Capítulo 19

Vicente

Ainda não acredito que dei esse passo atrás com a Manuela, estava indo tudo tão bem. O pior é que sei que não será fácil recuperar o pouco de confiança que ela depositou em mim.

Tudo aconteceu nas primeiras semanas que comecei a trabalhar aqui, e nem precisei me esforçar. Sempre tinha alguém me passando discretamente o número de telefone durante as visitas que eu fazia as lojas, a fábrica ou no fim de reuniões que me davam sono. Eu não tinha o menor interesse na empresa e achava a Manuela uma chata. Tudo que eu queria é que o trabalho ficasse um pouco mais prazeroso.

Mas os dias foram passando e a Manuela me fez entender o quanto tudo isso era importante para o meu pai, e foi aí que parei com essas aventuras e passei a me dedicar mais, e desde então, tenho tentado fazer tudo da maneira correta nesses últimos dois meses, para não decepcioná-la. Mas parece que não adiantou muito, tudo na vida tem consequências e essa é a minha, perder sua confiança.

Passei o dia inteiro pensando nela e em uma forma de reverter essa situação. Quase fui até sua sala algumas vezes, mas resolvi respeitar o seu tempo, ela estava furiosa demais quando disse que não queria me ver, poderia piorar a minha situação se não respeitasse seu desejo.

Mas já estamos quase no fim do expediente e vou enlouquecer se não nos falarmos ainda hoje.

Tive a ideia de tentar me desculpar com flores, mas não sei quais são as suas preferidas, por isso não quis pedir por telefone. Preferi descer até a floricultura, que fica na esquina da empresa, e escolher as que mais combinavam com ela.

Estava difícil de escolher, eram todas lindas como ela, mas recebi uma ajuda da atendente que me disse o significado de algumas e isso me ajudou a decidir.

Voltei correndo para a empresa sob os olhares curiosos dos que me viam com um buquê de flores na mão, mas não me importei. Sai do elevador indo direto até sua sala, e fiquei alguns minutos parado na porta tomando coragem, até que finalmente resolvi bater e ele ordenou que entrasse.

Abri a porta lentamente, colocando apenas a minha cabeça para dentro da sala.

— O que você quer Vicente? — Perguntou de cabeça baixa enquanto desenhava, me deixando surpreso por saber quem era sem nem ter olhado na direção da porta.

— Como sabe que sou eu? — Pergunto entrando com a mão que segurava o buquê para trás, para que não visse as flores antes do tempo.

— Pelo seu perfume.— Ela responde e não consigo esconder a felicidade que senti ao saber que me reconhece pelo cheiro, um sorriso insistia em permanecer no meu rosto.

— Então gosta do meu cheiro? — Pergunto e ela levanta seu olhar, encontrando o meu.

— Não conheço mais ninguém que use esse perfume aqui na empresa, provavelmente é caro demais. — Diz arqueando as sobrancelhas e volta a atenção para o papel, me desanimando.

— Eu comprei uma coisa para você. — Falo me aproximando de sua mesa, ainda sem mostrar as flores.

— Não vai me comprar com presentes, não sou esse tipo de pessoa. — Ainda sem me olhar.

— Eu sei que não Manu.

É só um pedido de desculpas.—Largando o lápis, ela ajeita sua postura na cadeira e passa a olhar diretamente em meus olhos, e por pouco eu não me perco em seu olhar. Trago a mão que segura o buquê para a frente do meu corpo e ela se surpreende, mas sem muita animação, apenas com seu olhar expressivo.

— Essas são as campânulas, aprendi agora pouco com a vendedora. Ela me disse que elas representam gratidão e que são símbolo de afeto, esperança, humildade, delicadeza e... amor eterno.

Espero não ter esquecido nada, repeti tudo isso mentalmente até chegar aqui.— Vejo um sorriso tímido em seus lábios e para mim já valeu a pena.

— Achei que eram perfeitas para expressar o quanto lhe sou grato.— Lhe entrego o buquê de campânulas brancas e ela olha com carinho para as flores.

— É também um pedido de desculpa, Manuela. Não foi minha intenção fazer você passar pelo que passou hoje, mais uma vez fui inconsequente. Mas eu estou mudando, tenho tentado dar o meu melhor, dia após dia, e queria muito que acreditasse em mim, pois você tem grande participação nessa mudança.

— Está tudo bem, Vicente, já extravasei minha raiva hoje cedo.

Tenho acompanhado de perto e acredito na sua mudança.

Vicente, você pode ter a mulher que quiser, só tenta não envolver a empresa novamente, sei que ela é sua e você poderá fazer o que quiser com ela daqui a quatro meses, mas eu não gostaria de ver tudo desmoronar enquanto ainda estou aqui. — Ela está enganada quando diz que posso ter a mulher que quiser, a que eu quero não me quer.

— Não vai se repetir, você tem a minha palavra. Ela movimenta a cabeça assentindo.

— Elas são lindas, obrigada!

Faz tempo que não recebo flores.— Seu olhar se entristece e eu penso que fiz besteira novamente.

— O último a te dar flores foi o seu marido, não é?

Por isso ficou triste?— Ela se levanta e começa a arrumar suas coisas para ir embora, me respondendo de cabeça baixa.

— Ele foi o último e o primeiro de muitas coisas na minha vida Vicente.— Respondendo de cabeça baixa e eu não resisto, me aproximo e seguro o seu queixo com suavidade para que me olhe.

— Ele pode ter sido o primeiro em muitas coisas na sua vida, mas não precisa ser o último, e o grande exemplo está bem na sua frente, agora eu fui o último a lhe dar flores.

Você ainda tem muita coisa para viver, ele estará para sempre no seu coração e nas suas memórias, mas já não está mais na sua vida, precisa tentar aceitar isso.

— Não é tão simples assim Vicente. — Deixando uma lágrima escorrer pela sua face, partindo o meu coração.

— Deixa eu tentar te ajudar, abaixa um pouco a guarda e vamos fazer isso juntos.— Me olha parecendo não entender onde quero chegar e decido ir com calma e não falar sobre os meus sentimentos por ela, mas ainda sim quero ajudá-la a se libertar, mesmo que depois disso eu não tenha nenhuma chance de conquistar seu coração.

— Eu não preciso de ajuda Vicente, só precisava dele de volta na minha vida, mas sei que isso não é possível.— Sinto suas palavras rasgarem o meu peito, mas me mantenho firme por ela.

— Saber disso já é um grande passo, sei que é duro, mas ela não vai voltar e você está aqui.

Ele se foi, mas tenta pensar um pouco em quem ainda está aqui, não é possível que não se importe com ninguém.

— Claro que eu me importo, Vicente.

Agora eu só tenho a Tati e me importo com ela.

— Desculpa, mas não parece.

E como pode dizer que só tem ela?

E eu? Eu estou aqui com você e não pretendo ir a lugar algum.

Você é que parece não fazer questão de fazer parte da nossa vida, e eu me incluo mesmo que não queira, porque eu gosto de você e quero você por perto e sendo feliz como merece ser. — Seu choro se intensifica e eu a abraço para que chore em meu peito.

— Me desculpe, eu quero você por perto, tem sido um bom amigo. — Diz soluçando, e o peso da palavra "amigo" cai sobre a minha cabeça. Mas se esse for o único jeito de permanecer em sua vida e ajudá-la a se livrar do peso que carrega, eu aceito.

Continua...

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