuidam da
minha filha, não gosto de misturar as coisas.
— É um nome bonito, papai.
Assim como a dona dele.
Balançando a cabeça para expulsar o meu pensamento
insano, levanto-me para subir para meu quarto.
— Vou me arrumar para jantarmos, não demoro —
prometo.
— Tá bom! A Lena disse que a Tina fez tilamisú, meu doce
preferido.
Rio baixinho por ela pronunciar o nome da tradicional
sobremesa italiana errado.
— O.k. Já volto. — Pisco para ela, girando nos calcanhares
e seguindo para o meu quarto.
Após a entrevista na mansão do sr. Bianco, vou direto para
a minha casa, mas deixo tia Lorena a par de tudo por ligação.
Assim que chego, me deparo com Fernanda, minha melhor
amiga, me esperando para saber mais detalhes sobre a vaga de
babá. Conto a ela que o meu futuro chefe é um escritor famoso,
e que eu não sabia de nada disso até pôr meus pés lá. Por pouco
não tive um treco ao me deparar com Matteo Bianco à minha
frente assim que entrei em seu escritório.
Não foi somente por ele ser um homem conhecido que
fiquei estagnada diante dele. Não posso negar que aqueles olhos
castanhos deslumbrantes parecendo duas amêndoas e aquele ar
de arrogância – que talvez seja mais do que eu esteja julgando –
faz um contraste com a sua beleza. Matteo é mais lindo
pessoalmente, tem muita presença, agora entendo o porquê dos
seus fãs serem loucos por ele. O encanto que sentem pelo
escritor vai além das palavras que o sr. Bianco escreve. E hoje,
eu pude afirmar isso, estive a poucos metros dele e foi suficiente
para admirar a sua beleza, o rosto másculo e definido coberto
por uma barba bem-feita. A sua expressão estava endurecida,
mas ao mesmo tempo se tornava algo intrigante e sexy.
Quando a amiga da tia Lorena de longa data, a sra.
Madalena, disse que o patrão dela estava precisando de uma
babá para a filha dele, eu me animei, afinal, já tinha exercido
essa função. Eu também sou formada em pedagogia, dei aula em
duas escolas, e como adoro crianças e sei lidar com elas, pedi a
minha tia para falar com a Madalena se ela poderia fazer com
que eu fosse entrevistada para preencher a vaga. Na ligação, um
dia antes da entrevista, ela me disse que o sr. Bianco é muito
reservado e que eu tivesse cuidado com cada palavra que fosse
dizer.
No momento em que cheguei à mansão Bianco, que fica em
um condomínio luxuoso afastado da cidade, não consegui
associar o nome, muito menos o sobrenome, por estar muito
ansiosa para conseguir a vaga de emprego. Mas no instante em
que a governanta me guiou até aquela sala e abriu a porta, eu
tive que controlar a minha surpresa por estar diante de alguém
tão bem falado por seus textos no mundo da literatura, então agi
o mais profissional possível.
Bom, se ela tivesse deixado claro que era Matteo, o
escritor, eu saberia até de quem se tratava. Na época em que a
esposa dele faleceu, saiu somente uma nota de falecimento e
depois não houve mais notícias.
— Nem adianta ficar me olhando assim, já tomei a minha
decisão e não volto atrás — murmuro, suspirando.
Estou sentada na cama com minha amiga, que está um
pouco revoltada por eu ter aceitado o emprego com as condições
impostas por ele.
Quando o empregador da Madalena me disse o valor do
salário, eu quase caí para trás, me segurei para não demonstrar o
tamanho da minha alegria. Com o valor, vou conseguir pagar as
minhas contas, me organizar em muitas coisas e ainda sobra um
valor considerável para começar uma poupança para alguma
emergência.
— Você enlouqueceu, minha amiga? Vai virar prisioneira
nesse emprego? Nem por um milhão de reais eu trocaria a minha
liberdade — resmunga, ainda indignada com a minha decisão.
— Não exagere, é claro que por um milhão você daria mais
do que a sua liberdade. — Bufo, fazendo-a rir baixinho.
— Um milhão é um milhão, né. — Pisca para mim.
— Hipócrita — provoco-a.
— E você é maluca por ter que morar no trabalho, mesmo
que vá receber muito bem por isso — retruca.
Não que eu tivesse muito tempo para pensar sobre isso, no
entanto, preciso pagar as minhas contas.
