LEITE DESNATADO
Sábado, 2 de maio de 2015
Gosto de finais de semana, acho até que vivo por eles. Eu posso ficar o dia inteiro em casa, sem precisar ver ninguém por dois dias inteiros e o melhor, sem precisar trabalhar. Se o paraíso existir será como os finais de semana, suponho.
Mas acho que estou empolgada demais, porque afinal, vou precisar sim, sair. Houve um pequeno problema quando planejei o final de semana, eu preciso que tenha comida nele, porque querendo ou não, o ser humano possui algumas necessidades e ingerir alimentos é uma delas. Além do mais, é típico dos solitários se empanturrar de comida como uma forma de suprir suas carências.
Eu poderia passar os dois dias pedindo comida, mas aos domingos à noite eu faço sopa. Fazer o que se sou uma criatura de hábitos? Chuto-me mentalmente, porque eu deveria ter ido quinta-feira depois de sair da Clark Company, mas eu estava com pressa para chegar em casa e escrever o máximo possível antes deles começarem a tocar e estava evitando contato humano, o dia tinha sido cheio dele. Normalmente, antes de odiar interagir com humanos, eu não deixaria algo para lá como fiz.
E eu gostava de ir a faculdade e ter conversas acaloradas com o pessoal da física teórica, na maioria das vezes eu precisava corrigir os professores. Triste.
Sair domingo não é uma opção, então preciso ir agora. Quanto mais cedo eu for, mais cedo eu volto. São nove e meia da manhã. Pego meu celular e minhas chaves, coloco dentro da bolsa, coloco os óculos escuros no rosto e o boné na cabeça. Como aos sábados eu uso preto, o visual está aceitável.
Começo o trajeto do desespero.
O supermercado mais próximo fica a uns dez quarteirões de distância e, eu vou a pé. Não tenho confiança para dirigir e nem o dinheiro para comprar um carro. Minha casa nem tem garagem. Acho que uni o útil ao agradável.
Verifico mais uma vez se não esqueci a carteira. Por sorte, a carteira está no mesmo lugar em que eu coloquei a minutos atrás, na bolsa.
Quando chego a calçada, vejo um jipe preto grande saindo da garagem dos vizinhos, mas continuo o meu trajeto. Dois minutos depois, ouço uma buzina muito próxima, chamando a atenção de dois pedestres para mim. Olho irritada para a rua e vejo o jipe preto parado, com a cabeça de Alex saindo pela janela. Penso em ignorar e fingir que não é comigo, mas Alex faz o impensável.
— Alone! Ei, gata! — grita ele.
Suspiro audivelmente querendo desaparecer — talvez eu esteja tendo um pequeno Acidente Vascular Cerebral — e, caminho até ele. Quando chego na janela do motorista, percebo que Alex não está sozinho, Sagan e Killer estão com ele. Eu mereço.
— Você está indo para onde? — pergunta ele.
Alex me fez passar vergonha para jogar conversa fora? É como confiar os seus contatos pessoais a uma pessoa e ela te enviar conteúdos vazios.
— Vou para o mercado — balbucio, entredentes. Não sei como consegui dizer uma frase tão longa com tanta irritação. É uma completa perda de tempo, tenho horários que devem ser cumpridos.
— Para onde? — quer saber Killer do banco do carona.
Alex responde por mim, por sorte, já que eu não ia falar de novo.
— Mercado — repetiu. — Hoje é o seu dia de sorte, gata. Nós estamos indo para lá agora. Entra aí — ofereceu.
Estou pensando em um jeito educado de recusar quando Sagan abre a porta de trás para mim. Eu não quero ir a pé, é energia desperdiçada, todavia, não sei se é o que eu devia fazer. Também não acho que esteja em perigo, mas eu não saberia dizer se estivesse. Suspiro mais uma vez e entro. Sagan se afasta da porta e eu sento ao seu lado. Passo o cinto de segurança automaticamente e vejo que nenhum dos três está com ele.
— Vocês não vão colocar o cinto? — pergunto em tom de reprimenda. Segurança é importante. E se acontecer alguma coisa? Eu não quero ser a única a sobreviver em um acidente porque usei o cinto!
Eles murmuram algo que eu não entendo e colocam o cinto. Killer vira para trás com um sorriso amarelo no rosto.
— Você vai assaltar o mercado? Pode tirar esse boné e o óculos — sugere ele. O olhar afiado que eu lanço em sua direção faz com que ele complete: — Se quiser.
Como eu não quero tirar e nem tinha a pretensão de fazê-lo, não os tiro e também não respondo.
— Você sabe o que precisamos comprar? — pergunta Alex, olhando para a estrada.
