A luz dourada da manhã filtrava-se pelas cortinas semiabertas do quarto de Gael, tingindo tudo com um tom suave e acolhedor. O calor leve sobre minha pele foi o que me despertou, mas a sensação de um peso invisível ainda pairava sobre meu peito. Meus olhos estavam inchados de tanto chorar na noite anterior, e ao tentar piscá-los, senti a ardência e o resquício do cansaço.
A memória voltou como um golpe certeiro: Gael dormira na sala. Ele sempre fora respeitoso comigo, nunca ultrapassara nenhum limite, e nossa relação, ao longo dos anos, se solidificara como a de irmãos. Mas eu não podia negar para mim mesma que, em algum momento, já o desejei. Como não desejar? Gael era bonito, atencioso e possuía essa aura de proteção que fazia qualquer pessoa ao seu redor se sentir segura. Mas essa não era uma linha que eu me permitiria cruzar.
A porta se abriu suavemente, trazendo consigo um aroma delicioso. Gael surgiu carregando uma bandeja de café da manhã, o sorriso desenhado no rosto de sempre.
— Bom dia, pigmeu! — ele saudou, com o tom leve e brincalhão de costume.
Mesmo em meio ao turbilhão de sentimentos que me consumiam, não consegui evitar um pequeno sorriso. O brilho satisfeito nos olhos dele me revelou que essa era exatamente a reação que ele esperava.
Sentei-me na cama, esfregando o rosto na tentativa de afastar os vestígios de sono e lágrimas. Meus cabelos estavam um desastre total, então os prendi em um coque bagunçado enquanto pegava um pão de queijo da bandeja.
A primeira mordida foi o suficiente para um suspiro escapar dos meus lábios.
— Humm... Como eu amo pão de queijo — murmurei, saboreando cada pedaço como se fosse a única coisa boa no meu dia.
Gael soltou uma risada baixa, divertido com minha reação.
— Tá tão gostoso assim, pigmeuzinho?
— Você sabe que é minha comida preferida no café da manhã. Tá maravilhoso!
Houve um breve silêncio enquanto eu terminava de mastigar, mas então veio a pergunta que fez todo meu corpo congelar:
— Você está pronta?
A faca que eu usava para passar manteiga no pão tremeu levemente entre meus dedos. Pronta? Nunca estaria. Mas não havia mais como fugir.
Engoli a seco, terminando o último pedaço enquanto sentia o coração martelar contra meu peito.
Gael percebeu minha hesitação antes mesmo que eu pudesse disfarçar. Seus olhos azuis se suavizaram, e antes que eu percebesse, sua mão quente tocou meu rosto, limpando uma lágrima solitária que escapou sem aviso.
Levantei o olhar para ele, tentando encontrar forças em sua presença.
— Ei, não quero você assim. Se precisar de mim, é só ligar que eu venho te buscar na mesma hora. Você sabe disso, né?
— E se pegarem meu celular? Como vou avisar? — Minha voz saiu trêmula, carregada de medo e angústia.
O olhar de Gael se intensificou, e num gesto quase automático, ele me puxou para um abraço apertado. Enterrei meu rosto em seu peito, sentindo a textura macia da camisa contra minha pele.
O calor dele, a firmeza de seus braços, o ritmo constante de sua respiração. Tudo nele transmitia segurança, e pela primeira vez em muito tempo, eu quis me permitir acreditar que ficaria tudo bem.
— Confia em mim? — ele sussurrou, sua mão deslizando pelos meus cabelos em um gesto lento e reconfortante. — Eu vou estar de olho em você, sempre.
Apenas assenti, incapaz de pronunciar qualquer palavra.
Respirei fundo, tentando me recompor. Quando finalmente me afastei, ajustei a camisa dele em meu corpo, que parecia um vestido largo em mim.
— Acho melhor colocar as suas roupas íntimas. Não quero que arrume sarna pra se coçar. — Ele brincou, tentando aliviar o clima.
Soltei uma risada fraca, apreciando o esforço dele para me distrair.
— Você tem razão. Melhor evitar problemas com minha mãe... Do jeito que ela é louca.
Levantei-me e fui até o guarda-roupa. Dentro, uma pequena parte estava reservada para minhas roupas. Peguei uma calcinha e um sutiã e, ao olhar de canto, notei que Gael já havia virado de costas.
Um sorriso bobo escapou antes que eu vestisse as peças rapidamente e colocasse sua camisa de volta.
— Vamos, Gah? Antes que eu comece a chorar de novo.
Ele se virou e assentiu, sem dizer mais nada. Peguei meu celular e o escondi discretamente no sutiã antes de seguirmos para a garagem.
Assim que entramos no carro, o silêncio caiu sobre nós como um peso. O motor ronronou suavemente quando Gael deu a partida, e as ruas começaram a desfilar pela janela. A paisagem passava rápido demais, e com ela, cada memória, cada sentimento reprimido, cada dor que eu tentei ignorar.
Meu coração começou a acelerar quando reconheci a rua. Quando levei a mão até a maçaneta do carro, um desespero avassalador tomou conta de mim. Minhas mãos tremiam. Então, vi minha mãe parada na porta.
Engoli o nó na garganta, mas ele não desceu.
— Gael... — minha voz mal saiu, um sussurro fraco, carregado de medo.
Antes que eu percebesse, senti sua mão forte pousar sobre a minha. Meu corpo reagiu antes da minha mente: me virei e enterrei o rosto em seu peito novamente.
As lágrimas voltaram, quentes e incessantes.
Gael me segurou com firmeza, seus dedos desenhando círculos lentos nas minhas costas num gesto tranquilizador.
— Vai ficar tudo bem. — Ele murmurou contra meus cabelos. — Você é forte. Seu pai sentiria orgulho da pessoa que você está se tornando.
Tentei absorver suas palavras, agarrar-me a elas como uma boia em um mar revolto.
— Promete que se eu precisar, você vem correndo?
— Confia em mim. Largo tudo pra te socorrer.
— Até a Rebeca? — Tentei brincar, minha voz saindo fraca.
— Até ela, pigmeu. — Ele sorriu de lado. — Qualquer coisa, me liga. Vou estar mais perto do que você pensa.
Suspirei, buscando coragem, e me afastei dele.
Sequei o rosto com a manga da camisa antes de finalmente sair do carro.
Assim que pisei no chão, minha mãe veio correndo até mim, me envolvendo em um abraço sufocante. Meu corpo, no entanto, não respondeu. Minhas mãos permaneceram imóveis ao lado do corpo, incapazes de retribuir o gesto. Apenas observei, por cima do ombro dela, enquanto Gael partia com o carro.
Respirei fundo e entrei na casa.
O cheiro de mofo bateu de imediato, me fazendo tossir.
Olhei ao redor e percebi que nada havia mudado: a mesma decoração antiquada, a mesma bagunça sufocante.
Passei a mão pelo nariz e soltei um espirro.
"Esse cheiro vai acabar com a minha rinite. Preciso dar um jeito nessa casa... Senão, não passo dessa noite."
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Atualizado até capítulo 87
Comments
Denise Figueiredo
ter mãe e não ter... triste ☹️
2024-03-07
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