Além Da Escuridão
Hoje está sendo um dos piores dias da minha vida. Meu pai morreu na noite passada em um acidente de carro. A polícia disse que os freios falharam, e ele perdeu o controle na ladeira que pegávamos todos os dias para voltar para casa. O carro colidiu com o muro de concreto e capotou três vezes antes de parar. Ele morreu na hora.
Desde que recebi a notícia, parece que o tempo parou. O mundo ao meu redor ficou embaçado, distante, como se eu estivesse presa em um pesadelo do qual não consigo acordar. Meu corpo está pesado, como se tivesse levado um soco no estômago e o ar tivesse sido arrancado dos meus pulmões.
Ele sempre foi o melhor pai do mundo. Forte, protetor, paciente. Sempre esteve ao meu lado, me apoiando em tudo, sendo meu porto seguro. Agora, há apenas um vazio que me consome por dentro, uma dor sufocante que aperta meu peito de um jeito insuportável.
No cemitério, quando vejo aquele caixão descendo lentamente para a cova aberta, é como se algo dentro de mim se despedaçasse para sempre. O peso da realidade cai sobre mim com brutalidade. O som da terra sendo jogada sobre a madeira ecoa em minha mente, cada grão parecendo um golpe contra meu coração.
Meus joelhos cedem, e eu caio sobre a terra úmida, soluçando incontrolavelmente. Minha garganta já dói pelo choro incessante, mas não consigo parar.
— Me perdoa... por favor, volta pra mim… — minha voz sai entrecortada, quase inaudível, enquanto minhas mãos afundam na terra fria.
Sinto braços fortes me envolvendo. Um calor familiar me acolhe no meio da tempestade de dor. É Gael. Meu melhor amigo. Sua presença é a única coisa que me mantém de pé no meio desse turbilhão.
— Vem, Liz… precisamos sair daqui — sua voz soa baixa e gentil, mas há um tom firme, preocupado. Ele nunca me viu assim antes.
— Eu… não quero ir para a casa da minha mãe agora! — minha voz sai desesperada, quase implorando.
— Então passa a noite lá em casa. Não tem problema... Mas amanhã, você vai ter que enfrentá-la. — Ele diz com suavidade, mas com um olhar que me faz saber que não há como fugir para sempre.
Minha mãe não veio ao funeral. Apenas mandou uma mensagem dizendo que meu quarto estava pronto. Eu não a vejo com frequência, não desde que meu pai ganhou minha guarda na justiça. Faz mais de dez anos que eles se separaram. Meu padrasto nunca me aceitou, e agora, depois da morte do meu pai, minha única opção é voltar para aquela casa.
O caminho para a casa de Gael é silencioso. Ele não tenta forçar conversa, respeitando meu luto. A escuridão da noite pesa sobre nós, as luzes da cidade parecem distantes, borradas pelas lágrimas que continuam a escorrer pelo meu rosto. Tento me controlar, mas toda vez que fecho os olhos, vejo o rosto do meu pai. Seu sorriso, suas mãos grandes e firmes me segurando quando eu caía. E então a dor volta, me rasgando por dentro.
Quando chegamos, Gael desliga o carro e vem até minha porta. Abre devagar, como se tivesse medo de me assustar.
— Consegue andar? — pergunta, a voz carregada de preocupação.
Quero responder que sim, mas antes que eu possa dizer algo, sinto um frio estranho percorrer meu corpo. Minha visão embaça, e um zumbido invade meus ouvidos. Meus joelhos falham.
Minutos Depois
A primeira coisa que sinto ao despertar é o cheiro forte de álcool invadindo minhas narinas. A luz fraca do abajur ilumina o quarto de Gael, e eu percebo que estou deitada na cama dele, coberta por um cobertor grosso.
Meus olhos piscam lentamente, tentando focar, e a primeira imagem que vejo é Gael. Ele está ajoelhado ao meu lado, segurando minha mão com força, como se tivesse medo de que eu desaparecesse. Seu rosto carrega um cansaço que eu nunca tinha visto antes.
— Você me assustou… — ele murmura, passando a mão suavemente pelo meu cabelo.
Tento falar, mas minha garganta está seca, dolorida de tanto chorar. As lágrimas retornam, silenciosas. Eu me sento devagar na cama, abraçando os joelhos contra o peito, tentando encontrar alguma força dentro de mim.
Gael estende um copo com um líquido branco gelado. Sei que é água com açúcar. Ele nunca me ofereceria cachaça, não só porque sou menor de idade, mas porque me conhece bem demais para isso.
Minhas mãos ainda tremem, então ele me ajuda a levar o copo até a boca. O gosto doce e enjoativo desce pela minha garganta, mas faço um esforço para beber. Gael mantém o olhar atento, certificando-se de que bebo tudo.
Quando ele apoia o copo na cômoda, vejo-o pegar uma toalha e uma camisa dele. Meu corpo está rígido, como se tivesse esquecido como se mover.
Sem dizer nada, Gael me pega nos braços e me carrega até o banheiro. Minha pele está coberta de terra, poeira do cemitério, e minhas roupas ainda estão úmidas da chuva fina que caiu à tarde. Não comi, não bebi, não fiz nada além de chorar.
Ele retira minha roupa com extrema delicadeza, deixando-me apenas de lingerie. Se fosse qualquer outra situação, eu jamais permitiria isso. Mas agora, minha mente está longe demais para pensar em qualquer outra coisa além da dor que me consome.
A água morna cai sobre meu corpo, lavando não só a sujeira, mas parte do peso que carrego. Por um instante, quase me sinto leve. Gael me dá banho com todo o cuidado do mundo, sem ultrapassar nenhum limite, respeitando cada parte de mim.
Depois de me secar, ele me veste com a blusa que trouxe. Fica enorme em mim, descendo até quase meus joelhos. Gael tem 1,90m, enquanto eu mal passo de 1,52m. Perto dele, sempre me senti pequena, mas hoje, me sinto ainda menor.
Ele me ajuda a deitar e senta-se ao meu lado, os olhos ainda fixos em mim.
— Precisa se alimentar, Liz. Pelo menos um pouco. — Sua voz é baixa, quase um pedido.
Mas eu apenas balanço a cabeça em negação. Comer parece impossível agora. O olhar dele se entristece, mas ele não insiste. Apenas suspira e me cobre com o cobertor, ajeitando-o ao redor do meu corpo com cuidado.
Após alguns segundos de hesitação, ele se levanta e sai do quarto. O som da porta se fechando parece distante.
Fecho os olhos e tento dormir, mas tudo o que vejo é o rosto do meu pai, sorrindo para mim.
E então, a dor volta de novo.
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Atualizado até capítulo 87
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