CONVITE INESPERADO
Domingo, 3 de maio de 2015
Minha casa está arrumada e com o cheiro forte de produtos químicos, o que é reconfortante, sei que consegui exterminar muitos agentes patológicos em um dia. Meu corpo agradece.
Segundo a lista que fiz para a limpeza hoje, defini duas horas para limpar a casa, mas ainda faltam quinze minutos para concluir o horário, preciso achar algo para limpar. Olho a pia, mas a louça está guardada, já tirei a poeira dos móveis, limpei o banheiro, joguei o lixo fora; o quintal, falta o quintal!
Pego o ancinho e começo a juntar as folhas. Já pensei em cortar o Ipê que cresce no quintal, mas tirando o fato de que eu não gosto das folhas dele, não tenho outro impedimento. Quando o alarme toca me alertando que o tempo para limpeza acabou, deixo as folhas no chão e levo o ancinho para o seu lugar. Da próxima vez, preciso separar mais tempo para a limpeza.
Na noite passada, a Elastic’s Metal não tocou, o que atrapalhou minha nova rotina, de novo e quando eu já estava acostumando com a presença deles. Eles saíram para se divertir, ao menos é o que eu deduzo pela fila de mulheres constrangidas que saíram da casa hoje pela manhã.
Ontem, ao finalizar as compras no supermercado, ganhei uma carona de volta e pedidos não tão sinceros de agradecimento. Sagan, Killer e Alex me contaram que o nome temporário da banda é Elastic’s Metal, precisei segurar a língua para não tecer algum comentário debochado sobre a criatividade deles.
Hoje é domingo e domingos prometem!
Sento de frente a televisão e escolho uma série para assistir. Como eu preciso de um pouco de cultura em geral — posso definir como quiser —, a escolhida é Toy Boy. As quatro e meia da tarde, estou entediada, mas ainda falta meia hora de televisão. As cinco horas em ponto, pulo do sofá e pego um livro da prateleira, o escolhido hoje é Estilhaça-me. Li várias críticas negativas a respeito, então se eu quiser criticar também, preciso ter lido!
Uma cerca baixa separa minha casa dos terrenos vizinhos, não é grande, mas é o que posso pagar. Além disso, ter uma cerca branca confere um certo charme ao lugar. Deito embaixo da árvore e abro o livro, estou na página vinte e três quando a música começa. O mesmo tom melancólico ecoa como em todas as noites, mas agora as dezessete e vinte da tarde.
Não estou irritada, pelo contrário. Sozinha, eu consigo sentir a melodia entrando em cada canto da minha alma, tocando-me tão profundo, que uma lágrima escorre por meu rosto. Mas, ao mesmo tempo, a música me diz que estou sozinha. Todas as manhãs eu preciso batalhar, lembro de um tempo que não precisava fazê-lo.
Estou tão concentrada na música, em um estado de calmaria e tranquilidade que não sinto a tempos, que minutos depois não percebo que a música parou. Ouço a voz de Sagan longe, mas permaneço com os olhos fechados.
— Você gostou mesmo da música — repete Sagan, apoiando-se na cerca.
Com um sobressalto me sento, colocando a mão sobre o peito. Sinto o meu coração acelerar e não de um jeito aceitável. Em um momento está tudo bem e no outro, preciso desesperadamente de ar.
— Ei, desculpa! — pede ele, esticando as mãos em minha direção.
Preciso de ar!, quero dizer, mas as palavras não saem. Começo a sugar o ar com mais força do que o necessário. Preciso de ar!
Um, dois, três.
Meus pulmões parecem ter secado, mas quando inspiro o ar úmido e frio, eles voltam a vida.
Começo a me acalmar, quando sinto a mão de Sagan no meu ombro. O seu toque é leve, ele tem medo de me assustar.
— Conte até dez — pede Sagan, calmo, inspirando e expirando.
Faço como ele pede. Começo a contar até três, repetidas vezes, até me acalmar. Não gosto de contar até dez!
Aos poucos, consigo voltar a respirar novamente. E a falta de ar vai embora tão rápido quanto chegou.
— Obrigada! — agradeço sem olhar em seus olhos.
Estou envergonhada. Não queria que ele presenciasse isso. Pessoas normais não reagem como eu reagi.
— Não me agradeça, eu que preciso pedir desculpas, te assustei. — Os olhos de Sagan são intensos quando me encaram.
