Por Que Aris Não Matou Louis?

As ruas de Tristária eram um labirinto de sombras, e eu conhecia cada canto, cada beco onde a luz da lua não ousava tocar. Puxei Louis pela camisa, meu coração batendo rápido, mas não por medo era a adrenalina, a raiva, a desconfiança que aquele garoto idiota havia despertado em mim. Ele tropeçava atrás de mim, gemendo sobre seus ferimentos, mas eu não tinha tempo para piedade. Os cavaleiros estavam próximos, o som dos cascos ecoando como trovões. Encostei-o contra a parede de um beco escuro, o cheiro de mofo e lixo impregnando o ar. Minha mão pressionou seu peito, mantendo-o imóvel, enquanto eu espiava pela esquina, os olhos estreitados, o corpo tenso. Os cavaleiros passaram, suas vozes rudes cortando a noite, mas, por sorte, não nos viram. As sombras eram minhas aliadas, sempre foram.

Virei-me para Louis, inclinando a cabeça ligeiramente, meus olhos violeta perfurando os dele. Havia algo nele que me irritava profundamente talvez fosse a ousadia, a maneira como ele parecia não ter medo de mim, ou pior, como ele parecia enxergar através de mim.

— Como soube quem eu era? — perguntei, minha voz baixa, mas carregada de ameaça.

Ele me olhou com uma calma que só aumentava minha raiva. — Já falei, foi por causa da máscara — ele respondeu, apontando para a minha cintura, onde a máscara preta pendia, traidora, visível o suficiente para alguém atento.

— Impossível! — Minha voz se exaltou, um erro que eu raramente cometia. Perder o controle não era algo que eu podia me permitir. Num movimento rápido, minha mão agarrou a garganta dele, os dedos apertando com força suficiente para fazê-lo sentir o peso da minha raiva. — Não minta para mim.

Ele levantou as mãos em rendição, os olhos arregalados, mas ainda com aquele brilho irritante de desafio. — Por favor, confia em mim — ele disse, a voz rouca sob a pressão dos meus dedos.

— Eu não confio em ninguém — sibilei, aproximando meu rosto do dele, deixando que ele visse a frieza nos meus olhos. — Eu vou matar você.

Era o que precisava ser feito. Ele sabia demais, mesmo que fosse apenas a máscara. Eu não podia arriscar. Minha mão já alcançava a faca na cintura, o metal frio contra meus dedos, mas então ele falou, e suas palavras acertaram como uma flecha no meu peito.

— Será que consegue? — ele disse, a voz baixa, quase um sussurro. — Pelo que parece, você não é tão fria como os outros dizem, não é?

O sangue ferveu nas minhas veias. Quem ele pensava que era? Estava me subestimando? Achava que eu hesitaria? “Desgraçado”, pensei, a raiva engolindo qualquer traço de hesitação. Com um movimento rápido, meu punho voou contra o rosto dele, o impacto ecoando no beco. Ele caiu, apagado, o corpo desmoronando no chão como um saco de grãos. Fiquei olhando para ele, o peito subindo e descendo com respirações pesadas. Minha mão ainda formigava pelo soco, e uma parte de mim, aquela parte fraca que eu tanto desprezava se perguntou se eu tinha ido longe demais.

— Filho da puta — sussurrei, mais para mim mesma do que para ele, antes de arrastá-lo para fora daquele beco, para longe dos olhos de Tristária. Ele não podia ficar ali, e eu... eu ainda não sabia o que fazer com ele.

[...]

Tudo ficou escuro depois daquele soco. Não me lembro de nada nem do impacto, nem de como caí, nem de como cheguei onde estou agora. Só sei que, quando abri os olhos, o mundo era diferente. O fedor de Tristária tinha sumido, substituído pelo cheiro fresco de terra úmida e folhas. Eu estava deitado na grama, o som suave de um rio correndo ao meu lado. A água era tão clara que refletia as estrelas, como se o céu tivesse se derramado no chão. Minha cabeça latejava, e meu rosto doía como se um cavalo tivesse pisado em mim. Toquei a bochecha e senti o inchaço. “Que diabos aconteceu?”, pensei, tentando juntar as peças.

— Onde estou? — murmurei, sentando-me na grama, os olhos varrendo a floresta ao meu redor. As árvores eram altas, suas copas bloqueando a maior parte da luz do sol, mas havia uma quietude ali, um tipo de paz que eu não sentia há anos.

