A Garota e o Gato

Você conhece a sensação de liberdade? Já sentiu isso em sua vida? Sabe, eu queria sentir. Mas presa nesse lugar, nessa casa, é difícil definir o que significa essa liberdade.

Sim, eu estou presa aqui, porém, tem uma garota que conseguiu fugir desse lugar. A Marie. Eu a vi ela fugindo dele. Se escondendo dos arbustos. Mas ninguém se esconde das janelas. Ela conseguiu sua liberdade, e aqui sozinha estou eu. Presa.

Meu único companheiro que tenho, é o meu gato Phill. Ele é todo preto com olhos verdes como esmeralda. Todo mundo tem certo receio com gatos assim, dizem que dão azar. Mas sou diferente, eu digo que eles dão sorte. Sem o Phill, estaria completamente sozinha nessa grande mansão bizarra controladas pelo 'Manipulador' ou o 'Dono da Casa' como algumas pessoas aqui dizem.

Esse cara é aterrorizante, ele consegue de alguma forma controlar a mente de todas as pessoas aqui. De alguma forma não sei como Marie conseguiu escapar. Todas as pessoas daqui, os jardineiros, as crianças, cozinheiros, todos daqui são controlados pelo Dono da Casa. Até eu ele me controla... Porém não lembro de muita coisa quando isso acontece. Eu já amanheci machucada, com minhas partes íntimas doendo, e nunca entendi o porquê… meu nome é Micaelli, nome horrível né, mas é a única coisa que me lembro é dele. Tenho quartoze anos..

Meu quarto é pequeno, só tem cama, espelho e um banquinho no canto, e um guarda roupa que só tem três peças dentro dela. Todas rasgadas pelo tempo.

Caminho até o espelho, me vejo ali, uma garota com semblante caído. Minha pele negra, cabelos cacheados, minhas roupas cor de rosa. Fico ali me admirando, mas aí mesmo tempo triste e melancólica. O Phill começa a miar. Olho para ele, o pego e seguro entre os meus braços. E fico ali, olhando para ele através do espelho.

– Somos só eu e você amigo...

Batida na porta. Mas que droga. Eu coloco o gato encima da cama e fico parada no meio do quarto olhando para a porta. Estou trêmula.

– Abra — É a voz dele. Minha barriga treme, meu braços se enfraquecem. Me aproximo da porta, giro a maçaneta, abro a porta. Ele está parado na minha frente.

Ele é um homem alto, branco, loiro, usa óculos e tem um semblante cinzudo e vazio. O seu olhar é misterioso, e ao mesmo tempo cheio de ódio e ameaçador. Uma mistura de emoções. Ele usa casaco e calça preta. Típico de vilão.

– Para onde Marie foi — Ele diz, olhando diretamente para os meus olhos, sem piscar, sem desviar, sem se mexer.

– E-eu não sei.

– Não minta pra mim.

– Ju-juro, eu... Eu não sei — Gaguejo muito, o pavor chegou me querendo toda por dentro

– Mica... — Meu corpo começa a se mexer sozinho, e ando em direção ao gato. Ele entra no meu quarto. Eu pego o Phill e quase uso minha força. Mas algo não deixa.

– Me diz onde está Marie, ou eu faço você matar esse seu gato. — Sua voz é de puro ódio.

– Eu não sei, não conversamos muito, apenas uma vez que se falamos. Tem muita gente nessa casa, eu sinceramente não sei... — Agora que eu percebi que ele estava me controlando. E estou livre do seu controle e corro para abraçar o Phill, o beijo muito, muito, muito. O Dono da Casa ainda fica parado lá, me observando. Ao sair do quarto, ele para na porta, e me olha por trás dos olhos virando a cabeça.

– Não gosto de poupar vocês. Mas por hoje farei, há coisas maiores para resolver. Fique no quarto até a próxima chamada. Empregados virão aqui até, obedeçam cada um deles, ou eu faço você matar esse gato idiota e comer os restos mortais dessa coisa nojenta. — Ele fecha a porta e sai.

Antes que você me pergunta, os Empregados são funcionários que pegam toda garota e garoto dos quartos as quatro horas da manhã. Ele nos leva para uma sala branca, e faz diversos exames na gente. Meu corpo é todo furado pelas injeções, eu nem sinto mais a dor. Não entendo muito bem essas coisas, eles dão um líquido azul para bebermos, todos os dias... Hoje mesmo passei por esse processo.

Fico sentada ali no chão, com o gato em meus braços. Até que o Phill fica incomodado e sai de mim, ele anda até a porta e fica olhando a maçaneta.

– Até quando vai deixar ele fazer isso com você — Mais que merda é essa? Meu gato… Tá falando?!

– Hein garota, até quando? — Ele anda em minha direção, sua voz é um pouco grossa — Você quer se libertar? Eu conheço caminhos, mas você terá que querer.

