A fogueira crepitava entre nós, as chamas lançando sombras que dançavam nos olhos de Louis, que pareciam não conseguir decidir se me encaravam com curiosidade ou cautela. Eu já estava cansada da conversa, do jeito que ele insistia em cavar fundo, como se pudesse desenterrar algo que eu não queria mostrar. Mas ele não desistia, e isso, de alguma forma, me irritava e intrigava ao mesmo tempo. “Por que ele não cala a boca?”, pensei, enquanto mexia nas brasas com um galho, tentando manter o foco no calor em vez de na conversa.
— De quem você quer se vingar? — Louis perguntou, a voz quebrando o silêncio, tão direta que me pegou desprevenida.
Olhei para ele, meus olhos violeta estreitados, avaliando-o. Eu não queria responder, não queria dar a ele mais do que ele já tinha. — Não posso te dar todos os detalhes — respondi, a voz fria, cortante como o vento que soprava pela floresta.
Ele inclinou a cabeça, um sorriso torto surgindo em seu rosto. — Ah, por favor, Aris. Não acha que, se eu quisesse te trair, já teria feito isso? Hm?
Suas palavras pairaram no ar, e por um momento, eu fiquei em silêncio. Ele tinha razão, de certa forma. Ele estava aqui, vivo, sabendo quem eu era, e ainda não tinha corrido para os cavaleiros ou tentado me entregar. Mas confiar? Isso era um risco que eu não podia correr. Ainda assim, algo em sua voz, em sua insistência, fez minha guarda baixar por um instante.
— Do Oliver — murmurei, quase contra minha vontade, o nome dele queimando na minha língua como veneno.
Os olhos de Louis se arregalaram, o choque estampado em seu rosto. — Espera, o Oliver? — ele repetiu, como se não acreditasse no que tinha ouvido.
— Sim — confirmei, mantendo a voz firme, os olhos fixos nas chamas para não ter que encará-lo.
— O que comanda o governo corrupto? — ele perguntou, a voz tingida de incredulidade.
Assenti, sem dizer mais nada. Eu não precisava explicar. Oliver era um nome que carregava peso, um nome que evocava medo e ódio em qualquer um que tivesse sofrido nas mãos do governo de Tristária.
Louis balançou a cabeça, como se tentasse processar a informação. — Impossível — ele disse, quase para si mesmo.
— Como pode ter certeza disso? — retruquei, minha voz afiada, irritada com a dúvida em seu tom.
Ele me olhou, hesitante, como se soubesse que suas próximas palavras poderiam me enfurecer ainda mais. — Olha, não é querendo acabar com a sua graça. Mas você não vai conseguir matar aquele homem.
— Está duvidando de mim? — perguntei, meu tom baixo, mas carregado de ameaça. Meus punhos se fecharam, e senti o calor da raiva subindo pelo meu peito. “Quem ele pensa que é?”, pensei, o orgulho ferido pela sua falta de fé.
— De forma alguma — ele disse rapidamente, levantando as mãos como se quisesse se defender. — Mas pensa... ele é um homem muito protegido. Onde ele fica é cercado de cavaleiros por toda a parte. É uma fortaleza!
Minha respiração parou por um instante. Uma fortaleza. Eu não sabia disso. Meus olhos se estreitaram, e me inclinei para frente, fixando-o com um olhar que fez o ar ao nosso redor parecer mais pesado. — Você sabe onde ele fica?
Louis hesitou, claramente desconfortável com a intensidade do meu olhar. — Fica na capital... pensei que soubesse — ele disse, a voz mais baixa agora, quase cautelosa.
— Não, eu não sabia — admiti, minha voz cortante como uma lâmina. — Mas agora você vai me contar. Ou arranco o seu pau.
Os olhos dele se arregalaram, e por um momento, vi algo além de surpresa... havia um traço de medo, mas também uma centelha de admiração. Meus olhos violeta deviam estar brilhando como fogo, porque eu sentia a raiva pulsando em mim, a determinação de arrancar cada pedaço de informação que ele tivesse. Ele engoliu em seco, claramente sem escolha, e começou a falar.
— A fortaleza fica na capital — ele começou, a voz hesitante, mas ganhando firmeza à medida que continuava. — A cidadezinha dos ricos. Eles têm tudo do bom e do melhor lá, enquanto os pobres morrem e se matam para sobreviver. Oliver vive como um rei, ou quase isso. A fortaleza, na verdade, é um castelo. Ele segue as ordens do rei Edric.
Eu pisquei, surpresa. — Um rei? — perguntei, franzindo a testa.
Louis assentiu, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Todos conhecem o nome dele, Edric. Não sabia?
— Nunca ouvi falar — respondi, seca, sentindo uma ponta de irritação por estar tão alheia a algo que parecia ser de conhecimento comum.
Louis me olhou, incrédulo. — Você era mesmo de Tristária? É impossível não ter escutado o nome dele.
— Claro que eu era — retruquei, minha voz mais afiada do que pretendia. — Mas não havia um rei na minha época.
Ele inclinou a cabeça, curioso. — Quantos anos você tem, Aris?
— Vinte — respondi, sem hesitar.
— Ora... eu também — ele disse, um leve sorriso surgindo em seu rosto. — Como assim você nunca ouviu falar do rei?
Dei de ombros, tentando afastar a sensação desconfortável que a conversa estava trazendo. — Sei lá. Meus pais viviam fugindo de alguma coisa. Eu mal saía de casa.
Louis ficou em silêncio por um momento, como se estivesse tentando entender o que eu havia dito. — Você teve uma infância bem ruim, então — ele disse, a voz mais suave agora, quase gentil.
— E põe ruim nisso — murmurei, olhando para a fogueira, as memórias dos meus pais voltando como uma onda que eu não queria enfrentar. “Não pense nisso”, disse a mim mesma, tentando bloquear as imagens do sangue, dos gritos, da noite que mudou tudo.
— Seus pais nunca te contaram o motivo de estarem sempre fugindo? — ele perguntou, a curiosidade em sua voz quase inocente.
Neguei com a cabeça, sentindo um aperto no peito que eu odiava admitir. — Eu também nunca quis saber. Eu só me preocupava em ter eles por perto.
Por um instante, deixei minha guarda baixar, e Louis deve ter percebido, porque seus olhos suavizaram, como se ele tivesse visto algo em mim que eu não queria mostrar. Vulnerabilidade. “Merda”, pensei, odiando-me por deixar aquele momento escapar. Rapidamente, me levantei, o movimento brusco o suficiente para apagar qualquer traço de fraqueza.
— Vou entrar — disse, minha voz firme novamente. — Não fique aí até tarde. Pode aparecer lobos.
Virei-me para a cabana, sentindo o peso do olhar dele nas minhas costas. Mas, antes que eu pudesse dar mais de dois passos, ouvi seus passos atrás de mim. “Claro que ele vai me seguir”, pensei, revirando os olhos mentalmente. Louis não era do tipo que ficaria parado esperando lobos, isso eu já sabia. Ele entrou atrás de mim, o silêncio entre nós carregado de coisas não ditas, de perguntas que eu não queria responder e de respostas que eu ainda não tinha. Mas, por enquanto, ele estava vivo. E, por mais que eu tentasse negar, uma pequena parte de mim começava a se perguntar se isso era mesmo um erro.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
Alan
Esse livro me ganhou.
2025-10-16
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