Armando
Aquela garota... ela me tira do eixo. Não sei como agir quando ela está por perto. E quando a vi, ontem à noite, próxima demais do meu irmão... algo dentro de mim virou do avesso. Meu estômago revirou, os músculos enrijeceram, e uma raiva surda tomou conta de mim — quente, afiada, urgente. Se eu não tivesse saído dali naquele instante, teria feito besteira. Provavelmente socado alguém. Provavelmente ele.
Jhony e eu sempre tivemos uma relação difícil. Desde pequenos, vivemos como cão e gato. Até que decidi me afastar. Saí da casa dos nossos pais e mergulhei de cabeça na vida de solteiro — o tal “sonho libertador” que vendem por aí. Cada dia uma mulher diferente passando pela porta do meu apartamento, nenhuma ficando por mais do que algumas horas.
Foi nesse ritmo que conheci Mendy. E com ela foram muitas idas e vindas. Mas verdade seja dita, nunca houve profundidade. Era hábito, só isso. Vício por conveniência.
E então, como se o destino resolvesse brincar comigo, aquela garota apareceu. Do nada. Um furacão silencioso. Tímida, calada, desconcertante. E de algum modo, irresistível. Gosto de provocá-la, de ver como ela reage. O jeito como ela franze a testa ou revira os olhos me diverte mais do que eu gostaria de admitir. Às vezes me pego pensando no sorriso contido dela, nos cabelos longos e soltos ao vento. E logo em seguida me dou conta: não posso. Não devo. Ela é... jovem demais. Tem a idade do Jhony. Só isso já deveria ser suficiente pra me manter longe.
Mas não é.
E como se não bastassem os dilemas morais e o incômodo crescente, ainda tem o próprio Jhony. A maneira como ele a olha... eu conheço aquele olhar. E acho que ele gosta dela.
Ah, e claro — como se tudo isso já não fosse suficiente — meu apartamento ainda está em reforma. O que significa que, todos os dias, preciso vê-la. O rosto delicado dela. A risada abafada. A forma como ela mexe no cabelo quando está nervosa.
Deus, eu vou enlouquecer.
Entro no quarto da casa dos meus pais nos Hamptons e fecho a porta com força. Um estalo seco ecoa pelo corredor. Que droga. Tô agindo como um adolescente mimado por não poder ter o que quer. Me aproximo da janela e observo o quintal iluminado pelas luzes artificiais espalhadas pelo gramado. Mãos nos bolsos, sigo o movimento errático de um vagalume. Pequeno, frágil, hipnotizante. Quando percebo, já estou pensando nela outra vez.
Balanço a cabeça, respiro fundo e fecho os olhos com força, tentando expulsar as imagens que insistem em me invadir. Depois me jogo na cama.
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O barulho ensurdecedor de um alarme me arranca dos sonhos. Algum quarto do corredor resolveu explodir em som.
— Quem coloca alarme numa casa de férias? — resmungo comigo mesmo. — Família mais estranha... Ah é, a minha.
Tomo banho, visto uma bermuda leve, chinelo nos pés, e decido deixar a camisa de lado. O sol está irresistível hoje. Último dia antes da rotina enlouquecida recomeçar: reuniões, contratos, clientes exigentes, e mais reuniões.
Muitos me criticam pelo meu jeito frio e arrogante, mas pouco me importo. Talvez um dia isso me abalasse. Hoje? Hoje encaro como um elogio. Mas nem sempre fui assim. Há motivos ocultos. Feridas que ninguém vê. Coisas que só o meu coração conhece.
Desço as escadas em passos firmes e vou direto à cozinha.
— Tem café?
A funcionária, Michele, me responde com delicadeza:
— O café já está todo na mesa, senhor Armando.
— Não quero me sentar. Pode servir aqui no balcão?
— É que... sua família está toda esperando o senhor para tomar café junto.
— Michele, eu disse que não quero. Pode servir no balcão ou vou ter que fazer isso eu mesmo?
Ela hesita, mas antes que possa responder, outra voz ecoa atrás dela:
— Por que você mesmo não coloca?
Ela. Sempre aparecendo na hora errada. Ou certa.
Viro o rosto, arqueio uma sobrancelha e finjo não notar sua presença. Ela cruza os braços, se encosta no balcão e retruca:
— Você é um escroto.
— E você é intrometida. Ninguém te chamou na conversa.
Quero provocá-la. E consigo.
Ela pega a jarra de café das mãos de Michele e caminha até a mesa, sem me dirigir uma palavra. Michele sorri, satisfeita com o pequeno ato de rebeldia.
— Se quiser café, senta à mesa. Que, por sinal, já está posta há horas. Só esperando o alecrim dourado descer.
"Alecrim dourado"? O que essa garota tem na cabeça?
Deixo a xícara no balcão com raiva contida e saio pela porta dos fundos.
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Na espreguiçadeira do deque, de óculos escuros, deixo o corpo relaxar enquanto observo o mar se agitar ao vento. A espuma corre até a costa e recua num vai e vem hipnótico. Perco a noção do tempo, até que os pensamentos voltam a se enroscar em reuniões, metas, cobranças, expectativas.
Quando aceitei esse cargo, estava pensando em quê?
Sinto a pressão dos meus pais, o peso do exemplo que esperam de mim. Não posso ser só mais um mulherengo qualquer — apesar de ser exatamente isso, às vezes. Mas no fundo, acho que consegui o que queria. Eles vivem repetindo o quanto estão orgulhosos do meu desempenho na empresa. E quanto mais orgulho demonstram, mais peso colocam nas minhas costas.
Preciso de uma nova assistente. Urgente. A anterior era um desastre ambulante. Nunca entendi como meu pai a suportou por tanto tempo. A última gota foi a planilha errada enviada pra um cliente importante. Demiti na hora.
Mas não quero pensar nisso agora.
Um som familiar me arranca dos devaneios.
— Não, Jhony! Isso faz cócegas!
A voz dela. E risadas.
— Ah, vem cá! Não corre!
Levanto o olhar. Jhony corre atrás dela pelo jardim. E antes que eu possa reagir, ele a alcança. A abraça por trás.
Meus punhos se cerram.
O sangue esquenta.
Quase levanto.
Mas então vejo: ela se afasta, desconfortável. Volto a me encostar na espreguiçadeira, embora a raiva ainda pulse. A imagem dos dois, rindo, correndo juntos, me corrói por dentro.
Odeio não conseguir tirá-la da cabeça.
Odeio vê-la tão próxima dele.
Odeio não poder admitir o que está acontecendo comigo.
Odeio saber que isso é impossível.
Odeio. Odeio. Odeio.
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Atualizado até capítulo 157
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