Capítulo 14

...Manuela...

...Não foi bom reviver todo aquele sofrimento ontem, e não gosto que me vejam vulnerável como o Vicente me viu. Mas de alguma forma, eu sinto que foi bom....

...Faz tempo que não tenho uma noite de sono tão tranquila, até acordei me sentindo mais leve. Fazia três anos que eu não falava nada a respeito com ninguém, nem mesmo com a Tati, que às vezes até tentava....

...Preferi guardar minhas dores só para mim, ninguém seria capaz de mudar o que aconteceu, então não adiantava ficar falando. Usei o meu trabalho como um refúgio, trabalhava até ficar esgotada para chegar em casa, dormir e acordar para trabalhar novamente, assim eu não me sobrava tempo para pensar na minha solidão....

...Porque é assim que eu me sinto até hoje sem o Danilo, só. Não quero ser injusta com a Tati, ela é um presente na minha vida e eu amo sua companhia, mas não é a mesma coisa. O Dan não era só o meu marido, ele era meu companheiro, meu amigo, meu confidente, meu amigo de infância, meu abraço quente nas noites frias e o motivo do meu sorriso todas as manhãs....

...Quando lembro que cinco minutos de atraso o tirou para sempre da minha vida, tenho a certeza que carregarei essa culpa para o resto da vida. Tudo poderia ser diferente....

...Sei que parece loucura manter a casa exatamente como ele deixou, mas foi a forma que encontrei de sentir a sua presença quando chego em casa e nos dias em que a saudade aperta, pego o seu perfume, borrifo pelo quarto antes de dormir e fecho os olhos imaginando que ele está ao meu lado. Essa foi a forma que encontrei para continuar vivendo sem ele....

...— Vicente, posso entrar? — Pergunto parada na porta da sua sala....

...— Claro que sim! — Me recebendo com um largo sorriso....

...— Eu ia pedir para ser anunciada, mas a Lilian não está lá fora....

...— Ela foi até o RH, mas você não precisa ser anunciada, é sempre bem vinda....

...— Eu vim saber se o convite para o jantar da sua mãe ainda está de pé ou se já arrumou companhia....

...— Claro que está de pé. — Me responde animado....

...— Então pode confirmar a minha presença....

...— O que fez você mudar de ideia?...

...— Foi a forma que encontrei de retribuir o jantar que preparou ontem, mais uma vez, obrigada!...

...— Interessante......

...Então toda vez que eu cozinhar, você vai aceitar sair comigo? — Com o olhar semi-serrado....

...— Não mesmo, não exagera Vicente. — Acabo achando graça da sua conclusão....

...— O que é isso no seu rosto? — Se levantando e caminhando na minha direção....

...— O que? — Passo a mão no rosto pensando que poderia estar sujo ou borrado de maquiagem....

...— Era um sorriso!— Se aproximando do meu rosto e fingindo surpresa....

...— Como você é infantil! — Reviro os olhos e me afasto, dando alguns passos em direção a porta....

...— Você deveria fazer isso mais vezes, fica ainda mais linda sorrindo! — Diz assim que toco na maçaneta para abrir a porta. Olho para trás e ele está me olhando com as mãos nos bolsos da calça. Faço uma careta fingindo estar brava com ele e ele sorri....

...— Te pego as sete no sábado! — saio da sala sem responder, mas abri um sorriso involuntário assim que fechei a porta....

...Voltei para a minha sala e pela primeira vez em três anos senti vontade de sair para comprar um vestido novo, mas minha empolgação se desfez e deu lugar a um sentimento de culpa, toda vez que fico um pouco mais leve, é a mesma coisa. Abri a gaveta da minha mesa e peguei o porta retrato que me acompanha desde que eu trabalhava na fábrica, nele tem uma foto minha e do Danilo muito felizes no dia do nosso casamento. Passei o dedo com suavidade contornando o tosto do grande amor da minha vida e senti a saudade apertar novamente o meu peito. Respirei fundo e o coloquei de volta na gaveta para voltar ao trabalho....

...Trabalhei até o horário do almoço com aquele sentimento e como não estava com fome, desci para tomar um ar e me senti tentada a entrar na confeitaria, e assim que entrei e sentei, avistei o Vicente entrando, e claro que o Max prestou a atenção em cada passo que ele deu até chegar a minha mesa....

...— O que faz aqui? — Perguntei quando ele se sentou sem nem pedir licença....

...— Passei na sua sala para te convidar para almoçar, mas me disseram que você tinha acabado de sair, desci atrás de você e vi quando entrou aqui....

...Confesso que estou muito surpreso, jurava que você almoçava salada....

...— Geralmente eu almoço, mas hoje não estava com fome e gosto de vir aqui para pensar....

...— E posso saber no que tanto você precisa pensar?...

...— O que vão querer? — Max pergunta sem tirar os olhos de cima do Vicente....

...— O que recomenda? — Vicente pergunta a ele com um olhar sedutor e eu observo desacreditada no que estou vendo....

...— A especialidade da minha chefe, torta de chocolate.— Max diz com a voz manhosa....

...— Pode trazer duas fatias, por favor....

...— Vicente, eu só ia pedir um suco, não estou com fome.— Digo ao ver que decidiu por mim....

...— Qual seu nome? — Ele pergunta ao Max....

...— Max. Mas pode chamar do que quiser que eu atendo....

...— Max, pode trazer o que pedi, ela vai comer.— Piscando para o Max, que sai se abanando....

...— Vicente, você estava flertando com o Max?...

...— Só estava brincando, eu vi como me olhou quando entrei....

...— Só você mesmo! — Digo com reprovação....

...— Manu, talvez eu precise me ausentar por dois ou três dias, deixei umas coisas pendentes onde eu morava, sai correndo quando recebi a notícia do falecimento do meu pai e algumas coisas eu consegui resolver pela internet, mas tem outras que só pessoalmente. Posso contar com você? — Percebo que pela primeira vez ele me chama de Manu e não de Manuela, como de costume, mas isso não chega a me incomodar....

...— Claro que sim. Podemos dar uma olhada na sua agenda e remanejar o que for possível para a sua volta....

...— Obrigado! Sabia que poderia contar com você. — Decido aproveitar o momento descontraído para tentar entender o motivo de não ter voltado antes ao Brasil....

...— Vicente, posso te fazer uma pergunta pessoal? — Ele me olha curioso....

...— Que avanço! Você querendo saber da minha vida!...

...Claro que pode, foi você quem criou essa barreira entre a gente. — Não digo nada a respeito, porque sei que é verdade, mas vou direto ao ponto....

...— Por que não voltou antes? — Acho que não estava preparado para a minha pergunta, seu rosto ficou tenso....

...— Desculpe, não precisa responder. — Me arrependo da minha curiosidade....

...— Está tudo bem, não gosto de tocar no assunto, mas acho justo. Ontem eu toquei na sua ferida e hoje você toca na minha....

...— Não era a minha intenção. — Digo com sinceridade....

...— Está tudo bem, Manu, eu vou contar....

...Ele me contou toda a história da traição e de como levou a vida por todos esses anos e do medo que tinha de voltar e dar de cara com o passado. E me surpreendi com o Vicente de antes, um rapaz cheio romântico que sonhava em formar uma família....

Continua...

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