Sabe que não resolve

O cheiro de poeira e produtos de limpeza preencheu o ar enquanto eu terminava de passar o pano pelo chão da sala. A cada movimento, a pressão no meu peito aumentava. Eu estava exausta, tanto fisicamente quanto emocionalmente, e ainda assim, não havia escolha. Minha mãe, imersa em sua própria falta de cuidado, nunca se importava em manter a casa limpa, e isso me caía sobre os ombros, com uma carga imensa. Eu já havia inalado minha bombinha de asma pelo menos três vezes para conseguir respirar enquanto limpava, mas mesmo isso não me dava alívio completo.

Escuto a porta da frente se abrindo, e meu estômago se revira. Meu padrasto entrou com seu andar pesado e olhou-me de cima a baixo, como se me avaliasse, me devorando com o olhar. Um olhar frio, calculista, como sempre. Algo nele sempre me causou repulsa, mas naquele momento a sensação se tornou insuportável. Meus músculos se contraem involuntariamente. Esse homem, que jamais foi nada além de um peso em minha vida, me assustava. Meus olhos tentaram desviar rapidamente para não ter que encará-lo, mas meu coração acelerava.

Então, uma risada infantil cortou o ar, uma nota de inocência em meio ao caos. Uma menina de talvez uns 4 anos correu até mim com uma expressão alegre no rosto, seus olhos brilhando com curiosidade.

— Oi, me chamo Mellanny! — ela falou, o sorriso em seu rosto era tão puro, tão sem maldade.

Fiquei parada, um nó se formou na garganta. Nunca soube que minha mãe tinha outro filho. Uma nova irmã? Tentei disfarçar a surpresa com uma resposta ríspida, quase sem me importar.

— Me chamo Liz. — respondi de forma curta, tentando não transparecer a raiva que estava se formando dentro de mim.

Ela não parecia entender a frieza em minha voz.

— Você tem nome de princesa! — ela continuou, sem perceber que suas palavras não alcançavam meu coração.

Olhei para ela, a frustração me tomando por completo. Não sabia se era a surpresa pela sua chegada ou a raiva do que acontecia em casa, mas uma risada amargurada escapou dos meus lábios.

— É mesmo? Fodä-se. — respondi sem pensar.

Eu não deveria ter falado assim, mas a dor interna estava se tornando insuportável. A criança olhou-me com um semblante confuso, e antes que pudesse reagir, ela saiu correndo, provavelmente já esquecendo as palavras que acabei de dizer. Um momento de silêncio se estendeu, mas logo a voz do meu padrasto me cortou.

— Respeite a sua irmã! — ele disse com raiva, a irritação evidente em sua voz.

Eu franzi a testa, minha boca se fechou em uma linha reta.

— Ela não é minha irmã! — retruquei, as palavras saindo pesadas.

Eu não sabia lidar com a presença dessa criança que, de repente, surgira em minha vida, e a raiva só aumentava à medida que pensava em como minha mãe nunca me contou sobre ela.

Fui até o quintal e me sentei na beirada da piscina, colocando os pés na água. O som da água batendo suavemente nas bordas me acalmava por um momento. Mas no fundo, a angústia se mantinha, sempre à espreita, esperando para me consumir. "Eu não devia ter falado com ela assim", pensei, "Ela é só uma criança. Mas estou tão mal, estou tão sensível." Meu peito apertava com o peso das minhas emoções não resolvidas.

Subi para o meu quarto e me joguei na cama, me cobrando em silêncio. "Eu sinto tanto a falta do meu pai. Ele era o meu melhor amigo", pensei, e as lágrimas começaram a cair. Naquela noite, fui consumida pelo choro até dormir.

...MANHÃ SEGUINTE...

O som do despertador soou como um martelo em minha cabeça. Levantei-me, mas meu corpo parecia não descansar. Estava exausta. Olhei no espelho, e a pessoa refletida era uma estranha. Tentei arrumar meu cabelo, mas a dor no meu peito não me deixava funcionar como eu costumava. Coloquei uma blusa de manga longa, tentando esconder os sinais da noite anterior, mas sabia que o que estava dentro de mim era mais difícil de ocultar. "A dor é tão forte", pensei, "Como se isso fosse resolver alguma coisa."

Fui até a cozinha, e como já não sentia fome, decidi seguir para a escola. Quando passei pelo meu padrasto, ele estava sentado à mesa, com o jornal aberto, como sempre. Sua presença me causava repulsa. Ele me olhou, e sua voz soou como uma ordem.

— Faça o meu café! — ele exigiu, com aquele tom autoritário e insuportável.

Minha respiração ficou pesada. Olhei-o com desprezo e virei as costas para sair, mas logo senti sua mão se apertando em meu braço, me puxando de volta. Um gemido de dor escapou de mim, e meu corpo estremeceu.