Estou desempregada há quase um ano, a ponto de ficar
louca. Eu gosto de trabalhar, de ter as minhas coisinhas, pagar
as minhas contas, ficar sendo sustentada por minha tia por tanto
tempo está me deixando triste, até mesmo meio deprê.
— Não estou em condições de exigir nada, preciso de um
trabalho. Tia Lore precisa que eu também ajude aqui dentro!
Não posso ser um estorvo, e não sei se você se lembra, mas
tenho um empréstimo para quitar com o banco. Eu não ligo de
morar lá e viver para a garota, o importante é que terei o meu
salário e os meus direitos. Sem contar que vou conseguir colocar
comida na mesa depois de tanto tempo — declaro, me
remexendo na cama.
— Sim, eu sei, você tem razão. Mas continuo achando que
é uma loucura ficar disponível dessa maneira. Isso é exploração!
Se quiser, eu te empresto uma grana para você se manter até
conseguir algo melhor. Eu te ajudo no que posso, somos amigas,
certo? Você não precisa se submeter a um trabalho com uma
pessoa cheia de exigências! — exclama, revoltada, passando a
mão em seu cabelo cacheado.
— Trabalho não mata ninguém, você sabe muito bem disso.
E algo melhor? Onde vou conseguir um salário como esse? Eu
sempre recebi quase que o mínimo, para mim é uma fortuna. E o
melhor é que vou trabalhar com o que eu gosto, e com uma
criança só. — Sorrio para ela.
— Não acredito que vou perder minha amiga para um
emprego! — Ela faz manha, e eu acabo rindo.
— Um emprego maravilhoso onde receberei cinco vezes
mais do que nos outros que já tive, e ainda terei um bônus. Sem
contar os direitos trabalhistas. E você não vai me perder,
teremos os domingos em que eu não precisar trabalhar,
Fernanda. Pare com esse drama todo.
— O.k. O.k. Quando começa, Brenda? — Minha amiga
parece ter sido vencida pelo cansaço.
— Amanhã bem cedinho tenho que estar na mansão. Eu
preciso arrumar minhas coisas hoje à noite — esclareço,
pegando as mãos dela. — E não pense que estou sendo orgulhosa
ao não aceitar a sua ajuda, não é isso. Eu tenho que me virar
sozinha, e, convenhamos, amiga, não tem como recusar um
emprego desses. Nanda, eu tenho vinte e quatro anos, passou da
hora de ser independente, e a tia Lorena não tem obrigação
alguma de me sustentar. Você sabe que o rendimento dela é
pequeno com a venda do seu artesanato.
— Está certa, Brenda, me desculpe. Estava sendo um pouco
egoísta, queria você só pra mim, amiga. Sou uma péssima pessoa
por ter tentado te convencer a não aceitar — diz, meio tristonha,
mas sorri em seguida. — Como você mesma disse, trabalhar não
vai te matar. Nunca matou, né?!
— Exatamente! Não tenho nada que me impeça de ficar por
lá, não tenho namorado e não sou de viver em festas. — Abro
um sorriso para ela, no entanto, ele some assim que me lembro
do meu ex-namorado, aquele encosto, ainda bem que me livrei
dele. Eu não o vi mais depois que ele terminou comigo para
ficar com uma mulher mais velha que o bancava. Esse sempre
foi o sonho do André, ser bancado por uma mulher, e como
nunca dei isso a ele, preferiu uma que pudesse lhe dar vida boa.
— O.k., o.k., me convenceu. Mas você não namora porque
não quer. — Faz uma expressão divertida e semicerra os olhos
castanho-escuros.
— Quase isso. — Caio na gargalhada. — Agora me ajude a
arrumar as malas, não posso perder tempo. — Me levanto e ela
me segue.
— A tia Lorena sabe que seu futuro chefe exigiu que você
morasse lá? — indaga, enquanto me ajuda a tirar as minhas
roupas do guarda-roupa.
— Sim. Quando eu saí da mansão do sr. Bianco, liguei para
ela e contei como foi a entrevista. De início percebi que ficou
triste, mas depois ela entendeu e me apoiou. Mais ou menos do
mesmo jeito como você reagiu. — Rindo, eu me afasto da minha
amiga e jogo minhas roupas na cama para arrumar na mala.
— O mais importante você não me contou, dona Brenda! —
depois de algum tempo organizando meus pertences, Fernanda se
manifesta.
Olho-a com o semblante confuso e ela começa a gargalhar,
me deixando ainda mais aturdida com a sua reação.
