O Lazuli Vermelho era tudo o que Kaio esperava. Sob a luz azulada do seu laboratório improvisado, o cristal pulsava com uma energia suave, e quando ele o introduziu na solução da cura, uma reação em cadeia aconteceu. O líquido opalescente clareou, assumindo um brilho âmbar pálido e estável. Uma beleza silenciosa que carregava o peso do mundo.
— Está feito — Kaio anunciou, sua voz um misto de triunfo e incredulidade. Ele segurava um único frasco. A Genèse. — Pelo menos, a versão preliminar. Precisamos testá-la.
A palavra "testar" pairou no bunker como um fantasma. Testar como? Em quem? A ética, um luxo de um mundo extinto, agora se tornava uma questão prática e brutal.
Foi May, ironicamente, quem encontrou a resposta. Durante uma de suas incursões de "distração" nos arredores do bunker — ele insistia que estava caçando suprimentos, mas todos sabiam que ele caçava adrenalina —, ele ouviu um som. Não o grunhido gutural de um zumbi, mas um choro abafado, humano.
Ele seguiu o som até um galpão de manutenção semi-destruído. Lá, escondido atrás de um monte de pneus velhos, estava um homem. Não era muito mais velho que eles, talvez vinte e poucos anos. Suas roupas estavam rasgadas e sujas, e ele pressionava um pedaço de tecido ensanguentado contra o braço. Seus olhos, wide com pânico, encontraram os de May.
— Por favor — o homem suplicou, sua voz trêmula. — Ele me mordeu... não faz nem uma hora. Por favor, não me mate.
May não se moveu. Ele apenas olhou, a máscara do palhaço completamente ausente. Ele viu o próprio reflexo naquele desespero. A memória do machado em suas mãos, do rosto de sua mãe, passou por sua mente como um raio. Ele se virou e correu de volta para o bunker.
— Tem um cara — ele anunciou, ofegante, entrando na sala comum. — Mordido. Recente.
A decisão foi tomada em uma atmosfera de tensão palpável. Eles trouxeram o homem — seu nome era Elias — para o bunker. Ele estava aterrorizado, tremendo incontrolavelmente, certo de que sua sentença de morte havia sido apenas adiada.
Kaio explicou a situação, sua voz calma, mas os olhos traíam a pressão que ele sentia.
—Temos uma possível cura. Mas nunca foi testada em um humano. Pode funcionar. Pode não funcionar. Pode... piorar as coisas. A escolha é sua.
Elias olhou para os rostos ao seu redor: o cientista ruivo com olhos sérios, o francês impassível com suas katanas, o garoto alto e silencioso com olhos de predador, e o outro, o que o encontrara, cujo rosto agora era uma tela em branco de emoções contidas.
— Não tenho nada a perder — Elias sussurrou, suas lágrimas finalmente escapando. — Façam.
O processo foi agonizante para todos. Kaio injetou a cura âmbar no braço de Elias. Os minutos que se seguiram foram os mais longos de suas vidas. Elias começou a suar frio, seu corpo foi tomado por tremores. Ele gritou, um som de pura agonia, enquanto a cura travava uma guerra silenciosa e violenta contra o vírus dentro de sua corrente sanguínea.
May não conseguiu assistir. Ele se virou e enterrou o rosto no ombro de Matheus, que, surpreendentemente, não se afastou. Pelo contrário, sua mão encontrou as costas de May, uma pressão firme e ancoradora.
Andier ficou de pé ao lado de Kaio, uma fortaleza silenciosa, pronto para o pior.
Então, tão abruptamente quanto começou, a convulsão cessou. Elias caiu para o lado, ofegante, o suor escorrendo por seu rosto. A febre havia baixado. A cor estava voltando ao seu rosto pálido. E, mais importante, seus olhos, que antes estavam turvos pelo pavor e pela febre, agora estavam claros. Lúcidos.
Ele olhou para seu braço. A ferida da mordida, antes negra e inchada, agora era apenas um corte vermelho e limpo.
— Eu... — a voz de Elias saiu rouca, mas humana. Inteiramente humana. — Eu sinto... dor. Só dor. A escuridão... se foi.
Um silêncio atordoador preencheu o bunker. E então, Kaio soltou um suspiro trêmulo, e um sorriso real, desimpedido, iluminou seu rosto. Andier colocou uma mão em seu ombro, e os olhos verdes encontraram os de Kaio, brilhando com um orgulho intenso.
May se afastou de Matheus, suas próprias lágrimas fluindo livremente agora, mas eram lágrimas de um alívio avassalador. Ele olhou para Matheus e viu, não um sorriso, mas uma suavidade em seus olhos que ele nunca tinha visto antes. Era o amanhecer após uma noite eterna.
Eles haviam feito isso. Eles haviam curado alguém.
A celebração foi discreta, mas eufórica. Eles compartilharam uma refeição, e Elias, fraco mas são, contou sua história. Era uma história comum, de perda e sobrevivência, mas agora tinha um final diferente. Um novo começo.
Mas o preço da esperança, eles logo descobririam, era a atenção.
No dia seguinte, enquanto Andier fazia uma ronda de rotina no perímetro, seus olhos verdes, sempre vigilantes, captaram um movimento anormal a cerca de um quilômetro de distância. Não era o andar desengonçado de zumbis. Era o movimento coordenado de figuras humanas, se movendo com um propósito. Eles usavam roupas surradas, mas funcionais, e carregavam armas que não eram improvisadas. Eram caçadores.
Andier observou, seu sangue esfriando, enquanto um deles, uma mulher com cabelos escuros cortados rente e um olhar tão afiado quanto uma lâmina, levantou um par de binóculos e varreu a paisagem. Seus olhos passaram pela entrada oculta do bunker, pausaram por uma fração de segundo e seguiram adiante.
Mas Andier viu. Ele viu a calculadora por trás daquele olhar. A avaliação.
Ele recuou silenciosamente e correu de volta para o bunker.
— Temos um problema — ele anunciou, sua voz cortando a atmosfera de otimismo. — Forasteiros. Armados. Eles parecem... organizados. E acho que eles podem suspeitar que estamos aqui.
Kaio pegou o frasco da cura, que agora parecia incrivelmente pequeno e precioso.
— O que eles querem? — May perguntou, a velha energia voltando, mas agora tingida de apreensão.
Andier olhou para ele, seu rosto sério.
—Em um mundo morrendo? — ele respondeu, sua voz baixa e grave. — Eles querem o que sempre querem. Tudo. E acho que eles viram nossa luz no fim do túnel.
A esperança, como uma flor desabrochando no deserto, havia atraído abutres.
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Atualizado até capítulo 21
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