— Faça a porrä do meu café! — ele gritou, sua raiva explodindo de maneira incontrolável.

O aperto em meu braço era insuportável, mas me mantive em silêncio, tentando ignorar a dor. Lágrimas começaram a escorrer pelo meu Rosto enquanto me forçava a colocar o café para fazer. Ele voltou a ler o jornal, sem se importar com o que acabara de fazer.

Com as mãos trêmulas, terminei de preparar o café e coloquei a jarra na mesa. Antes de sair, senti novamente sua mão se fechando no meu braço, me impedindo de ir. Olhei para ele sem entender.

— Me solta, eu preciso ir para aula! — pedi, a voz vacilante.

— Me sirva! — ele ordenou, com um tom mais firme.

Minha respiração ficou mais pesada, o pânico tomando conta. Forcei meu corpo a se soltar, mas o aperto em meu braço só piorou. Peguei a jarra e servi o café, sentindo meu braço arder de dor. Ele me soltou e pegou meu rosto com a mão, forçando-me a olhá-lo nos olhos.

— Continue obediente assim e vamos nos dar muito bem. — ele disse, sua voz baixa e ameaçadora.

Eu tentei controlar as lágrimas, mas não consegui. Sem pensar duas vezes, peguei minha bolsa e saí correndo pela porta, o som de meus passos ecoando pela casa. No ponto de ônibus, mais lágrimas desceram pelo meu rosto, e uma sensação de desesperança tomou conta de mim. "Eu já não sei mais o que fazer, minha vida está um inferno!"

Quando o ônibus chegou, entrei e me sentei no banco vazio, o peso da dor me esmagando. Após alguns minutos, cheguei à escola. Tentei correr para dentro, mas uma mão se fechou em meu braço, me fazendo parar bruscamente. Gritei, assustada, mas ao virar o rosto, vi quem me segurava. Gael. Meus olhos se encheram de lágrimas novamente, e sem pensar, o abracei com força, sentindo todo o meu corpo tremendo.

Gael me envolveu em seus braços, sua mão passando suavemente pelo meu cabelo, tentando me acalmar.

— Ei, o que aconteceu? — ele perguntou, sua voz suave, mas com uma preocupação clara.

— Eu não quero mais ficar lá! — minha resposta saiu quase num sussurro, carregada de desespero.

Ele apertou mais meu corpo contra o dele, percebendo o quanto eu estava abalada.

— Alguém te machucou? Me fala! — ele disse, visivelmente alterado, seus olhos escurecendo com a raiva.

Eu tentava falar, mas minhas palavras se embolavam. Estava desesperada, as memórias e o medo ainda corroendo minha mente.

— Ele me obrigou a fazer café para ele, tem uma filha... meu padrasto me ameaçou, dizendo que se eu continuar obediente, vamos nos dar muito bem. — minhas palavras saíam apressadas, atropeladas pela urgência da situação.

Gael me olhou por um momento, sem dizer nada, até que, finalmente, ele olhou para sua camisa, percebendo que ela estava manchada de sangue. Quando ele olhou para os meus braços, vi sua expressão mudar para algo mais sombrio. Eu olhei para minha blusa, que estava grudada em minha pele, e senti um calafrio percorrer meu corpo.

— Por que fez isso, Liz? Já conversamos várias vezes sobre isso, sabe que não adianta nada. — ele disse, agora com a voz mais firme, embora fosse óbvio que ele estava bravo.

Eu olhei para ele, tentando explicar, mas a dor em meu peito me impedia de formar as palavras certas.

— Desculpa, eu... eu não... eu juro que tentei não fazer isso, mas foi mais forte que eu. — minha voz tremia, e as lágrimas não cessavam.

Gael me observava por um momento, seus olhos passando do medo para a determinação. Ele pegou minha mão, a firmeza de seu toque um pouco mais reconfortante.

— Você vai ter que ser forte, Liz. Não sei como te ajudar, você ainda é menor, se eu te levar para casa, eles podem mandar me prender. — ele disse, a seriedade de suas palavras me atingindo como uma verdade difícil de engolir.

— Eu sei que sou menor e que você não pode fazer nada, mas não sei quanto mais vou aguentar aquele inferno em casa. — minha voz foi quase um sussurro de desespero.

Gael me puxou suavemente para dentro do banheiro da escola, onde ele rapidamente começou a abrir a torneira. A água fria tocou meu braço, e a dor que eu sentia era quase insuportável. A blusa grudada nos ferimentos começou a se soltar lentamente, e eu tentei não chorar mais, embora o alívio temporário fosse imediato.

Ele olhou para mim e percebeu que a situação era pior do que eu queria admitir. Eu me encolhi um pouco, timidamente, enquanto ele desviava o olhar, tirando sua camisa e me oferecendo para que eu me cobrisse.