Então ouvi passos. Leves, calculados, mas inconfundíveis. Era ela. A Deusa da Noite. Eu ainda não sabia seu nome, mas não podia negar que, mesmo com toda a sua fúria, ela era... diferente. Linda, de uma forma que parecia quase irreal. Seus cabelos platinados brilhavam, e aqueles olhos violeta... nunca vi nada como eles. Eram hipnotizantes, mas também perigosos, como se pudessem me engolir inteiro. Nas mãos dela, um esquilo morto, pendurado pelas patas, o sangue pingando lentamente.

Ela parou na minha frente, me encarando com aquela expressão que era metade desdém, metade impaciência. — Ainda bem que acordou. Vai precisar caçar — ela disse, a voz cortante como uma lâmina.

— O quê? — retruquei, ainda atordoado, tentando processar o que estava acontecendo.

— Você não entendeu? — Ela ergueu uma sobrancelha, o tom carregado de sarcasmo. — Tá achando que vai sobreviver aqui se não caçar alguma coisa? Olha só pra você, está uma tripa seca.

— Ah, muito obrigado. Adorei o jeito doce como me trata — respondi, incapaz de segurar o comentário. Minha cabeça ainda doía, mas minha língua sempre foi mais rápida que meu bom senso.

Ela me lançou um olhar que poderia cortar pedra. — Eu não sou sua amiga. É bom saber que eu só te tratarei assim.

— Entendi — murmurei, esfregando o rosto dolorido. Mas havia algo que eu precisava saber, algo que não saía da minha cabeça desde o beco. — Mas eu ainda estou com dúvida em uma coisa.

Ela apenas me encarou, os olhos violeta faiscando com desconfiança. Não disse nada, então continuei.

— Por que não me matou? — perguntei, mantendo o tom leve, mas meus olhos fixos nos dela, procurando qualquer sinal de fraqueza.

— Não é da sua conta — ela respondeu, seca, desviando o olhar por um instante.

— Não? — Insisti, sentindo que estava pisando em terreno perigoso, mas incapaz de parar. — Não vai dizer que foi porque teve piedade?

Seus olhos voltaram para mim, e o ar ao meu redor pareceu ficar mais pesado. — Olha aqui, garoto... — ela disse, o tom tão sombrio que fez um arrepio subir pela minha espinha. — Não testa a minha paciência. Não te matei naquela noite, mas posso te matar agora se preferir. Você quer?

Ela não estava brincando. Havia uma promessa de morte naquele tom, uma frieza que me fez engolir em seco. Levantei as mãos, tentando acalmá-la.

— Não quero, não, senhorita — disse, forçando um tom leve, mas meu coração batia rápido. “Essa mulher é um vulcão”, pensei, mantendo o sorriso no rosto para não mostrar o quanto ela me intimidava.

— Ótimo — ela retrucou, virando-se para se afastar, o esquilo ainda balançando em sua mão.

— Aonde você vai? — perguntei, me levantando rápido, sentindo a tontura voltar por um momento.

— Preparar meu esquilo — ela respondeu, sem nem olhar para trás.

— E quanto a mim? — insisti, começando a segui-la, mesmo sabendo que isso provavelmente a irritaria ainda mais.

— Por isso mesmo eu falei que você precisava caçar. Vá pegar o seu — ela disse, o tom impaciente, como se eu fosse uma criança teimosa.

— Sério? Eu não sei caçar — admiti, esfregando a nuca. Era verdade. Sobreviver nas ruas de Tristária era uma coisa, mas caçar na floresta? Isso era um território completamente novo.

— Pra tudo tem uma primeira vez — ela retrucou, sem nenhuma compaixão na voz.

Suspirei, mas continuei atrás dela. Havia algo nela que me puxava, como se eu precisasse entender quem ela era, o que a movia. — Você pode pelo menos me dizer o seu nome? — perguntei, tentando soar casual.

Ela parou por um instante, e eu achei que não responderia. Mas então, quase como se estivesse cedendo contra a própria vontade, ela disse: — Aris.

— Certo, Aris... é um nome bonito — comentei, sorrindo, apesar da dor no rosto.

— Cala a boca, sua voz me irrita — ela disparou, acelerando o passo.

“Que mulher”, pensei, balançando a cabeça enquanto a seguia. “O que ela tem de bonita, tem de brava.” Mas, mesmo com a dor latejando no meu rosto e a certeza de que ela poderia me matar a qualquer momento, eu não conseguia parar de segui-la. Havia algo em Aris que me fazia querer saber mais, mesmo que isso significasse arriscar minha própria vida.

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Comments

Santoso

Santoso

Poderia ler de novo e de novo 🙌

2025-10-16

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