Mais que merda, mais que merda, mais que merda, o meu gato tá falando.

– Você... Você fala — Minha respiração fica ofegante, eu me movo para trás me afastando dele e encosto na parede.

– Não precisa ter medo menina. Sempre estive aqui, nunca te fiz mal, mas sim, fui seu amigo. E como um amigo que eu sou, quero te ajudar.

– Isso é um sonho.

– Para de frescura garota. Agora levante - se, e olha para o espelho — Enquanto ele disse isso, ele subiu na cama, e ficou ali confortável falando comigo com aquela voz grave.

Fiz como ele pediu, fiquei em pé trêmula, olhando pro espelho.

– Não precisa ter medo de mim Mica, não vou te fazer mal algum. Há vários mundos além desse. E existe um que você é feliz.

– O que é você... Você não falava, eu...

– Precisava esconder isso. Eu sempre vivi perambulando por aqui, conheço coisas que você desconhece – O tom da voz se tornará misteriosa, e ele continuava sentado na cama olhando para mim. Estou ficando louca.

– O que tenho que fazer aqui? — Fiquei com dúvida no que fazer, mas só perguntar, ele imediatamente foi até o espelho, olhou para mim.

– Me siga — Ele caminha até o espelho e atravessa ele. – Venha, atravesse — Continuou ele.

Insegura eu fui andando. Coloco meus dedos sobre o espelho, e eles afundam no gelado vidro que se encontram minhas mãos. Até que passo com todo meu corpo através do espelho. E de repente, paro em um quarto, muito escuro e fedido. Goteiras de água caem no chão, fazendo aquele sonzinho irritante.

– Me siga Mica — A voz do Phill é firme, apesar de bizarro, ele me deixa segura.

– Onde estamos indo?

– Xi, silêncio. Estamos no seu quarto, mas de outra dimensão.

– O que?

– Abra a porta, precisamos falar com alguém. — Sem ter resposta, eu abro a porta. O corredor que se encontra tá totalmente diferente. Ela está escura, e cheio de sujeira. As outras várias portas ainda estão lá. O que aconteceu?

Escuto gritos, choros, ranger de dentes. O som do sofrimento. Caminho lentamente pelo corredor, o Phill já está lá na frente me esperando em frente a uma porta. Do nada a porta do meu lado faz um barulho ensurdecedor. Meu coração quase saiu pela minha boca.

– Anda logo Mica — Chama o gato.

Eu aumento mais a velocidade para ir até o gato.

– O que estamos fazendo?

– Abra.

Olho para a porta, bem devagar. Meu coração fica acelerado aí abri–la. Quando entro, vejo uma banheira e um braço pra fora. Me aproximo, é uma mulher seminua, tapando os seios e a parte intima com pano. Ela está com vários cabos pelo seu corpo.

– O que eu estão fazendo aqui? — Pergunto pro Phill

– Essa mulher é responsável pela vida que você leva.

– É a Joyce? A mulher que faz aquilo com a gente?

– Ela mesma. — Confirma ele, com convicção.

– O que ela faz aqui?

– Essa é a outra Persona dela. —

– Persona?

– Sim. — Diz ele, subindo em cima de um balcão para observar o corpo da Joyce

– O que isso significa?

– Outra Joyce. Uma versão alternativa dela. Nós chamamos de Persona.

– Nós?

– As Dorians, grupo de garotas que tem fugido daquela maldita casa em busca de realidade perfeita para si próprias. Você conhece muito bem as garotas — Tudo que ele diz é incompreensível para mim. Não entendo nada disso.

As Dorians são um grupo que faço parte na Casa. Nós apenas cantamos canções, mas nada além disso. Seis meninas são desse grupo, mas não é necessário citá-las agora.

– Sei que não está entendendo nada Mica, mas tudo isso é prisão, você está igual a Joyce. Cada cabo aqui conectado nas parte de seu corpo remete a uma dimensão. Multiverso, a consciência dela está espalhada nos mistérios do Cosmos.

– Mas eu estou aqui... Não estou desse jeito ..

– É o que você diz. Eu tenho trazido cada pessoa das Dorians para cá, se elas saírem daquela realidade, vão parar aqui, e isso é perigoso, pode matar vocês.

– Mas, é impossível… Nós, só cantamos canções, escondidas claro.

– A líder de vocês, estão enganan... — Escutamos um barulho.

– Precisamos ir Mica, tire os cabos

– Não vou fazer isso – O confronto.

– Tire, ela vai morrer.

Resistir, mas ele é tão convicente, que precisei tirar os cabos. Logo em seguida saímos da sala. Alguma coisa está acontecendo. Phil está com uma expressão de tremenda preocupação.

– Algo ruim aconteceu. Vamos até o espelho. Corra.