Eu vesti rapidamente a camisa dele, agradecendo com um simples "obrigada". Mas não pude evitar olhar para ele sem camisa, o que me fez perder um pouco o controle. O tanquinho de Gael estava mais definido do que nunca, e meus olhos não puderam evitar a reação. Eu mordi os lábios discretamente, meu corpo aquecendo de uma maneira que eu não estava preparada para lidar.

O som de passos no corredor me fez agir rapidamente. Empurrei Gael para um dos banheiros femininos, tentando esconder o que estava acontecendo. A tensão entre nós pairava no ar, mas por um momento, pude sentir uma conexão que ia além da amizade.

Mais populares

Comments

Leda

Leda

Quantos anos ela tem?

2024-06-14

1

Ver todos
Capítulos
1 Velório
2 Dia seguinte
3 Sabe que não resolve
4 Escola
5 Gatilho
6 Plano
7 Café da manhã
8 Lanchonete
9 Nojo
10 Quase beijo
11 Incerteza
12 Vergonha
13 Desabafo
14 Juízo
15 Virgindade
16 Discussão
17 Hot
18 Restaurante
19 Tensão
20 Conversa
21 Fofoca
22 Falta de maturidade
23 Reconciliação
24 Show
25 Clima sensacional
26 Melhor amiga
27 Ele te ama
28 Grávida?
29 Confissões
30 Desabafo
31 Maxwell
32 Hot
33 Evento
34 Incoveniente
35 Vamos dar um jeito
36 Desmaio
37 Oque você fez?
38 Vagabunda
39 Um aviso?
40 Jantar
41 Devia ter te matado
42 Desespero
43 Corpo
44 Chute
45 Crise
46 Me deixa em paz
47 Tá!
48 Oque você fez Gabriel?
49 Explosão
50 Casa do lago
51 Dor da perda!
52 Nascimento
53 O coração dele.
54 Hemorragia
55 Eu não sou um monstro
56 Melhor darmos um tempo
57 Desestressar
58 Onde você estava?
59 Era eu, não você!
60 Filho da püta
61 Explosão
62 Ele não vai aceitar.
63 Meu aniversário
64 Dias difíceis
65 Passado
66 Capítulo 66
67 capítulo 67
68 Capítulo 68
69 Capítulo 69
70 Capítulo 70
71 Capítulo 71
72 Capítulo 72
73 Capítulo 73
74 Capítulo 74
75 capítulo 75
76 Capítulo 76
77 Capítulo 77
78 Capítulo 78
79 Capítulo 79
80 Capítulo 80
81 Capítulo 81
82 Capítulo 82
83 Capítulo 83
84 Capítulo 84
85 Capítulo 85
86 capítulo 86
87 Capítulo 87
Capítulos

Atualizado até capítulo 87

1
Velório
2
Dia seguinte
3
Sabe que não resolve
4
Escola
5
Gatilho
6
Plano
7
Café da manhã
8
Lanchonete
9
Nojo
10
Quase beijo
11
Incerteza
12
Vergonha
13
Desabafo
14
Juízo
15
Virgindade
16
Discussão
17
Hot
18
Restaurante
19
Tensão
20
Conversa
21
Fofoca
22
Falta de maturidade
23
Reconciliação
24
Show
25
Clima sensacional
26
Melhor amiga
27
Ele te ama
28
Grávida?
29
Confissões
30
Desabafo
31
Maxwell
32
Hot
33
Evento
34
Incoveniente
35
Vamos dar um jeito
36
Desmaio
37
Oque você fez?
38
Vagabunda
39
Um aviso?
40
Jantar
41
Devia ter te matado
42
Desespero
43
Corpo
44
Chute
45
Crise
46
Me deixa em paz
47
Tá!
48
Oque você fez Gabriel?
49
Explosão
50
Casa do lago
51
Dor da perda!
52
Nascimento
53
O coração dele.
54
Hemorragia
55
Eu não sou um monstro
56
Melhor darmos um tempo
57
Desestressar
58
Onde você estava?
59
Era eu, não você!
60
Filho da püta
61
Explosão
62
Ele não vai aceitar.
63
Meu aniversário
64
Dias difíceis
65
Passado
66
Capítulo 66
67
capítulo 67
68
Capítulo 68
69
Capítulo 69
70
Capítulo 70
71
Capítulo 71
72
Capítulo 72
73
Capítulo 73
74
Capítulo 74
75
capítulo 75
76
Capítulo 76
77
Capítulo 77
78
Capítulo 78
79
Capítulo 79
80
Capítulo 80
81
Capítulo 81
82
Capítulo 82
83
Capítulo 83
84
Capítulo 84
85
Capítulo 85
86
capítulo 86
87
Capítulo 87

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!