Lua de Sangue

Lua de Sangue

O preço

Eu nunca soube o que é o calor. Não o calor do sol, que eu sinto em meu cabelo comprido e dourado enquanto limpo o pátio, mas o calor genuíno, aquele que emana de um abraço ou de um olhar de carinho.

Aqui na Matilha Moon Black, sou apenas um resquício, uma peça de mobília que tem permissão para respirar. Eles me chamam de Serena, mas para a maioria, sou "a Omega", "a serva", ou, na pior das hipóteses, apenas "a filha dela".

Aos dezenove anos, meu corpo se tornou uma maldição e uma piada. Dizem que as ômegas são delicadas, mas o meu corpo é uma provocação: seios fartos, quadris largos, uma cintura que só destaca o resto. É como se eu tivesse sido feita para a atenção, mas condenada à invisibilidade. No espelho rachado do porão, eu vejo a única coisa boa que me resta: o cabelo. Longo, cor de mel, a herança da minha mãe que se foi.

Meu pai, o Alfa. Ah, ele é uma sombra, uma decepção vestida em pele de lobo. Desde que mamãe se foi e ele se casou com Lívia, a casa virou um túmulo para mim. Lívia não precisa de palavras duras; o olhar dela basta. É um gelo que congela a poeira que não limpei direito.

"Serena! Os vegetais não vão se descascar sozinhos!"

O grito estridente veio da cozinha. É Lívia. Ela tem um talento especial para saber exatamente quando eu paro de trabalhar para respirar.

Minha meia-irmã, Katte, é o oposto de tudo que eu sou. Uma Beta mimada, com o rosto redondo e um sorriso condescendente. Ela está sempre sentada à mesa da cozinha, roendo as unhas e assistindo meu pai dar a ela a atenção que eu daria a vida para receber.

Eu sou a única Ômega da família, e isso aqui não é uma casa, é uma penitenciária de tarefas. Lavo, cozinho, lustro os troféus de caça do meu pai que nem me olha.

Eu limpo. Eu cozinho. Eu obedeço.

Mas hoje, algo está diferente. A floresta está silenciosa, um silêncio pesado demais para ser natural. E há um cheiro novo no ar. Não é o cheiro de pinho ou chuva. É... poder. É escuro, amadeirado, e me atinge com a força de um soco no estômago, fazendo com que o balde de água que eu segurava quase caia.

Ele está perto. Um Alfa de verdade. Não o meu pai exausto e cego, mas algo selvagem, perigoso. E ele está procurando por algo. Ou, pior, por alguém.

"Serena!"

O grito de Lívia me puxa de volta. Eu pego o balde e corro para a cozinha, mas por um instante fugaz, meu coração de loba, sufocado e faminto, tremeu com a esperança tola de que talvez, pela primeira vez na minha vida, o destino tivesse finalmente chegado.

O que você gostaria que acontecesse em seguida? Serena vai ao encontro desse cheiro? Lívia a impede? Ela encontra esse Alfa

Eu mal havia entrado na cozinha, o cheiro do misterioso Alfa ainda a queimar minhas narinas, quando meu pai, o homem que sempre evitei, pigarreou, chamando a atenção. Ele estava sentado à mesa, com a expressão de alguém que acabara de fazer um péssimo negócio. Lívia, ao seu lado, sorria um sorriso frio e satisfeito. Katte parecia confusa.

"Serena," meu pai começou, a voz áspera e evitando meu olhar. "Vá para o seu quarto. Arrume a sua melhor roupa... a que a Lívia te deu no Natal passado."

Fiquei estática. Um convite? Uma festa? Eu nunca era incluída em nada.

Lívia se inclinou para frente, apoiando os cotovelos na mesa. O sorriso dela era afiado. "Seu pai fez um acordo, querida. Um ótimo acordo. E você é o presente."

Meu estômago afundou. Senti o primeiro medo real, que superava o medo constante de um tapa ou de uma bronca.

"Presente?" murmurei, a palavra me parecendo suja.

Meu pai, finalmente, olhou para mim. Não havia carinho, apenas alívio. "É para o Norte, Serena. Para o Lorde Darian."

O nome atravessou o ar como um raio. Lorde Darian. O Alfa do Norte. Ele não era apenas um líder de matilha; ele era um rei frio, conhecido por sua crueldade controlada e por expandir seu território sem piedade. Diziam que seu lobo era maior que um cavalo e que seus olhos brilhavam com gelo.

"O quê? Por que eu?", consegui perguntar, a voz falhando.

Lívia riu, um som seco e baixo. "Porque ele quer um herdeiro, tola! E você... bem, você tem as curvas certas para o trabalho. Seus pais de lá são fortes, mas as Ômegas dele não estão procriando rápido o suficiente. Você é uma Ômega forte, mesmo que seja inútil para nós." Ela deu de ombros, como se estivesse falando do clima. "Ele precisa de sangue novo. E seu pai está devendo um favor antigo à Matilha da Geada."

Katte, a protegida, finalmente falou, com um tom de inveja na voz: "Vai dormir com o Alfa mais poderoso? Uau, Serena."

Ter herdeiros. Com o Lorde Darian. Minha vida seria transformada em uma incubadora real. Meu destino, que já era de servidão, se tornava agora o de uma posse valiosa.

"Eu... eu não vou!" O grito escapou antes que eu pudesse contê-lo. Foi a primeira vez que me opus a ele.

O rosto do meu pai se contorceu de raiva. O Alfa dentro dele despertou brevemente, cheio de autoridade. "Você irá, Serena! É uma ordem. É para o bem da Matilha! Você vai para lá, vai cumprir o seu dever e vamos esquecer que esse acordo nos custou tanto."

Lívia se levantou e pegou um pano que estava sobre o balcão. Ela limpou um ponto inexistente na mesa, com um ar de finalização.

"Ele a está esperando. Na fronteira. Vão levá-la antes do pôr do sol." Ela parou, e olhou diretamente para mim. "E tente não nos envergonhar. O Lorde Darian é impaciente, e eu duvido muito que ele tolere insubordinação de uma cadela teimosa."

Meu peito subiu e desceu com a respiração rápida. Olhei para meu pai uma última vez, buscando um pingo de proteção, de amor. Não encontrei nada. Ele já estava absorto em um jornal, ignorando a filha que acabara de vender.

Eu subi as escadas, o coração em pedaços. No quarto escuro, vesti a única roupa "decente" que possuía. O tecido não me dava conforto, apenas a sensação de estar sendo embalada para entrega. Meu cabelo, que tanto amava, agora parecia um laço dourado na embalagem.

Eu era um pagamento. E meu novo dono era o Alfa que cheirava a perigo e prometia o frio.

Ao ser forçada a entrar na carruagem escura, olhei para a casa da Matilha Moon Black. A lua, já alta, parecia me observar. Eu estava sendo levada para o desconhecido, e a única coisa que me restava era a certeza de que meu coração, mesmo que fosse forte, estava prestes a ser quebrado pelo mais poderoso dos Alfas.

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Comments

Dani B

Dani B

estou gostando do livro

2025-10-16

1

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