TODAS AS NOTAS QUE TE COMPÕE

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CAPÍTULO 1

A PORTA AO LADO

   

Sexta-feira, 1 de maio de 2015

    Estou tomando coragem para bater na porta deles a exatas duas horas. Nós somos vizinhos a mais ou menos uma semana e bem, parece que faz um mês! É inacreditável como o tempo parece estar se comportando diante desta situação.

Respiro fundo mais uma vez e sento no meu sofá velho. Parece que meus vizinhos sonham em ser estrelas do rock ou algo do tipo, o que tem tirado a minha paz todas as noites desde que se mudaram, mas não é que eu desgoste da música deles, pelo contrário, nos dois últimos dias eu me apaixonei. A questão é que tocam a mesma música todas as noites e o pior, não tem letra, além de ser bastante deprimente. Bonita, mas deprimente. 

No terceiro dia eu já tinha enjoado, principalmente porque bagunçou totalmente os meus horários. Tenho tentado escrever um artigo cientifico para não perder o foco, mas a folha continua em branco e como o único fator adverso na minha rotina são eles, o motivo pelo qual não consigo escrever não deve ser outro. Além disso, a minha capacidade intelectual não deve ser questionada.

 Se eu for sincera, talvez o fato mais relevante a ser dito é: eu tenho vizinhos e não sei como devo me sentir a respeito.

Levanto mais uma vez, decidida. Já fiz a mesma coisa tantas vezes que perco a contagem e, em cada vez que levanto, arrumo uma desculpa para não ir. Primeiro me forcei a sentar porque não eram dez horas da noite, horário limite em que a lei permite dissonância de sons. Quando o ponteiro marcou dez horas em ponto, eu me levantei e em seguida, bati o pé irritada. Qual é o meu problema? Desde então, fiz o mesmo processo repetidas vezes, o que provavelmente é um alivio. Repetição é bom.

Olho para o relógio na parede, são onze e meia da noite, por que meus vizinhos não são como 99% dos solteiros do mundo e não saem em uma sexta à noite? Quero dizer, também estou solteira e faço parte do 1%, a diferença é que eu não incomodo ninguém em uma sexta-feira à noite!

O relógio marca onze e trinta e um. Olho para o espelho e vejo minha imagem refletida nele. Com certeza, não é a imagem que eu quero ver para tomar coragem e bater na porta deles. Meus cabelos castanhos estão arrepiados, então passo a mão em desespero para tentar ajeitá-los; meus olhos estão espantados; meus lábios estão secos, por isso, passo a língua rapidamente para molhá-los e dou um tapinha em cada bochecha para trazer um pouco de cor ao meu rosto.

— Alone, eu sei que você consegue! — digo para minha imagem refletida no espelho. Os conselhos dos livros de autoajuda não estão ajudando, preciso jogá-los fora.

É, eu sei. Meu nome é tão bonito quanto incomum, é o que as pessoas dizem. Em qualquer lugar que eu vou, sempre perguntam para confirmar, mas ele combina tanto comigo que é surreal.

No atual momento, tenho um total de zero amigos e, quanto a minha família, bem, eles moram a milhas de distância daqui. Moro em Normist, uma pequena cidade no interior da Carolina do Norte, leva só duas horas em dias bons para atravessá-la. Vim parar aqui depois de receber uma proposta de emprego. Eu não tinha muitas opções — não que valessem a pena —, então precisei aceitar. 

Decididamente, é agora! Eu posso, quero e vou fazer. Bato a porta com mais energia do que deveria, deixando minha pequena casa para trás. Não me importo que esteja com um roupão por cima do pijama, muito menos que esteja com os pés descalços tocando o chão úmido e escorregadio, nem para a minha aparência descuidada. Estou empolgada como não estava em meses.

— Chega um momento que você precisa ir lá e fazer — murmuro para mim. É certo que os livros de autoajuda precisam ir para o lixo.

Sinto que só por ter atravessado a porta já é uma vitória. Podem achar tolice, mas nos últimos tempos tenho vivido dessa forma, enfrentando-me dia após dia. 

Talvez tenha sido um erro ter saído quando o tempo estava tão frio com apenas um short e um roupão, também se mostrou um erro sair descalça para atravessar a grama, nos primeiros dez passos eu escorreguei e quase caí. O universo parece estar jogando contra mim, no entanto, eu tenho plena consciência que é porque não estou me colocando em condições favoráveis. As leis da física. Droga! Outro escorregão.

Subo os degraus da casa do vizinho pronta para bater na porta, até que uma onda de ansiedade me atingi. Não foi nada muito forte, apenas o suficiente para fazer eu hesitar. Seria tolice ter ido até ali? O universo mesmo já tinha mandado mensagens claras declarando o óbvio! Viro-me, dando as costas para a porta, pronta para voltar para casa, de onde evidentemente eu não deveria ter saído.

A porta se abre com um rangido e eu pulo assustada. Uma voz rouca, pergunta: 

— Você deseja alguma coisa? — pergunta ele. 