— Nós precisamos comprar tudo — garante Sagan.
Olho espantada para ele.
— Você não tem uma lista? — pergunto.
Acho que não falo tantas palavras assim desde que aprendi a falar. Mas é impensável o fato deles não terem uma lista. Listas facilitam a vida, todo mundo sabe disso. Eu, por exemplo, tenho uma dentro da bolsa com seis itens, com as marcas a serem compradas e o valor máximo que eu posso pagar para as compras de hoje. Também tenho uma lista para os filmes que eu preciso assistir, com as séries que devo maratonar, com os livros a serem lidos, com o almoço nos dias de semana, do supermercado do mês que vem, das ligações que preciso fazer no Natal e mais algumas. Também tenho alarmes para cada item da lista. Como eu disse, para facilitar a vida.
— Não precisamos — diz Sagan, encarando a tela de seu celular e digita alguma coisa.
— É claro que precisam — murmuro, mas não insisto. Talvez eu esteja fazendo uma lista mental para eles, com prós e contras de comprar determinadas marcas, com os valores e, com a quantidade necessária para três homens. Talvez eu também tenha feito uma lista com os prós e contras de ter vizinhos, a coluna dos contras é cinco vezes maior que a coluna dos prós.
Preciso focar, eles não pediram minha ajuda, mesmo que precisem.
A viagem para o supermercado é rápida. Tem muitas vagas para estacionar vazias e, Alex escolhe a mais próxima. Quando desço do carro me sinto aliviada. Alex é bom um motorista, mas eu não sabia disso quando aceitei e aceitar a carona alterou minha rotina totalmente. Rotinas são feitas para não serem desfeitas. Preciso adicionar uma regra a minha lista “Regras da Alone”: não aceitar carona dos vizinhos.
Agradeço com um aceno rápido de despedida e ando apressada para dentro do prédio. Ajeito meus óculos e o boné. Por sorte, o segurança me conhece, porque eu não quero ser acusada de roubo, mesmo a probabilidade de uma pessoa ser um ladrão seja maior quando está vestida formalmente — o cérebro ignora.
Eu conheço esse supermercado como a palma da minha mão, as minhas compras são feitas aqui desde que me mudei. Pego uma cestinha e coloco o que eu preciso dentro. Em cinco minutos, tenho os ingredientes que eu preciso para fazer minha sopa e um pacote de batata frita com sal, mas com o tanto certo. Demorei séculos para descobrir a batata frita no ponto ideal.
Quando caminho para o caixa com a intenção de pagar, vejo Sagan e Alex em uma discussão acalorada sobre quais produtos se deve usar para a limpeza em geral. Eu posso pagar minhas compras e ir embora, ou eu posso ficar e ajudar. Prefiro ir embora, mas eles me deram uma carona, então preciso retribuir, porque, afinal, estou devendo.
Não é fácil para mim ir ajudá-los. Meu coração está acelerado e as palmas das minhas mãos suam, talvez esteja no início de uma crise, mas tento me controlar e forço o meu corpo a caminhar até eles. Parecem surpresos quando me aproximo ou talvez não queiram minha ajuda, não sei dizer. Fico mais nervosa, mas coloco um pequeno sorriso no rosto, não custa nada oferecer ajuda. Repito diversas vezes. Só que meu tempo precioso está sendo desperdiçado.
— Vocês precisam de ajuda? — indago, minha voz sai trêmula.
Killer coloca um detergente dentro do carrinho e sorri, agradecido. Parece sincero.
— Nós aceitamos sua ajuda.
Pego meu celular dentro da bolsa e vejo a minha lista de compras padrão, ela vai servir.
— Como vocês não tem lista e disseram que precisam de tudo, a minha lista padrão com alguns ajustes vai servir, certo? — Eu digo, devolvendo o detergente a prateleira. — Vocês não vão querer comprar esse.
Alex balança a cabeça em concordância. Sagan não se manifestou, parece interessado em algo no celular.
— Para maximizar o tempo, vamos nos dividir por seção. Como faço para compartilhar a minha lista? — Meu tom é autoritário, não deixo espaço para que discordem.
Sagan finalmente tira os olhos do celular e responde:
— Faça um grupo.
Tirando o fato de que preciso dar o meu número a eles, é uma boa ideia. Caso haja alguma dúvida sobre os produtos vou poder tirar. Alex é quem faz o grupo no aplicativo WhatsApp com o nome “A vizinha é demais”, mas com a ortografia incorreta e um símbolo substituindo a parte final da palavra demais. Preciso respirar fundo para não escrever da forma correta. Minha mãe está errada, eu posso aprender.