— O que não te contei? — Arqueio a sobrancelha.
— Como é o sr. Bianco pessoalmente? E ele é casado, tem
namorada, uma amante?
Ignoro a primeira pergunta, as seguintes me tocam de
alguma maneira. Lembro-me de Madalena falando que eu nunca
deveria fazer perguntas sobre a falecida mulher do meu futuro
chefe. Então, entendi que falar dela é proibido naquela casa,
pelo menos para os funcionários.
— Se ele tem algum relacionamento, não sei, mas talvez
continue sozinho — revelo, depois de alguns minutos, com os
pensamentos distantes.
— Hm. Mas pelo menos ele é gato? Tipo, nas redes sociais
ele parece ser bonitão, mas você sabe que tem aquelas edições
que famosos usam. — Faz uma careta.
— Nanda, por favor, né — murmuro, tentando fugir da sua
curiosidade.
— Hm, o.k. Falando agora do seu chefe gatão, me lembrei
que você já leu algo dele um tempo atrás, certo? — Fernanda e a
sua mente de elefante.
— Verdade, eu...
Não sou uma fã ou leitora fiel do meu futuro chefe, mas li
um livro dele que foi lançado três anos atrás, só não me recordo
direito do título. A história era de um viúvo solitário, que após a
morte da esposa, foi se refugiar nas montanhas pensando que
encontraria a paz, mas ao contrário do que desejava, acabou
morrendo anos depois. A causa da sua morte foi a saudade e o
amor que sentia pela amada. Na época, foi uma febre, porque o
maior público do sr. Bianco é o feminino. O homem realmente
manda bem, a escrita dele é algo que prende o leitor, mas com
tantos contratempos em minha vida, faz um bom tempo que não
sei o que é ler um livro, embora ame uma boa leitura.
— Quando você for trabalhar, tenta reparar mais nele e
depois me fala se ele é gatinho mesmo — pede, animada.
— Tá doida? — Olho-a feio. — Por que eu iria achar o meu
chefe gato? Minha relação com ele será totalmente profissional,
não tenho que ficar achando nada dele — respondo, tentando
disfarçar a ardência em meu rosto.
— Ah, por favor, amiga. Você não é cega e nem burra.
Vamos lá, me conte todos os detalhes sobre o sr. Escritor bonitão
— insiste, com um sorrisinho irritante.
Bufo ao ouvir sua risadinha depois de ter dado um apelido
ao meu futuro patrão.
— Ele não é feio, alto... é um homem apresentável. Não
reparei muito nele, meu interesse é na filha dele. — Fico sem
jeito ao lembrar de Matteo me ditando regras para ser babá em
sua casa.
— Conta outra, Brenda, pelo amor, né! Sou a sua melhor
amiga, não precisa ficar envergonhada com uma bobagem
dessas.
Meu rosto queima quando meus pensamentos voam até
Matteo Bianco, com aquela aparência elegante e intimidadora.
Ele fica bonito em roupas casuais, e mesmo sendo tão
sério, é lindo com aquela altura toda, sem contar os músculos
firmes que devem ter sido adquiridos com muitos exercícios
físicos. Mas preciso tirar isso da minha cabeça, ele será meu
chefe, jamais devo misturar as coisas.
— Vamos esquecer isso, Nanda. — Comprimo os lábios.
— Vou te deixar em paz. Definitivamente, você deveria ser
freira.
Agradeço mentalmente por ela me deixar em paz depois
disso. Ficamos conversando enquanto arrumamos as minhas
coisas, as horas passam e nem notamos, até que a minha tia
Lorena chega com algumas sacolas e eu a ajudo a colocar as
compras no armário. Então ela prepara um café e ficamos na sala
até que Nanda se despede e vai embora.
— Tia, já vou me deitar. O sono chegou e amanhã tenho
que sair cedinho. — Bocejo, olhando para ela.
— Boa noite, minha filha. Hoje vou dormir mais tarde,
estou com muitos pedidos para personalizar. Vou trabalhar nem
sei até que horas — fala, com um certo orgulho do seu trabalho
manual.
— Certo, tia. Boa noite. — Me aproximo e beijo seu rosto
antes de me afastar.
Depois de tomar um banho relaxante, caio na cama para
descansar. Amanhã começa a minha nova rotina e confesso que
estou ansiosa para conhecer melhor a pequena Maria Alice
Bianco.
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