Eu desejo muitas coisas, talvez mais do que seja permitido, mas preciso ter foco, preciso ser direta. É a minha chance. Se eu conseguir falar. 

Viro-me devagar até ficar de frente a ele. O vizinho é a cena mais perturbadora com que me deparo, desde sempre. Você sabe, ele é tão bonito que chega a ser desconcertante, deve ser o modelo ideal para o sexo masculino. Só que beleza, não é tudo, repito para mim mesma, sou prova disso. É provável que ele seja um narcisista idiota. Decido, ele é!

— Eu — começo, mas não termino. O fato de eu achar que, possivelmente, ele seja um idiota não ajuda em nada a minha causa. Tento de novo com mais vontade. — Preciso falar com vocês. — Impossível ele ser mais idiota que eu, brigo comigo. Claro que preciso falar com eles, caso contrário, por que estaria ali, não é mesmo? 

— Pois bem, fale — diz ele se apoiando no batente da porta. 

Retiro o que disse, a forma como a camisa preta apertou os músculos dele quando cruza os braços é que foi desconcertante. Ele sabe que está sendo intimidante e, está funcionando, garanto. Algumas tatuagens cobrem os braços dele e eu as avalio tentando buscar palavras firmes, mas ao mesmo tempo gentis. Eu odeio conflitos, a maioria deles, pelo menos. 

— É a garota que bateu a porta na nossa cara? — gritou um deles de dentro da casa. 

Eu não precisava dos tapas que dei em minhas bochechas, estou mais corada que tomate em dias quentes, aprendi a duras penas como devo agir diante de uma situação constrangedora. Porque, afinal, sou eu mesma. Mas claro, tenho uma boa desculpa.

No dia em que eles se mudaram, a uma semana atrás, eu estava sentada na grama lendo um livro. A vizinhança não é tão movimentada e desde que os imóveis na capital deram uma diminuída nos preços, a maioria dos vizinhos se mudaram para lá. Em uma rua com vinte e duas casas, ficaram para trás a Sra. Madoxx, a quem eu carrego as sacolas do supermercado pelo menos uma vez no mês, um casal estranho e o seu cachorro com quem eu nunca tive contato, o Sr. e a Sra. Franco com os seus três filhos, Srta. Maria, uma solteirona e eu. Mas alerto que é possível que eu não tenha lembrado de todos ou, ao menos, saiba de suas existências simplórias.

O que eu estava fazendo sexta-feira à tarde em casa? Eu tinha ligado para o meu trabalho pela manhã e dito que estava doente.  Você sabe, eu estava indisposta! Fiquei nervosa porque seria a primeira vez que eu mentiria tão descaradamente, mas deu certo. Acho que ficaram até aliviados por finalmente eu tirar uma folga. Então, como eu estava livre para fazer o que quisesse, a tarde joguei um pano no gramado e li. Quando ouvi o caminhão de mudanças dobrar a rua não liguei, porque não pensei que poderia ser os novos vizinhos. Engano o meu!

Aos poucos a rua estava ganhando vida de novo. Eram os segundos moradores em menos de um mês.

O caminhão parou quase de frente aonde eu estava, então, fiquei em pânico. Sentei e fiquei tentando entender a situação, mas quando três homens saíram de dentro do caminhão, foi a gota d’água. Eu precisava sair dali. Recolhi minhas coisas na maior pressa, é tanto que deixei meu livro para trás e quando voltei para buscar, horas depois, ele não estava mais lá. Um deles gritou acenando para mim, mas eu já estava caminhando apressada para dentro de casa para distinguir qual deles havia feito. Agora, eu sei. 

— Cala a boca — gritou uma segunda voz de dentro da casa com a primeira. — Você vai assustá-la, de novo! É a vizinha?

— Babacas — diz o vizinho à minha frente, balançando a cabeça. — Então, você tem algo a dizer — lembrou ele. 

Talvez eu esteja em choque, mas o pior que pode acontecer é eu sair correndo. Já tinha acontecido uma vez. 

— Bem, eu tenho mesmo — repito, de uma forma que é provável que tenha levantado suspeitas sobre o meu intelecto. 

Continuo parada e ele ergue as sobrancelhas paciente, parece estar achando graça da minha falta de jeito. 

— Não seja idiota — diz um loiro surgindo na porta para o homem a minha frente. — Somos cavaleiros, lembra-se? Entre, querida. 

Preciso morder a língua para não o corrigir. Agradeci em um sussurro que nem eu que proferi as palavras tinha ouvido e entro na casa. Um terceiro homem apareceu vindo da cozinha. Os três juntos é uma visão e tanto, não somente porque eram bonitos — apenas o que tinha aberto a porta era lindo de tirar o fôlego com os seus cachos negros caindo na testa —, mas porque possuíam uma presença marcante também. Se algum dia cruzasse com eles, é certo que não iria esquecer.

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Comments

José Erasmo De Freitas Lima

José Erasmo De Freitas Lima

Já gostei. Alta expectativa.

2023-02-07

0

José Erasmo De Freitas Lima

José Erasmo De Freitas Lima

Iniciando!

2023-02-07

0

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