Engulo em seco, ainda envergonhada.
— Tudo bem — murmuro.
Sagan está vestido com uma camiseta branca, é larga, mas me deixa entrever os seus músculos através dela. Está com uma bota preta tão grande, que é difícil acreditar que aquele seja o tamanho de seu pé. A tatuagem com números me chama atenção pela primeira vez, deve ser uma data especial.
— Vim devolver o seu livro — diz ele, estendendo A noiva do capitão.
Franzo a testa em confusão.
— Você deixou cair no dia que nos mudamos — explica Sagan.
Definitivamente, eu estou mais envergonhada agora. Ele foi gentil não dizendo o que aconteceu, de fato. Fugi deles e, segundo experiências anteriores, fui mal-educada. A questão é que não esqueci do livro, é um dos meus preferidos de irrealidade romântica, mas por que ele guardou? Talvez goste desse livro.
— Obrigada — agradeço. — Como atravessou a cerca? — pergunto sem olhar nos seus olhos.
— Pulei — ele responde dando de ombros.
Levanto pela primeira vez os olhos e encontro os seus, parece tão divertido que eu correspondo.
Tenho vontade de perguntar se é verdade, mas só porque eu não consigo, não quer dizer que ele não consiga.
— Hoje vocês tocaram em um horário diferente — acuso.
Nós tínhamos um acordo, quero dizer.
— Achamos que não incomodaria uma certa vizinha — observa.
— Mas nós tínhamos um acordo — retruco. Eu tentei ficar calada. Juro que tentei.
Sagan inclina a cabeça para o lado.
— E qual é a diferença? — indaga ele, confuso.
Eu o encaro, cética. Sagan não faz listas, não cumpre termos de acordos, como ele vive?
— Nós fechamos um acordo! — falo, indicando o óbvio. — Está implícito no convívio entre vizinhos ou em qualquer relação social, o cumprimento das regras para proporcionar uma interação satisfatória entre as partes.
— Entendo — rebate ele, olhando ao redor. Parece assustado.
Pensando bem, posso ser a causa. Eu sei que sou muito prática e direta, assusto as pessoas com minha eficiência, porém, prometi a mim mesma que eu não fingiria ser quem não sou. Só que eu também não era a pessoa que baixava os olhos e nem a pessoa que se calava.
— Eu preciso ir — diz Sagan, desconfortável. Ele vira, pronto para pular a cerca.
Observo, calada enquanto ele foge de mim, mas é engraçado, pelo menos, a diversão substituí a possível mágoa que possa aparecer. Devagar, ele se volta para onde estou sentada.
— É melhor ir pela rua — declara, caminhando rápido.
Antes que eu posso falar alguma coisa, ele já está indo embora. Seguro firme o livro entre minhas mãos, é o meu lembrete de que meus pais estão certos. Sou diferente e ser diferente, nem sempre é bom.
Sagan para ao chegar na calçada, parece dividido. Quando ele suspira, sei que tomou uma decisão.
— Na quarta vamos fazer uma apresentação no Hole’s Beer, não é nada demais, Alex e Killer vão estar lá. — Sagan dá ênfase no fato de que não vai ser um encontro.
Eu não vejo a necessidade de Sagan esclarecer que não tem interesse romântico nem sexual por mim. Você sabe, está tudo bem, porque eu também não tenho. E com certeza, não seria um encontro, Hole’s Beer é o estabelecimento mais sujo e inconveniente da cidade.
— Vocês vão tocar aquela música? — indago.
Eu não gosto de gritar, gasto energia desnecessária no processo, por isso acho que ele não vai ouvir, mas o vento deve levar a pergunta até ele, porque responde:
— Não! Todas serão de nossas bandas favoritas. — Dessa vez, ele vai embora.
Posso dizer de antemão que não vou ao show deles e eu não acho que ele faça questão da minha presença lá, mas por algum motivo, estou satisfeita por ter sido convidada.
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Atualizado até capítulo 66
Comments
Bunny
Me identifico. Não quero ir a lugar algum, mas me convide kkkkkkkk
2023-02-13
2
Bunny
Guria vai ler pra passar raiva kkkkkkk assim que é bom
2023-02-13
1
José Erasmo De Freitas Lima
trabalhadora!
2023-02-07
0