Corremos pelo corredor, passando por várias portas, algo está acontecendo que não sei o que é. Entramos no quarto, e não estamos sozinhos. Na escuridão, se encontra uma outra pessoa ali, com o espelho quebrado espalhado pelo chão.

– Intrusos — O homem, de costas. Encurvado para o espelho. Ele se vira para olhar para nós dois.

– Porque a trouxe para cá Phill — Continuou o homem.

– Estamos passeando. A garota é prisoneira no outro lado, queria que ela viesse coisas diferentes. Experimentar novas experiências. — Phill está tão tranquilo, ele não parece ter medo desse homem.

– Gato idiota. Já temos que lidar com as Dorians, agora temos que ficar de olho em você? Nem todas as pessoas tão preparadas.

O homem tem um porte físico bem parrudo, forte, sua expressão e o rosto cheio de cicatrizes denunciam que ele passou por muita coisa.

– Leve essa garota para fora daqui. Ela não pertence a esse lugar — Sua voz é fria, sem vida alguma.

– A única casa que ela tinha foi o espelho que você quebrou.

– Que pena, então eu terei que mata–la. — Ele tira a casa de seu bolso e o meu gato pula pra cima dele imediatamente tentando impedir dele correr pra cima de mim. Arranhando seu rosto. Eu saio do quarto e começo a correr sem olhar para onde estou indo

– VAI PARA O PORÃO MICA — Ele grita para mim enquanto estou no corredor. Vejo ele fugindo do homem mas desço as escadas e perco de vista o Phill. Encontro mais corredores sujos e escuros, desço mais escadas. E vejo uma porta ao descer todas elas, é a única porta que posso abrir para fugir do homem. Eu abro ela. Nessa sala, tem várias cápsulas de pessoas lá dentro.

São homens, mulheres, jovens, velhos e crianças. Todos lá dentro com vários cabos pelos seus corpos. O que é tudo aquilo? Quando olho para as cápsulas, eu levo minhas mãos a minha boca. Eu me vejo nessas cápsulas, vejo minhas amigas do grupo Dorians também lá. O que está acontecendo? Meu Deus, que horror. A sala tem muita dessa, e não tem mais saída. Escuto passos vindo para essa sala. Ele abre a porta. Estou trêmula, minhas lágrimas saem pelos meus olhos de tanto terror que toma conta da minha alma.

– Você queria liberdade, mas a sua curiosidade o matou. Quer ser livre, mas é escrava das influências — O homem de aproximava de mim com a sua faca...

– Por favor, não me mate.… Ou me mata, se for pra eu voltar a ter aquela vida que tinha, acabe logo com isso — Não consigo falar direito, estou trêmula demais.

– E eu vou, você viu demais aqui. A sua liberdade o matou garota. Do que adianta sair da casa, se você ainda presa em si mesma? — Quando menos esperei, rapidamente ele corre pra cima de mim, e eu sem reação alguma, recebo o golpe fatal. Minhas mãos estão todas sujas de sangue, e a faca encravada na minha barriga. Caio de joelhos no chão, as coisa estão ficando escuras... E aquelas últimas palavras batem na minha cabeça. A dor é terrível. Mas no fundo... Eu acho... Que mereci... Caio no chão….

Flashbacks se passam na minha cabeça rapidamente enquanto estou agonizando de dor. Me lembro quando os Empregados me buscavam no quarto… Os experimentos... As injeções… Lembro...da doutora Joyce falando com Dono da Casa, ela com jaleco branco, fazendo anotações com seu caderno e olhando pra mim…. O líquido azul que tomávamos.… Usávamos um capacete com vários cabos, a dor que sentiamos era horrível quando usávamos na gente….

Meu corpo está ganhando vida... O que está acontecendo???… Apago.… Acordo me olhando no espelho, meus olhos estão amarelos…. Tudo fica escuro de novo…. O corpo do homem que me atacou com a faca está todo estirado no chão, com a poça de sangue em sua volta.…. Apago de novo.…. Sinto gramas pelos meus pés, sinto a chuva, vejo a noite na minha frente, a lua e as estrelas...

Estou no lado de fora daquele lugar… O que aconteceu???…. Minha barriga ainda sangra, mas a chuva forte que estava ali me limpa de toda essa sujeito e terror, e algo se move perto de mim. Estou fraca, caio na grama, ainda sentindo muita dor e sonolência… fico ali caída, até que a figura que está se movendo se revela... É o Phill, andando até o meu corpo caído, se sentando perto de mim, no meio daquela noite, através da chuva que cai sobre nós…

... ...

... FIM...

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Comments

Wan Marte

Wan Marte

Finalmente livre

2022-09-20

1

Wan Marte

Wan Marte

Vai ver que as cicatrizes dele são de arranhões do gato, talvez já tenham brigado antes.

2022-09-20

1

Wan Marte

Wan Marte

Saylor Moon? brincadeira rs

2022-09-20

1

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