Eu mando a lista, dividida com nomes e suas respectivas seções. Alex vai ficar com os frios, Killer com o material de limpeza, Sagan fica com a comida propriamente dita e eu com os utensílios de cozinha, três corredores para cada um de nós.
— Se não quiserem comprar algum produto, uma variação dele ou algum produto que não esteja na lista me falem com antecedência. Caso surja alguma dúvida mandem mensagem — informo.
Alex levanta a mão, quando termina de ler a lista.
— E a cerveja? — pergunta ele.
Eu pisco. Claro, como homens solteiros, eles gostariam de comprar cerveja. Qual é a melhor cerveja?
— Vocês têm alguma preferência? — questiono.
Eu sei ouvir as pessoas e suas respectivas opiniões, mesmo que não concorde com elas.
— Temos — responde Alex.
— Então, você deve comprá-la! — afirmo, dando de ombros. — Mas atente-se ao teor alcoólico e ao que a marca apoia.
Killer dá um tapinha na cabeça dele, ato que eu suponho ter algo relacionado com a dominância masculina e Sagan ri. Acho que preciso imitar sua postura descontraída.
— Certo, cerveja resolvida! — diz Alex. — Mas Alone, você disse que deveria informar se eu não compraria algum item da lista, bem, não vou comprar absorventes.
Eles parecem bastante desconfortáveis com o assunto.
— Muito bem — concordo. — No entanto, quando vocês precisarem, essas são as melhores opções.
Eles caem na risada por algum motivo que eu não consigo entender, porque imagino que eles não queiram ficar solteiros por muito tempo, então se os seus parceiros forem do sexo feminino, é sempre bom ter absorventes a mão. Sempre se deve pensar em tudo.
Cinco minutos depois já estou longe enchendo minha cesta. Dez minutos depois, estou no meio da lista, mas os produtos já estão caindo de dentro. Eu não gosto de carrinhos, evito o máximo possível. Eles são estranhos, grandes e não obedecem aos meus comandos.
Quando estou no final da seção, vejo Sagan empurrando o carrinho a três metros de mim, olhando para as prateleiras. A solução perfeita. Caminho rapidamente até ele e começo a esvaziar minha cestinha dentro do carrinho. Ele arqueia a sobrancelha e eu lanço um olhar inocente a ele.
— Eu ia mandar uma mensagem no grupo, mas já que você está aqui, então... — começa ele.
— Ah, pode falar — permito.
— Não gosto de leite desnatado — ele me encara.
Isso é um problema. Respiro fundo e tento me acalmar, o leite não é para mim, repito como um mantra.
— Tudo bem, mas eles são melhores — tento. E evitam doenças.
Não são para mim.
— Eu não acho — retruca, esticando a mão para pegar uma caixa de leite qualquer.
Não são para mim.
O mundo pode acabar a qualquer minuto.
— Esse não — agarro a caixa da sua mão e devolvo para a prateleira. Meu tom sai ligeiramente mais alto do que eu pretendia.
— Sim, senhora — diz ele fazendo uma continência, com sarcasmo na voz.
O sorriso de deboche de Sagan está estampado em seu rosto. Tento não prestar atenção na forma como as rugas ao redor dos olhos o deixa mais misterioso ou como, o canto da boca estremece quando ele o faz. Ele deveria ser estudado. Eu estreito os olhos em sua direção, o nervosismo ficou de lado sem eu ao menos perceber. Também não me importo que as pessoas pararam para assistir nossa interação.
— Este é melhor, tem menos gordura e sódio.— afirmo, pegando a caixa de leite semidesnatado. — Tem vitaminas e todos os componentes que fazem do leite um alimento tão importante para a nossa dieta. Sabemos qual é a procedência e não está perto da data de validade como o outro. Você olhou a validade desses produtos? — O olhar que Sagan lança é suficiente para eu ter uma resposta. — Não acredito! Você precisa, vocês precisam.
Não achei que precisasse alertá-los sobre algo tão importante.
Mando uma mensagem no grupo alertando Alex e Killer sobre a importância de olhar a data de validade. Eles respondem rapidamente com várias figurinhas e rostinhos felizes. Você sabe, nem um deles estava olhando a validade.
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Atualizado até capítulo 66
Comments
Jessy Navarro
Ou Alone tem toque ou é autista. Estou mais para a segunda opção.
2023-02-24
1
Bunny
O leite, cara, eles não checam a validade do leite. É o famoso "o que não mata engorda" kkkkkkkkkk
2023-02-13
1
Bunny
Acho que alguém tem um tipo de TOC, obsessão severa, mas os meninos também estão errados em não usar cinto. Alguém dá equilibrio pra essa gente kkkkkkk
2023-02-13
2